Se você pensa em trabalho 24 horas, é sedentário e acredita que esporte é prerrogativa exclusiva de atletas profissionais, esta entrevista com o preparador esportivo José Rubens D’Elia tem tudo para abalar seus alicerces conceituais — ou tirá-lo da letargia. Treinador de equipes de ciclismo que representaram o Brasil nas olimpíadas de Los Angeles (1984), Seul (1988) e Barcelona (1992), consultor da equipe olímpica de ciclismo, preparador físico do heptacampeão de iatismo Robert Scheidt e portfólio de mais de 500 atletas profissionais atendidos ao longo de 20 anos, D’Elia garante: o esporte tem muito a oferecer a empresários e executivos soterrados em rotinas profissionais. “A atividade esportiva ensina a ser mais eficiente, a trabalhar mais e melhor” — enfatiza o autor do livro Fábrica de Campeões — Preparação Física para Gente de Sucesso, lançado pela Editora Gente.
A afirmação está consubstanciada na publicação repleta de depoimentos e histórias de profissionais que transformaram o esporte em vantagem competitiva na arena do trabalho. Como a do executivo da Rede Globo, José Carlos Duque Pinho, que deixou para trás colesterol, pressão alta, alta taxa de açúcar, excesso de peso e outros subprodutos do sedentarismo para abraçar o triatlo, modalidade que reúne natação, ciclismo e corrida em uma mesma prova. Duque Pinho é exemplo típico do que Rubens D’Elia chama de profissional-atleta, que não compete por necessidade financeira, como as atletas profissionais, mas converte o esporte em valioso corrimão para o trabalho.
No livro Fábrica de Campeões, o senhor defende forma de tratamento heterodoxa que chama de terapia esportiva. O que é terapia esportiva?
José Rubens D’Elia — A terapia esportiva é a proposta de reconquistar o equilíbrio, base de tudo na natureza, por meio do corpo e da atividade física. É a busca de superar a si mesmo e fazer o melhor para despertar e fortalecer o atleta campeão que há em cada um de nós. É adequar a dieta e ganhar hábitos que propiciem boa circulação sanguínea e reposição de energia, dando ao corpo sustento saudável e tempo de recuperação — as contrapartidas necessárias após os excessos inevitáveis da vida. Terapia esportiva é autoconhecimento, reflexão e intimidade com o próprio corpo.
Que tipo de benefícios o esporte pode proporcionar a executivos, empresários e profissionais liberais que não sonham em se tornar atletas profissionais?
José Rubens D’Elia — Tive o privilégio de conviver com atletas profissionais de ciclismo, automobilismo e vela, entre outros. Sempre acreditei que o atleta profissional é excelente modelo para quem quer ser vencedor na vida, independente da área de atuação. Como também atendi muitos profissionais de outras áreas com programas esportivos, principalmente executivos, pude confirmar a minha tese ao perceber a importância da atividade física para a materialização de expectativas e superação de desafios. Existem, portanto, o atleta profissional e o profissional-atleta, que procura no esporte equilíbrio e motivação necessários para o bom desempenho em todos os aspectos da vida — inclusive no trabalho. Ao trazer esses dois modelos para o livro, pude criar o paralelo e mostrar o quanto o profissional-atleta pode pegar carona no modelo do atleta profissional para responder aos desafios e à pressão do mundo atual.
O grande benefício da atividade física para o profissional-atleta é justamente o de encontrar o plus que o mundo globalizado cobra e que o lado intelectual já provou ser incapaz de dar, visto que as exigências extrapolam o saber técnico e a especialização. Além da competência específica, o mercado exige polivalência, capacidade para atuar sob pressão sem perder o equilíbrio, energia para trabalhar mais de 10 horas por dia e para continuar conectado 24 horas pela facilidade da tecnologia e do tempo real. Há ainda grande expectativa de que os profissionais estejam sempre dispostos a continuar aprendendo e que, mesmo com esse acréscimo no número de horas de trabalho e da conexão full-time, haja equilíbrio entre a vida pessoal e profissional. Só com a atividade física é possível encontrar esse fôlego extra, com saúde física e emocional.
Um dos grandes argumentos para os executivos que só pensam em trabalho é que o esporte pode ser um grande corrimão para a vida. É uma nova cortina de possibilidades para solucionar problemas do mundo corporativo que podem, à primeira vista, se apresentar como complicados ou insolúveis. É uma forma saudável de ativar a criatividade e encontrar alternativas para situações complexas. E para isso, basta experimentar o que acontece com o corpo, a mente e a alma, após uma caminhada, uma corrida ou um tempo pedalando. Não é panacéia, mas com certeza, uma grande solução, com benefícios em todas as áreas.
O que acontece com o corpo, em nível orgânico e fisiológico, durante atividades aeróbicas como corrida, ciclismo e natação?
José Rubens D’Elia — Biologicamente falando, permanecer sedentário significa represar a adrenalina produzida pelo corpo, — e criar o alimento perfeito para as doenças psicossomáticas decorrentes do estresse. Você certamente conhece a expressão aliviar a tensão. Nada mais é do que descarregar a adrenalina acumulada no organismo devido à pressão da vida pessoal e profissional, que envolvem riscos constantes. E podemos fazer isso do melhor modo possível: calçando o tênis e correndo feito bichos.
Um corpo em movimento libera endorfinas que ajudam a equilibrar o excesso de adrenalina. Isso resulta em estado de êxtase de alma, em bem-estar semelhante ao provocado por uma dose de morfina, porém natural e produzido pelo próprio organismo. Moral da história: a cabeça funciona melhor, o coração se expande e ilumina sua vida e a de quem está ao seu lado.
Além disso, a falta de exercício não entope somente as artérias do coração, mas também do cérebro. O entupimento sanguíneo leva à ausência de capacidade de análise e dificulta a tomada de decisões. Quando uma pessoa faz exercícios físicos, não está somente fortalecendo os músculos. Está, principalmente, mantendo as condições da circulação sanguínea, princípio de qualidade de vida.
A resistência física e psicológica exercitada em uma prova de longa duração como uma maratona, por exemplo, ajuda a desenvolver mais calma, paciência e disposição para enfrentar os problemas inerentes ao mundo do trabalho?
José Rubens D’Elia — Com certeza. Ninguém fica imune aos efeitos globais de uma maratona. Os treinos exigidos, que vão desenvolver disciplina e resistência, além de toda superação exigida na prova, valem para a vida. Há migração recíproca de um ambiente para o outro. A grande lição do esporte é ensinar que para competir bem é preciso treinar, treinar e treinar. Para competir no final de semana, treina-se a semana inteira. E nas empresas se compete diariamente, mas treina-se muito pouco. E na maioria das vezes, sem liderança, sem motivação, sem objetivo, sem emoção, sem paixão.
Muitos empresários e executivos culpam a falta de tempo por não praticar atividades esportivas. E acreditam que se dedicarem uma fração do dia para correr, pedalar ou nadar, terão ainda menos tempo para cuidar dos negócios. Como avalia essa desculpa?
José Rubens D’Elia — Primeiro, é necessário relembrar a todos eles que tempo todos têm na mesma medida e proporção. Todos os seres humanos têm 24 horas. O diferencial está em como esse tempo é utilizado individualmente. Existe uma ilusão de que faltará tempo para o trabalho quando nos dedicamos à atividade física. Essa ilusão é decorrente da falta de aprendizagem sobre a importância e do que nosso corpo precisa para funcionar bem. Infelizmente, a antiga Educação Física não estimulou esse aprendizado. A maioria dos executivos de hoje faz parte da chamada turma do atestado médico, ou seja, daqueles que pediram dispensa das aulas de Educação Física.
Paradoxalmente, hoje, são os médicos que fazem com que esses executivos voltem a fazer atividade física. Exercitar-se passou a fazer parte de todas as prescrições médicas, independente da doença ou mal-estar.
Kenneth Cooper, numa entrevista concedida à revista Veja, no ano passado, diz uma frase muito contundente para descrever essa situação: “Se você não tem tempo para fazer atividade física, então arrume tempo para ficar doente”. A minha missão como preparador de profissionais-atletas é chegar antes do médico para que elas possam assumir a atividade física por amor e por prazer. E não pela dor ou pela dificuldade muitas vezes gerada por uma doença.
Poderia citar alguns profissionais-atletas que conseguem conciliar com sucesso a rotina do trabalho com os desafios do Esporte, além do exemplo já conhecido de Abílio Diniz que, recentemente, lançou autobiografia que enfatiza a importância das atividades físicas para o desempenho empresarial à frente do Grupo Pão de Açúcar?
José Rubens D’Elia — Entre os que incorporaram a atividade física como parte integrante de suas vidas para ter saúde, sucesso e felicidade — e cujos depoimentos estão no livro Fábrica de Campeões, figuram nomes como Roberto Shinyashiki, médico, consultor, escritor e palestrante; Antonio Hermann, empresário; Roger Wrigth, empresário e velejador; Olga Bongiovanni, jornalista e apresentadora; Xandy Negrão, empresário e piloto de stockcar; Ari Junior, jornalista; além dos médicos Renato Lotufo, Dino Altmann e Moisés Cohen.
Existe uma atividade mais indicada para quem deseja ingressar no mundo do esporte ou a escolha depende das características pessoais de cada um? Como encontrar a melhor opção?
José Rubens D’Elia — A recomendação é sempre desenvolver um projeto personalizado para cada pessoa, de acordo com o seu perfil físico, psicológico e histórico de vida. O grande segredo é encontrar algo que resgate um sonho e uma habilidade na área física, para poder construir o sonho e objetivo atual.
Quais esportes são mais indicados, os individuais ou os coletivos como futebol, vôlei e basquete? Quais competências são mais desenvolvidas em cada uma dessas modalidades?
José Rubens D’Elia — Quem decide o que é mais indicado é o próprio praticante, de acordo com seu perfil e sonho. Se o executivo quiser desenvolver capacidade para trabalho em equipe, os esportes coletivos podem ajudar muito. Se por outro lado quiser desenvolver recursos como criatividade, equilíbrio e concentração, caminhada ou corrida podem ser os mais indicados. Todos têm possibilidades infinitas de competências que podem ser trabalhadas individual ou simultaneamente.
Você acredita que no Brasil ainda existe muito preconceito em relação aos profissionais que cultivam atividades esportivas? Há percepção generalizada, baseada na falta de informação e cultura, de que quem pratica esportes é folgado, ocioso e deveria trabalhar em vez de perder tempo?
José Rubens D’Elia — Posso afirmar que, felizmente, esse paradigma ficou no passado. Hoje, existe consciência muito grande dos benefícios do esporte à saúde. E as mídias têm colaborado decisivamente para isto. Somente no campo das revistas formadoras de opinião, temos no mínimo cinco ou seis matérias de capa sobre atividade física e saúde por ano. Os grandes canais de televisão têm vários programas sobre a importância da atividade física. A sociedade como um todo passou a colocar esse assunto em pauta nas empresas e nas escolas.
As empresas se inspiram nos modelos esportivos de sucesso e fazem deles seus novos gurus. Palestrantes, consultores e escritores se apoderam do vocabulário, exemplos e cenas esportivas para descrever, exemplificar e treinar comportamentos exigidos pelas organizações. É o mundo esportivo ampliando fronteiras e penetração. De um cenário inicialmente restrito a adeptos e atletas, o esporte entra com força total no mundo do trabalho, levando ensinamentos e, resultado que passa necessariamente por atitudes como treinamento sistemático, disciplina, perseverança e desenvolvimento permanente de competências.
A aproximação entre esporte e trabalho foi estimulada por vários fatores, um dos quais é o aumento da competitividade, cada vez mais acirrada, que evidenciou o desgaste ou a insuficiência das fórmulas clássicas voltadas ao mero tecnicismo. O mercado de trabalho representa um jogo de final de campeonato. E muitas vezes sem a partida de volta. É preciso saber jogar, viver o clima de pressão e estar preparado para ganhar.
E nos países desenvolvidos, é diferente o conceito sobre quem pratica exercícios regularmente e trabalha?
José Rubens D’Elia — Nos países desenvolvidos essa cultura é mais evoluída e os resultados apareceram claramente na supremacia esportiva. Porém, na esfera individual, do ser humano, não há muitas diferenças em relação à necessidade de se exercitar. Durante décadas e décadas, privilegiou-se a razão, o que fez com que as atividades intelectuais tivessem prioridade na vida das pessoas. O Oriente está muitos anos na frente em relação à educação psicofísica, que integra corpo, alma e mente.
No Brasil, quais empresas poderiam ser citadas como exemplos de estímulo a atividades esportivas?
José Rubens D’Elia — Além do Pão de Açúcar, que é reconhecido pelo pioneirismo, atendo empresas como Bristol-Myers Squibb, Dixie Toga, Nestlé, Lex Mark e Sopave.
O que o senhor diria sobre os que fumam, são sedentários e, ainda assim, exibem carreiras profissionais de sucesso?
José Rubens D’Elia — Diria que eles investiram na área do sucesso, não na área da saúde. Até determinada fase da vida, mesmo que não nos cuidemos bem, o corpo responde aos desafios e se auto-regula. Após os 30 anos, inicia-se a decadência física. Então, o que vemos e as estatísticas mostram é que muita gente de sucesso que abriu mão da saúde para ter sucesso começa a abrir mão do sucesso e do dinheiro conquistado para ter saúde. Alguns ainda conseguem, pela dor, recomeçar. Para muitos outros, não dá mais tempo. O sedentarismo é um dos maiores vilões da saúde. As doenças decorrentes disso são silenciosas, como hipertensão, diabetes e obesidade. Quando gritam, já estão em estágio avançado. Por isso, é essencial cultivar estilo de vida saudável, que integre corpo, mente e alma, com direito a sucesso, saúde e felicidade.
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10/05/2024 Todas as respostas de Carlos Ferreira