O gerente do escritório regional do Sebrae de Santo André, Cláudio Barrios ocupa as páginas amarelas desta edição depois de revelar inquietações em conversa informal. Não se trata de denúncia bombástica, mas de análise que utiliza importante referência histórica para mostrar que sempre é possível aprender com os erros do passado. Familiarizado com as agruras de micro e pequenos empresários, Cláudio Barrios demonstra preocupação com possível nova onda de empreendedorismo de sobrevivência caso o cenário para as montadoras fique mesmo complicado.
A preocupação está longe de parecer delírio porque o Grande ABC ainda tem 70% do PIB atrelado ao segmento mais globalizado do planeta e as notícias que chegam de todos os cantos do mundo sinalizam cautela. A região não tem mais mercado para absorver nova leva de empreendimentos de pequeno porte. São vários os exemplos relatados por Cláudio Barrios de gente que sobrevive à duras penas e não tem tempo nem recurso para adotar práticas mais eficientes de gestão empresarial.
Formado em Administração de Empresas, com especialização em finanças e consultoria de recursos humanos, Cláudio Barrios iniciou carreira no Sebrae como atendente e consultor do balcão. Desde dezembro de 1998 ocupa a gerência do escritório regional de Santo André. A experiência lhe permite disparar frases para alertar otimistas em excesso. “Um pequeno empreendedor tem de conhecer o mercado, ter noção de custo, de gerenciamento, de logística, de produtividade e desperdício, de tributos, de leis, de certificações e questões sanitárias” — ensina.
O Grande ABC perdeu 100 mil empregos industriais na década de 90 e a maioria foi eliminada da cadeia automotiva, sobretudo do setor metal-mecânico. A região, no entanto, continua com 70% do PIB atrelado às montadoras e o cenário depois do aquecimento pontual de 2004 aponta novamente para a redução de recursos humanos. Algumas montadoras já recorrem a PDVs e a Volks tem acordo de estabilidade até 2006, mas depois disso não se sabe o que acontecerá. O senhor acredita que eventual diminuição de efetivo das montadoras possa levar à nova onda de empreendedorismo de sobrevivência, visto que essas corporações geralmente oferecem bons acordos rescisórios?
Cláudio Barrios — Pode ocorrer sim, pois continua difícil arrumar emprego principalmente na indústria. A oferta de postos de trabalho continua baixa e a atividade empresarial própria é sempre encarada como saída para momentos de crise. Por questões de sobrevivência ou até mesmo de sonho de abrir a própria empresa, trabalhadores acreditam que basta ter dinheiro e vontade de trabalhar para tocar uma empresa. As histórias, no entanto, mostram que não é bem assim. Um pequeno empreendedor tem de conhecer o mercado, ter noção de custo, de gerenciamento, de logística, de produtividade e desperdício, de tributos, de leis, de certificações, questões sanitárias e tantos outros quesitos que determinam ou não o sucesso do negócio. Como os pequenos quase nunca têm recursos para contratar profissionais especializados, precisam se valer cada vez mais de informações. Informação é fundamental para qualquer empreendimento, independente do porte.
Esse trabalhador que provavelmente vai empregar o Fundo de Garantia em negócio próprio tem possibilidade de ir para frente ou continuará, como aconteceu na década de 90, presa fácil de mercado que exige cada vez mais competência e excelência?
Cláudio Barrios — Essa é uma preocupação constante porque a realidade mudou pouco dos anos 90 para cá. Empreender requer cada vez mais perspicácia. A derrocada de muitos empreendedores egressos da indústria é característica de cidades inseridas em regiões metropolitanas. No Grande ABC não é diferente. Diversas pesquisas realizadas pelo Sebrae chamam atenção para o fato e são ferramentas de sensibilização quanto aos cuidados que um empreendedor deve ter antes de iniciar atividade. No papel de orientadores, mostramos os riscos de se abrir uma locadora ou um lava-rápido sem ter noção da concorrência em seu raio de atuação geográfica ou se achar que a clientela pode ser formada por amigos e familiares. É preciso analisar todas as vertentes e reunir o maior número possível de subsídios antes de tomar a decisão de iniciar a atividade empresarial. Vários fatores contribuem para a mortalidade de micro e pequenas empresas. Ocorrem situações nas quais se investe economias sem o mínimo de planejamento, sem conhecimento do mercado e sem determinar o público-alvo. Tudo isso, aliado ao grande número de atividades semelhantes e às oscilações da conjuntura econômica, pode levar ao fracasso e à frustração.
Com base em todos esses fatores e na experiência de conviver diariamente com micros e pequenos, como o senhor avalia o grau de evolução das empresas instaladas na região e que procuram o Sebrae na tentativa de profissionalizar gestão?
Cláudio Barrios — Muitos empreendedores nos procuram para aprimorar técnicas de gestão ou para adotarem práticas até então desconhecidas. O perfil das micro e pequenas empresas do Grande ABC é muito heterogêneo e o estágio em que se encontram depende do grau de maturidade e de conhecimento do empreendedor. Há casos de clientes que conseguem detectar problemas de gestão e nos procuram antes que a situação da empresa esteja duramente comprometida. Esses têm grau de conhecimento e experiência que ajuda a dominar o problema e conduzir eventuais mudanças sem grandes traumas. Há casos de clientes que nem sequer conhecem as causas da má qualidade dos negócios, o que pode prejudicar muito a vida da empresa. De modo geral, os empreendedores de nossa região de atuação estão cada vez mais atentos às questões que envolvem o dia-a-dia da atividade empresarial e isso, de certo modo, demonstra evolução. Infelizmente nem todos procuram entidades de apoio como o Sebrae. Alguns por desconhecimento. Outros por falta de tempo. O pequeno empresário é espécie de faz-tudo dentro da empresa. Tem de se preocupar com limpeza, com atraso do funcionário, compra do material, atendimento ao cliente e até fazer o cafezinho, como costumam brincar. Infelizmente não sobra tempo para buscar informações. Informação é uma das principais características do empreendedor de sucesso.
E quem são as empresas que procuram apoio do Sebrae? É possível estimar o percentual de micros e pequenas empresas que já passaram por algum tipo de orientação nos escritórios da região. O Sebrae conhece o número de pequenas e micros instaladas no Grande ABC ou apenas trabalha com estimativa baseada em dados nacionais?
Cláudio Barrios — Grande parte é do setor de comércio e de prestação de serviços, justamente pelo crescimento desse tipo de empreendimento na região. São donos de comércio de roupas, artigos de informática, padarias, lanchonetes, cafeterias, prestação de serviços de costura, salão de beleza e estética, entre outras atividades. No setor industrial, não foge da característica regional forjada nos últimos 15 anos: empresas do setor metal-mecânico, alimentos, transformadores e recicladores de plásticos, na maioria. O Sebrae-SP realizou a pesquisa estadual Necessidades do Empreendedor Paulista - Sebrae-SP 2002, que identificou 4,5 milhões de micro e pequenos empreendedores no Estado de São Paulo. O universo abrange empresas formais e informais, mas não foi fatiado. Portanto, não temos essa informação específica para o Grande ABC e trabalhamos com estimativas das Prefeituras.
Pesquisa sobre mortalidade empresarial divulgada pelo Sebrae constatou que um dos fatores responsáveis pelo fechamento precoce de empresas é a falta de capacidade gerencial dos empreendedores. No Grande ABC, o problema é detectado nas mesmas proporções da amostragem nacional?
Cláudio Barrios — Também não há pesquisa específica para o Grande ABC quanto à mortalidade de empresas. Acreditamos que não foge à realidade da amostragem nacional. Segundo a pesquisa, 60% das empresas fecham antes de completar o quinto ano de atividade por falta de planejamento prévio, gestão deficiente, atividade econômica deprimida, insuficiência de políticas de apoio e problemas pessoais. O resultado parece óbvio para quem está habituado ao mundo dos negócios, mas quem precisa ganhar dinheiro para pagar as contas no final do mês geralmente só atenta para esses quesitos quando descobre que a fórmula fabrico por x, vendo por y e lucro z não é suficiente para garantir a sustentabilidade dos negócios.
Recentemente a Prefeitura de Santo André mapeou a economia informal do Município e chegou à conclusão de que o comércio é o setor que menos paga impostos e menos registra funcionários. Os motivos são vários. Vão de dificuldade gerencial até necessidade de sobrevivência. Como o Sebrae orienta quem quer sair da informalidade num País que cobra uma das maiores cargas tributárias do mundo?
Cláudio Barrios — A existência de empreendimentos informais, principalmente de atividade comercial, é verídica e não podemos fechar os olhos para a realidade. Em ação específica no Grande ABC, identificamos que a grande maioria dos informais almeja sair dessa condição. Eles se sentem excluídos por estarem fora da lei, mas têm dificuldade gerencial, falta de experiência, de conhecimento e, sobretudo, receio em relação à carga tributária. O apoio que oferecemos a quem queira sair da informalidade está baseado em orientações, consultoria especializada e treinamento. O Sebrae também tem atuação pró-ativa mais abrangente. Tanto que apresentou no Congresso Nacional o Anteprojeto da Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas, que busca desoneração e racionalização de impostos, desburocratização, estímulos e incentivos.
Que métodos o Sebrae utiliza para convencer o dono de uma pizzaria que é possível evitar percalços com a adoção de atendimento mais cordial, programas de qualidade e de higiene, além de práticas contra o desperdício, entre outras mudanças possíveis?
Cláudio Barrios — Quando a realidade é percebida pelo próprio cliente, o trabalho de convencimento é mais simples porque fica restrito à identificação das ferramentas de gestão que se encaixam especificamente naquele negócio. Quando é identificada por meio de nossa consultoria, o quadro é bem diferente e temos de tomar cuidado para não parecer invasivos demais. Afinal, isso implicará em mudanças na forma de o empresário gerenciar a atividade. Mudar a forma de fazer nem sempre é fácil, principalmente quando alguém de fora diz o que é preciso ser feito. Nossos consultores e funcionários procuram mostrar os melhores caminhos. Coincidentemente, temos tido experiência com 10 pizzarias de Santo André. O grande desafio dos empresários é mudar hábitos. Eles estão conscientes disso e já estamos em fase de implantação do Projeto Sabor & Qualidade, que abrange empreendedorismo, gestão, técnicas de produção e higiene na manipulação de alimentos.
E o dono da pizzaria que trabalha na informalidade, também é alvo desse programa específico? O Sebrae terá alguma atuação pró-ativa para convencê-los a trabalhar dentro da lei?
Cláudio Barrios — No caso de uma pizzaria e de outros estabelecimentos do segmento de alimentação que atuam informalmente, ponto importante na sensibilização quanto a formalização é a possibilidade de melhores negociações com fornecedores. Outro fator a ser observado é a necessidade de alvará da Vigilância Sanitária para garantir a qualidade dos produtos oferecidos ao consumidor. Houve um ponto positivo no trabalho com as pizzarias. Inicialmente existiam dois empreendedores na informalidade. Um deles formalizou recentemente a atividade, pois sentiu a necessidade de se posicionar no mercado de forma organizada e profissional. O outro está planejando formalização. Os dois empresários atendem a mesma região, são concorrentes diretos e por meio de ações do Projeto Sabor & Qualidade se tornaram parceiros em alguns pontos, dentro do conceito de coopetição.
Se fosse possível estabelecer nota de zero a 10 para o poder de convencimento do Sebrae, em que patamar o senhor situaria o trabalho desenvolvido na região?
Cláudio Barrios — Difícil estabelecer uma nota sem definir critérios específicos para a avaliação. O fato é que estamos constantemente em busca do aprimoramento de nossas ações. Entendo que nossa ação está muito mais focada na sensibilização e na educação.
Qual o procedimento para obter apoio do Sebrae no Grande ABC. Basta chegar e pedir ajuda? É preciso pagar pelos serviços? O micro e pequeno empresário, em geral, conhecem o rol de serviços disponíveis?
Cláudio Barrios — Muitos empreendedores conhecem nosso rol de produtos e serviços, bem como nossa forma de atuação. Muitos desconhecem mas já ouviram falar do Sebrae. O cliente é atendido sem custo. Consultorias e palestras gerenciais também são gratuitas. Já os cursos e outras atividades específicas exigem investimento.
Entre todos os trabalhos que o Sebrae tem realizado ultimamente, a parceria com a Agência de Desenvolvimento Econômico do Grande ABC nos Arranjos Produtivos Locais de plástico, autopeças e ferramentaria pode ser considerado o mais relevante?
Cláudio Barrios — Nas ações em que estou envolvido na região, além do projeto dos três Arranjos Produtivos Locais, temos parcerias junto à Agência de Desenvolvimento Econômico do Grande ABC também com as incubadoras de empresas de Mauá e de Santo André. Todos os projetos têm relevância, mas a intervenção junto aos APLs é diferenciada em razão do envolvimento ativo dos empresários. Detalhe importante é o envolvimento de Senai, Unifei, empresas de consultoria de gestão e outras que estão prestando serviços. O planejamento estratégico das ações foi construído pelo Sebrae, Agência de Desenvolvimento e empresários. Estamos em fase de diagnóstico de chão de fábrica. Em breve haverá consultorias e treinamento em gestão empresarial. Já fechamos turma com 10 empresas para implantação do programa Rumo a ISO 9000 e com uma turma que abordará o tema sucessão empresarial. Para entender melhor o Arranjo Produtivo Local precisamos analisar toda a cadeia produtiva. Esse estudo é uma das etapas do projeto. Essa análise ajudará a identificar a realidade das empresas, os pontos fortes e como realizar a interface entre os participantes.
Que outros segmentos o Sebrae tem trabalhado no Grande ABC?
Cláudio Barrios — Estamos diretamente envolvidos com o segmento de alimentação, mais especificamente com Pizzarias de Santo André e com padarias, empreendedores do artesanato de Rio Grande da Serra, e nos preparando para apoiar um grupo em Ribeirão Pires, no setor de artesanato.
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10/05/2024 Todas as respostas de Carlos Ferreira