Administração Pública

Auricchio inova
com conselho

DANIEL LIMA - 27/07/2005

O Conselho Consultivo que o prefeito de São Caetano resolveu introduzir como instância de relacionamento institucional com a comunidade tomou posse no final de junho e provavelmente se apresenta como um dos principais lances do enxadrismo político em uma cidade que ao longo de décadas se submeteu inquietantemente ao mandonismo mesclado de personalismo, recheado de arbitrariedades e regado a absolutismo. 

São Caetano é a essência da política de inclusão seletiva na esfera de poder e a exclusão impiedosa de muitos lubrificadores de uma democracia de araque. A docilidade dos habitantes de São Caetano é uma ramificação histórica que tem origem no certo comodismo da maioria distribuída socioeconomicamente num patamar relativamente semelhante. 

A individualidade razoavelmente satisfatória num território metropolitano que escapa da onda de criminalidade seria o máximo do sonho de consumo do sancaetanense. Daí a espreguiçadeira do deixa como está para ver como fica. 

Jogo de cena? 

A novidade apresentada por José Auricchio Júnior desperta ilações que, em verdade, só confirmam a indolência social da cidade. Sim, desconfia-se com certa razão de que Auricchio esteja fazendo jogo de cena, de cartas marcadas, porque o passado condena os administradores públicos e a própria sociedade. O Conselho Consultivo, no entender de oposicionistas, seria espécie de passaporte à ampliação do escasso grau de falsa democracia em São Caetano. Algo que nem o maquiavelismo de Luiz Tortorello foi capaz de conceber. 

Não se deve apostar nessa versão. O tempo deverá provar que se trata mesmo de intriga de opositores. José Auricchio surpreende pelo estofo intelectual. É gestor público que foge do lugar-comum da maioria dos pares. Provavelmente não é um santo, porque da forma que a política é gestada neste País é mais fácil encontrar virgem em casa de massagem do que um executivo público integralmente puro. 

Mas o Conselho Consultivo provavelmente não está entre eventuais desvios gerenciais. Primeiro porque subestimaria o poder de ressuscitamento da cidadania local, tão fortemente empenhada no começo do século passado, quando imigrantes europeus tomaram o território. Segundo porque haveria métodos mais conservadores e menos arriscados de envolver-se tão declaradamente com formadores de opinião da cidade. Por mais sonolenta que a maioria seja.  

Centralização

A alegação de que o Conselho Consultivo teria vício de origem, porque José Auricchio reservou para si o posto de coordenador-geral, não passa por qualquer cabo-de-guerra de sustentação. Não teria sentido o prefeito delegar a terceiros, quaisquer que fossem os terceiros, a concentração tática e estratégica do organismo. O Conselho Consultivo será importante ramal de consolidação de projetos para uma cidade que não pode dormir em berço esplêndido. 

Delegar a função de coordenador seria um risco. Auricchio saberá conquistar a confiança de interlocutores da sociedade aos planos que já constam de sua administração e anexará produtividade às demandas dos novos agentes de intervenção pública, da mesma forma que saberá contornar as dificuldades diplomáticas para descartar o que poderia colocar em risco o foco das intervenções. 

Disciplinar as demandas temáticas será desafio constante. Grupos de trabalho são muito interessantes em qualquer estudo, desde que cada integrante não se considere formiguinha que dirige o tronco de árvore rio abaixo. 

Aqueles que atribuem previamente a José Auricchio poder de manipulação coletiva desconhecem que, no início do segundo mandato como prefeito de Santo André, o petista Celso Daniel deflagrou algo semelhante, retirado, como Auricchio agora, de experiências internacionais. 

Efeitos permanecem 

Foram dezenas de reuniões de Celso Daniel com representantes da comunidade de Santo André, redistribuindo os participantes em vários grupos temáticos. Até hoje, mesmo com o esgarçamento do legado do dirigente que mais lutou pela regionalidade do Grande ABC, efeitos daquela abertura à comunidade se espalham pela administração João Avamileno. 

Capital da Qualidade de Vida no Grande ABC, São Caetano chegaria ao topo de dedicação cidadã se conseguisse aproximar-se do empenho coletivo da população de Diadema. É impressionante o grau de participação popular que os partidos de esquerda construíram nesse Município de quase 400 mil habitantes. 

Está certo que a tomografia social e econômica indica que São Caetano é um corpo esbelto, saudável, pronto para qualquer maratona, enquanto Diadema sofre de disfunções decorrentes de um território fortemente ocupado por migrantes em busca de mobilidade social. 

Diferenças demais 

São fundas, é verdade, as diferenças que separam São Caetano e Diadema. Da geografia à demografia, da renda familiar à mortalidade infantil, dos níveis educacionais às condições de habitação. Tudo isso e muito mais. Mas, paradoxalmente, o fosso que as distanciam em engajamento comunitário é inconcebível. São Caetano deixa-se governar sem maiores pendões críticos, exceto entre os estatocratas locais e quem gravita em torno do Poder Público. Diadema é essencialmente revolucionária. O jogo democrático é mais pesado, mais evidente. 

Ao recolher exemplos internacionais de participação comunitária para aplicação adaptada em São Caetano, José Auricchio Júnior obedece o mesmo norte de Celso Daniel. Tem a vantagem de dirigir um Município menos problemático do que Santo André. E a desvantagem de contar com população ainda mais amorfa. Está certo que os sancaetanenses, como boa parte dos andreenses, são extremamente conservadores e isso necessariamente não é pecado capital. Está certo que andreenses e sancaetanenses são comedidos. 

Está certo que sancaetanenses e andreenses são arredios a grandes mudanças. Tudo bem. Mas não precisam exagerar no distanciamento de questões que vão aliviar ou comprometer as próximas gerações. Ou alguém tem dúvidas de que o Grande ABC de 2020 está sendo erigido neste começo de século, como o que se tem hoje é obra de antecessores?

Lufada de modernidade

Por isso, a decisão de José Auricchio precisa ser vista como lufada de modernidade numa São Caetano que mira para um passado longínquo quando pretende embalar narcisismo comunitário. Eventuais manobras oficiais que encapsulem no comando do Conselho Consultivo a síndrome de dono do campo, das traves, da bola e do apito, só podem ser minimizadas ou evitadas pela própria comunidade. 

Não se deve acreditar que o prefeito de São Caetano pretende ter um exército de servilismo comunitário. Se fosse para tanto, não precisaria do Conselho Consultivo, porque a gestão administrativa de São Caetano nas últimas décadas foi exatamente isso. A teatralização de uma gestão supostamente reprodutora de antecessores é por si só, portanto, a avacalhação do sentimento municipalista arraigado na comunidade de São Caetano mas em prolongado processo de introspecção que, mais dia, menos dia, terá de ser encerrado.

O exemplo de José Auricchio em São Caetano bem que poderia ser replicado no Consórcio de Prefeitos, a instância mais importante de gestão regional e que, desde que a fundação, há 15 anos, não ultrapassa os limites de comando exclusivo dos titulares das prefeituras. Inclusive José Auricchio Júnior.



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