Entrevista Especial

Muito além do
colunismo social

VERA GUAZZELLI - 13/09/2005

Festas para que te quero? Para reunir um grupo de rotarianos — diria o assíduo leitor de colunas sociais antes de se deparar com as convicções de Roberto Herrera. O consultor e economista do Grande ABC é um dos 529 governadores distritais do Rotary Internacional. Ele acaba de assumir o comando do distrito 4420, que engloba a região, e ocupa as páginas amarelas deste mês com o firme propósito de desfazer o entendimento generalizado de que o centenário clube de serviços é formado por grupo de bons vivants, mais afeitos à leveza dos ambientes de confraternização e eventos do que à realidade das ruas. 


Decidido a resgatar imagem disseminada pela ausência de visibilidade e divulgação dos projetos sociais e pela incapacidade da mídia de aprofundar questões de responsabilidade social, Roberto Herrera é enfático e direto. Sabe que não pode perder tempo porque tem apenas 12 meses para corresponder às expectativas dos quase dois mil associados. 


Por isso, descarta qualquer possibilidade de privilegiar o Grande ABC com aumento de recursos ou projetos. Garante que não vai se desviar um milímetro sequer das regras que definem a distribuição de dinheiro aos 132 mil clubes instalados em 168 países. “Ser governador é um chamamento, uma missão, fato que não me possibilita privilegiar a região onde tenho minha base operacional” — afirma, ao revelar que 110 projetos disputam os US$ 200 mil estimados para o distrito no ano rotário 2005/2006. 


Mesmo ciente do empobrecimento econômico que a desindustrialização causou ao Grande ABC nos últimos 20 anos, não faz demagogia ao considerar que a zona Noroeste de Santos e o Jardins Ângela e Pedreira, na Capital, apresentam áreas de convulsão social bem mais explosivas. O distrito 4420 abrange, além das sete cidades, a Baixada Santista e as zonas Sul e Sudeste de São Paulo. Formado em Ciências Econômicas e Contábeis, Herrera é diretor corporativo da consultoria Focoplan GPN e está no Rotary desde 1992. 


O senhor está decidido a resgatar a imagem de prestação de serviços à comunidade dos rotarianos como forma de desmistificar o entendimento geral de que a entidade está mais conectada a eventos sociais do que à ajuda humanitária. Houve mesmo esse desvirtuamento ao longo desses 100 anos de existência do clube? A quem o senhor atribuiria a suposta falha: aos próprios rotarianos ou à falta de informação da população em geral sobre o verdadeiro papel da entidade? 


Roberto Herrera — A história de prestação de serviços humanitários do Rotary nos últimos 100 anos deixa legado que serve de referência. Mas essa obra, embora importante para a humanidade, está inacabada e necessita de continuidade. Por isso, tenho incentivado os rotarianos de nosso distrito a aumentar a visibilidade dos projetos, como forma de aproximar Rotary e comunidade para criar o entendimento de que homens e mulheres rotarianos são profissionais que dedicam tempo e experiência ao voluntariado. É gente que transforma positivamente a vida de outros seres humanos, identifica carências sociais, desenvolve projetos para minimizar as mazelas da exclusão e não está apenas preocupada com festas e eventos sociais. 


Com a determinação de tirar o Rotary das colunas sociais, o senhor acredita que conseguirá despertar nos aproximados dois mil sócios que compõem o distrito 4420, agora sob seu comando, o entendimento de que caridade e responsabilidade social têm significados completamente diferentes?


Roberto Herrera — Tenho absoluta convicção de que estamos à frente de nosso tempo com a proposta de buscar espaço na mídia com matérias relacionadas à cidadania e responsabilidade social. Não fazemos simplesmente caridade e benemerência, já que grande parte de nossas ações não pode ser classificada como pontual. Os projetos humanitários do Rotary nas áreas de educação, saúde, fome e meio ambiente, entre outros, precisam ser amplificados ao limite da exata compreensão da responsabilidade que temos com as demandas sociais. É muito importante que a mídia também entenda esse papel para evitar eventuais distorções. 


O senhor sempre menciona a importância de estimular projetos permanentes, dentro de visão prospectiva que elimina a volatilidade inerente às trocas de comando e ao mesmo tempo potencializa recursos humanos e materiais. Como imagina implantar essa filosofia em País onde culturalmente e com raras exceções, a troca de poder implica em começar quase tudo do zero? 


Roberto Herrera — A continuidade e a cooperação são as melhores maneiras de evitar interrupções eventualmente relacionadas à troca de comando. O Rotary é uma organização centenária, com 32 mil clubes em 168 países e 1,2 milhão de voluntários. Esse batalhão renova as lideranças anualmente em todos os níveis, do presidente do Rotary Internacional aos secretários dos clubes, sem que isso represente descontinuidade. Somente projetos permanentes de prestação de serviços são eficazes porque estabelecem compromissos de longo prazo entre os companheiros. Um compromisso compartilhado que requer participação e envolvimento, por isso dificulta a interrupção. Não é algo fortuito ou uma ação isolada. Basta ver os resultados da Casa da Esperança, do Mac Dia Feliz, do Corpo de Patrulheiros Mirins e do Vida Feliz, que envolve crianças da favela Tamarutaca, em Santo André — só para citar alguns exemplos em prática no Grande ABC. 


Um ano de mandato é suficiente para alcançar mudanças tão significativas?


Roberto Herrera — Sou um dos 529 governadores de Rotary International do mundo e recebi o mesmo treinamento dos demais. Diferente do cargo executivo na administração pública, que confere mandato de quatro anos para executar plano de governo, no Rotary — pelo curto período de tempo — temos a responsabilidade de continuar o trabalho sem que a mudança de líderes altere drasticamente o que está em execução. Isso é possível se houver firmeza de atitudes e clareza na comunicação em todos os níveis. Mas, por estar acostumado a processos decisórios e trabalho em equipe, talvez tenha mais facilidade para expressar objetivos e buscar o comprometimento de pessoas. Cultivo característica profissional que me ensinou a encarar mudanças como oportunidades, mesmo que ofereçam o risco inerente à efemeridade do comando.


O Distrito 4420 é um caldeirão de exclusão social, sobretudo o território regional e os bairros da zona Sul de São Paulo. São locais onde a pobreza atinge limites extremos e os índices de violência figuram no topo das estatísticas oficiais, frutos direto do desordenamento de uma das maiores metrópoles do Planeta. Como o senhor analisa essa situação e que tipo de raio X o Rotary faz para decidir onde e como aplicar recursos?


Roberto Herrera — O Rotary Internacional recomenda ênfase ao desenvolvimento de projetos humanitários. Entretanto, quem define os projetos e as áreas a serem atendidos são os Rotary Clubes, que identificam as principais demandas sociais em suas áreas geográficas. Realmente existem locais críticos em nosso distrito. Estamos presentes em 17 cidades, mas não temos a pretensão de resolver unilateralmente todos os problemas. A retórica do discurso fácil não faz parte do manual de procedimentos. Tenho orientado os companheiros a buscar parcerias com a administração pública e organizações da sociedade civil. Acabamos de assinar convênio com a Prefeitura de São Paulo para ações nas áreas de saúde e educação, sempre em locais de reconhecida carência. Se os problemas fossem de fácil solução, já teriam sido resolvidos.


A informação e a estatística oficial são ferramentas comumente utilizadas pelo Rotary? Até que ponto é importante para o clube saber o número de habitantes dessas áreas, a renda, a escolaridade, o número de crianças e jovens em situação de risco, as taxas de desemprego e os índices de criminalidade, entre tantos outros pontos que ajudam a nortear a aplicação correta dos recursos humanos e financeiros?


Roberto Herrera — Informação e estatística ajudaram a definir três frentes de trabalho para este ano. As estatísticas oficiais apontam para índice de analfabetismo que se aproxima de 15% da população do Brasil. Estamos falando de cerca de 27 milhões de brasileiros que não sabem ler ou escrever, por isso recomendamos aos clubes de nosso distrito que desenvolvam projetos para reduzir essa carência. Também vamos trabalhar na questão do gerenciamento de recursos hídricos. Em todo o mundo, seis mil pessoas morrem diariamente vítimas de doenças causadas pela falta de tratamento ou tratamento inadequado da água. A maioria é criança. Como já disse, são problemas de difícil solução e nem mesmo os órgãos encarregados pelo diagnóstico conseguem apontar caminhos viáveis. Como não temos a pretensão de ser salvadores da pátria, há também a necessidade de potencializar a imagem pública do Rotary. Durante muito tempo, mantivemos nossos feitos sem divulgação necessária, mas já rompemos com essa postura. Temos campanhas institucionais de esclarecimento em âmbito mundial. Um dos pilares da divulgação é o Programa Pólio Plus, que planeja erradicar a paralisia infantil em todo o mundo até o final de 2005. O Brasil está livre da doença desde 1994 graças às campanhas de vacinação de que o Rotary participa e atendeu dois bilhões de crianças em todo o mundo. 


Qual o critério para definir a utilização dos US$ 200 mil que a Fundação Rotária deve destinar ao distrito sob seu comando durante os próximos 12 meses. Com base em quais quesitos foi decidido que US$ 65 mil desse total devem ficar no Grande ABC?


Roberto Herrera — Esses US$ 200 mil são a capacidade total de realização de projetos no ano rotário 2005/2006. Trabalhamos com uma verba que teve origem na contribuição voluntária de companheiros do distrito para o Fundo Anual de Programas. O Fundo financia projetos da Fundação Rotária. Como temos parceria com clubes e distritos de outros países, observamos alguns critérios antes de definir a utilização dos recursos. Cerca de 110 projetos de nosso distrito estão em análise. Serão consideradas a preferência do parceiro internacional, a importância do projeto para a comunidade, a entrega de projetos preliminares dentro dos prazos, histórico de contribuição dos clubes para a Fundação Rotária, criação de comissão de trabalho específica para acompanhamento dos projetos, taxas rotárias pagas em dia, apresentação de relatórios de projetos em aberto e de conclusão dos finalizados e o máximo de cinco projetos em andamento por clube. Esses são os principais quesitos. 


Diante do quadro de empobrecimento do Grande ABC, que perdeu 39% de riqueza industrial nos anos FHC e só conseguiu recuperar parte pequena desse rombo nos últimos dois anos, como o senhor avalia a dimensão da verba que o Rotary pretende investir na região? 


Roberto Herrera — O empobrecimento do Grande ABC bem como de outras regiões diz respeito a conjunto de questões de natureza conjuntural, política e estrutural. Sou economista e conheço com bastante propriedade as dificuldades de nossa região. A verba alocada para atender projetos dos clubes no Grande ABC é resultado do esforço de contribuição dos rotarianos e da busca de parceiros externos para complementação de recursos. Não se trata de opção pessoal deste governador e tão pouco de privilegiar uma ou outra região. Temos projetos nas áreas de saúde, educação e desenvolvimento comunitário, que estão em fase de viabilização, mas ainda não posso antecipar os clubes da região aos quais estão vinculados. 


O fato de o senhor ser do Grande ABC ajuda a trazer mais recursos do Rotary para o região? Ou o aumento de US$ 17,4 mil nos valores destinados às sete cidades está relacionado a fatores mais técnicos do que políticos?


Roberto Herrera — Sou governador de um dos mais importantes distritos do Brasil e do mundo. Temos um histórico de trabalhos humanitários que serve de exemplo para aqueles que entendem Rotary como uma filosofia de vida. O fato de ser governador não me torna melhor que qualquer outro rotariano nem possibilita tratar de forma especial a região onde tenho minha base operacional. Não são fatores políticos ou regionais que definem a aplicação de verbas. Os critérios são seguidos à risca. Somente no ano passado viabilizamos US$ 400 mil em projetos, distribuídos praticamente em todos os clubes do distrito.


Qual área dentro do distrito 4420 que o senhor considera mais problemática socialmente? O Rotary tem algum trabalho definido para esse local?


Roberto Herrera — Uma das áreas mais carentes do nosso distrito é a zona Noroeste de Santos, área de mangue e palafitas. Recentemente em visita oficial a um clube daquela região tive a oportunidade de conhecer parte do trabalho em desenvolvimento e fiquei muito feliz em saber que o Rotary já faz uma grande diferença para aquela população. Também somos parceiros no Centro Educacional e Assistencial de Pedreira, escola profissionalizante instalada na zona Sul de São Paulo, outro ponto crítico de nosso distrito.


A Fundação Rotária é o braço financeiro do Rotary? Os distritos precisam cumprir alguma meta para receber recursos e como é feito o repasse do dinheiro aos clubes?


Roberto Herrera — A Fundação Rotária é o braço humanitário do Rotary International, uma entidade sem fins lucrativos. Em 2003/2004, a Fundação Rotária recebeu contribuições totais de US$ 106 milhões e alocou mais de US$ 86,7 milhões em programas humanitários e educacionais desenvolvidos por clubes e distritos. As contribuições feitas pelos rotarianos são direcionadas a três fundos: o Anual de Programas financia as ações da Fundação Rotariana, o Permanente fornece suporte e complementa esses programas por meio dos rendimentos financeiros e o Fundo Pólio Plus apóia o sonho do Rotary de ver o mundo livre da paralisia infantil. Cada dólar doado pelos rotarianos à Fundação Rotária é utilizado no custeio e na manutenção dos programas. Os clubes e distritos se candidatam a receber subsídios da Fundação para executar projetos humanitários. Para manter os níveis de financiamento dos programas, a Fundação lançou em 2004 a iniciativa “Todos os Rotarianos, Todos os Anos”. A campanha pretende aumentar o nível de contribuições per capita/ano para US$ 100 ou mais.


Os associados do Rotary têm a obrigação de fazer algum tipo de contribuição financeira periódica? O dinheiro precisa ser sempre repassado à Fundação Rotária ou pode ser utilizado diretamente pelo clube em trabalhos locais?


Roberto Herrera — Temos obrigação de fazer contribuições. Cada clube paga semestralmente ao Rotary International quotas per capita, hoje no valor de US$ 21,50. A taxa é exclusiva para Rotary Internacional. No distrito temos uma contribuição para custear despesas com administração, eventos de treinamento e conferência distrital. As contribuições à Fundação Rotária são espontâneas e os clubes podem desenvolver campanhas para arrecadação que ajudem a estabelecer suporte financeiro para seus projetos.


O mesmo entendimento geral que rotula o Rotary como um clube de eventos sociais, atribui ao rotariano o perfil de empresário ou profissional liberal bem-sucedido, de sobrenome tradicional ou ainda político em ascensão. Regra geral, pertencer ao Rotary é sinal de status. É necessário mesmo ter espécie de sangue azul para fazer parte do Rotary ou esse é outro equívoco? 


Roberto Herrera — Rotary é uma associação de líderes de negócios e profissionais. A visão maniqueísta de que o quadro associativo do Rotary é formado por gente de sobrenome tradicional ou políticos em ascensão é equivocada, quer por falta de informação ou ignorância premeditada, e não contribui para promoção do trabalho solidário. Na maioria, trabalhamos com a diversidade de profissão, raça, etnia, sexo, idade e credo. Obviamente que sob o manto do Rotary alguns oportunistas buscam se abrigar para obter lucro e vantagens pessoais em detrimento de exercitar o ideal de servir. Costumo dizer que Rotary tem de representar estado de espírito e filosofia de vida que nos coloque permanentemente a superar conflito íntimo entre o desejo do benefício próprio versus a rica oportunidade de servir ao próximo. O rotariano deve ser prontamente reconhecido como alguém de boa índole, de conduta e comportamento exemplares e que está sempre disponível a ajudar os menos favorecidos. 


Que tipo de associado o senhor gostaria de ter como parceiro de trabalho no Rotary e como pensa em arregimentar pessoas com esse perfil para atingir a meta de aumento de sócios que considera fundamental para garantir a viabilidade dos trabalhos sociais, principalmente dos projetos permanentes? 


Roberto Herrera — Todo homem e mulher de bem são bem-vindos. Neste início de novo século de prestação de serviços, gostaria que o Rotary fosse suficientemente atrativo por sua história de serviços prestados à humanidade para os interessados em exercer na plenitude a cidadania e a responsabilidade social. A estratégia para o desenvolvimento do quadro social passa por três elementos básicos e essenciais que podem ser resumidos na retenção do quadro associativo — as reuniões nos clubes devem ser informativas e de trabalho, o clube deve ser relevante para os sócios e os projetos de prestação de serviços desenvolvidos pelos clubes devem ser relevantes à comunidade. O recrutamento de novos sócios é outro ponto importante para dar pluralidade à representação profissional e empresarial dentro dos clubes, para divulgar os trabalhos realizados na comunidade, para incentivar a participação de jovens e para refletir a diversidade populacional. Por último, destaco a organização de novos clubes e o trabalho em áreas limítrofes do nosso distrito para identificar onde a comunidade local apoiaria um novo Rotary Clube. 


Os associados do Rotary recebem salário para desenvolver alguma ação específica?


Roberto Herrera — Nosso pagamento é ver um rosto feliz e a certeza de ter ajudado alguém. Costumo dizer que fazemos parte de um grande organismo vivo, formado por pessoas que trabalham de forma desprendida e voluntariamente para minorar sofrimentos. Nossa maior recompensa é saber que transformamos de forma positiva a vida de outras pessoas.


Leia mais matérias desta seção: Entrevista Especial

Total de 197 matérias | Página 1

10/05/2024 Todas as respostas de Carlos Ferreira
29/04/2024 Veja as respostas do vereador Colombo
26/04/2024 Veja as respostas do vereador Awada
03/04/2024 Últimas respostas que Bigucci jamais daria
28/03/2024 Veja outras três respostas que Bigucci jamais daria
26/03/2024 Quatro novas respostas que Bigucci jamais daria
22/03/2024 Mais três respostas que Bigucci jamais daria
21/03/2024 Terceira resposta que Bigucci jamais daria
20/03/2024 Segunda resposta que Bigucci jamais daria
19/03/2024 Primeira resposta que Bigucci jamais daria
15/03/2024 Veja todas as respostas do vereador Ricardo Alvarez
28/02/2024 Veja todas a respostas do candidato Eduardo Leite
23/02/2024 Veja todas as respostas do regionalista Fausto Cestari
08/02/2024 Veja as 13 respostas do Coronel Edson Sardano
10/04/2023 44 meses depois, decidimos responder por Paulinho Serra
10/06/2021 Conheça todas as respostas omitidas por Paulinho Serra (6)
09/06/2021 Conheça todas as respostas omitidas por Paulinho Serra (5)
08/06/2021 Conheça todas as respostas omitidas por Paulinho Serra (4)
07/06/2021 Conheça todas as respostas omitidas por Paulinho Serra (3)