Administração Pública

Não caio no Conto dos 100 Dias
dos novos prefeitos. E explico

DANIEL LIMA - 10/04/2017

Os administradores públicos municipais têm todo o direito de usar e abusar da bondade do cidadão que acredita nas autoridades eleitas. Nada melhor que uma surra após a outra para que, finalmente, um dia, a ficha caia e a politica seja vista como atividade a ser devidamente escrutinada pela sociedade. Escrutinada no sentido de investigada, de observada com o máximo de atenção. 

Embora não concorde com o ambiente dominado por marqueteiros que procuram aprofundar com práticas populistas o que dizem as pesquisas qualitativas, a regra do jogo democrático é essa e assim continuará até que o povo que pensa que não é bobo deixará de passar recibo a toda hora. 

Daí o fetiche dos 100 primeiros dias de governo transformar-se em enxurrada de matérias jornalísticas tanto na região quanto onde houver prefeito. 

O balanço é mais positivo para os administradores públicos em geral na medida em que se avança para fora dos limites das capitais, onde ainda viceja uma Imprensa menos servil. Nos subúrbios das capitais, como é o caso da Província do Grande ABC, há convergência quase unânime à glorificação dos novos dirigentes. Isso é muito ruim para a sociedade e também para os próprios prefeitos. Eles perdem o norte do planejamento. 

Alerta de oito anos 

Quem imagina que estou a escrever este texto premido por algum sentimento tópico, momentâneo, circunstancial, específico e o escambau, não sabe da missa um terço. Tanto que vou reproduzir trechos do texto que publiquei há oito anos nesta revista digital, sob o título “Fetiche dos 100 dias”. Isso mesmo, faz oito anos que expus linhas gerais sobre essa marquetagem que também poderia ser chamada de “me engana que eu gosto”. Leiam: 

 Vem de São Paulo, tanto de uma megaorganização da sociedade civil quanto da administração pública, exemplo que deveria ser seguido pelo Grande ABC, terra de ninguém ou de apenas alguns: no início da próxima semana a Prefeitura de São Paulo — segundo anunciou o jornal Valor Econômico — apresenta o primeiro Plano de Metas idealizado em um Município brasileiro. Foram traçados índices de gestão em diversas áreas e que deverão ser atingidos até o final de dezembro de 2012. A idealização é do Movimento Nossa São Paulo, a partir de experiência em Bogotá, na Colômbia. O plano foi aprovado pela Câmara Municipal no ano passado como uma emenda à Lei Orgânica do Município. No Grande ABC e no Brasil como um todo o que prevalece e se esgota é o fetiche dos 100 primeiros dias de governo. O tempo tem provado que os resultados são cada vez piores porque os mandatos são muito mais longos e os problemas muito mais profundos.  Uma pena que o Grande ABC tenha desperdiçado em meados da última década do século passado o que parecia um movimento de transformação social, o Fórum da Cidadania. Lamentavelmente, a instituição foi sequestrada pelo esnobismo, pelo estrelismo, pelo individualismo e pelo politiquismo, entre tantas patologias que a levaram à derrocada. O movimento Nossa São Paulo é um Fórum da Cidadania muito mais apetrechado e sem qualquer vinculação com qualquer veículo de comunicação. É um Orçamento Participativo aparentemente sem vieses partidários. (...) Quem acredita que o que está reservado para São Paulo é simples pirotecnia cairá do cavalo, garantem lideranças do Nossa São Paulo. Eventual não-cumprimento de metas constituirá violação da Lei Orgânica e, portanto, pode implicar em ação judicial do Ministério Público contra o prefeito. (...) Todos os secretários municipais estabeleceram metas nos últimos meses e as encaminharam ao secretário de Planejamento, Manuelito Magalhães, designado pelo prefeito Gilberto Kassab como gerente do Plano de Metas. A execução orçamentária de cada secretaria indexou todas as metas. Pretende-se evitar comercialização de fantasias.  A São Paulo do Plano de Metas montado pelo movimento da sociedade civil que tem como um dos principais idealizadores Oded Grajew, está dividida em seis áreas temáticas: Cidade Eficiente, Cidade Sustentável, Cidade de Direitos, Cidade de Oportunidades, Cidade Criativa e Cidade Inclusiva. (...) O prefeito Aidan Ravin, de Santo André, não é exemplar único de autoridade recém-empossada influenciada pelo fetiche dos 100 dias, mas é sintomático o esforço com que se deslocou com ferocidade em direção ao urbanismo legado por Celso Daniel para imprimir marca própria. A tentativa de maquiar Santo André num início de novo governo é tática manjadíssima que agride inteligências mais ariscas. Pode confundir ou mesmo ludibriar a boa-fé de quem se deixa levar pela aparência, mas é muito pouco para uma nova administração. (...) O que se pergunta, caso Santo André tivesse adotado Plano de Metas semelhante ao do Movimento São Paulo à administração Gilberto Kassab, é se Aidan Ravin teria coragem de propor, como candidato, a substituição do cenário urbanístico das áreas centrais do Município. Teria a sociedade andreense, independentemente da votação nas urnas, aceitado a troca de palmeiras por gramados? Os ambientalistas, que agora reclamam da medida, aceitariam a proposta? É certo mesmo que Aidan Ravin e outros prefeitos se vejam pressionados pela demarcação temporal massificada pela mídia. E que se vejam forçados a dar respostas públicas nem sempre amalgamadas com eventuais projetos de governo. Os primeiros 100 dias de administração tornam-se, portanto, um tormento. Marqueteiros também embolam o meio de campo. Como adoram valorizar a mercadoria, muitas vezes atuam descoladamente dos demais agentes públicos, dos quais dependem planejamento à execução de propostas. Como é o caso do Plano de Metas paulistano. 

Questão de coerência 

Fui direto ao resgate de conceitos dos primeiros 100 dias de governo para os leitores entenderem a leitura crítica que tenho nestes dias. O que acompanhamos nos diversos jornais impressos e digitais da região foi um ritual mais que manjado de dourar a pílula. Transformaram obviedades em grandes decisões. 

Quem tiver o cuidado de consultar o passado dos prefeitos do Brasil inteiro ao final dos 100 dias de primeiro mandato vai constatar a embromação geral de dar roupagem de extraordinário ao que não ultrapassaria os limites do indispensável. 

As medidas que supostamente corrigem desvios e despreparos dos antecessores, sobretudo nestes tempos de cofres vazios, não passam mesmo de algo que poderia ser chamado de alfabetização administrativa. Só não pratica quem é absolutamente irresponsável. Até porque, apesar da esculhambação geral da gestão pública nacional, conforme prova o desrespeito à Lei de Responsabilidade Fiscal, há quadros competentes de servidores públicos a enquadrar os novos prefeitos nos rigores das leis. 

Prefeitos em primeiro mandato, ainda mais em tempo de Lava Jato, são muito mais cuidadosos nos primeiros tempos de gestão. Aqueles que acreditam que a Lava Jato não passará pela região, por exemplo, correm sérios riscos. Algumas iniciativas menos ortodoxas poderão custar caro. 

O resumo da ópera é que, diferentemente da maioria dos coleguinhas, não caio no Conto dos 100 Dias. Já botei fé em determinadas administrações e não tive dúvidas em prontamente recolher o entusiasmo quando percebi que o buraco da competência coletiva da gestão pública era mais embaixo. 

Peguem os primeiros tempos da gestão de Luiz Marinho em São Bernardo e vejam como estava alinhado a uma perspectiva de transformações na região. Luiz Marinho contava com todos os instrumentos para dar uma reviravolta na história da região, a partir de São Bernardo. 

Escândalo gerencial 

Quem mais se danou nos últimos dias e viu as comemorações de aniversário de Santo André desabarem juntamente com uma segunda ponte na Avenida dos Estados foi o prefeito Paulinho Serra. Há clara tentativa de minimizar o escândalo. Quando afirmo que se trata de escândalo, não acidente puramente, não estou exagerando. 

A ponte que caiu era uma caçapa cantada, conforme técnicos especializados ouvidos nos últimos dias. Paulinho Serra não teria nada a ver com o desastre caso não houvesse sido secretário de mobilidade urbana do governo petista de Carlos Grana. 

O agora prefeito tem amplo conhecimento do estado calamitoso da infraestrutura daquele traçado que já foi, há muito tempo, peça eficiente no sistema de logística de Santo André. A ponte que caiu justamente na véspera do aniversário de Santo André é um mau prenúncio ao conjunto de quatro anos regulamentares do prefeito tucano. 

Abusando da sorte

Embora sorte seja muito mais que algo metafísico, Paulinho Serra pagou caro o preço de desfilar entusiasmo embusteiro ao se referir ao ambiente em Santo André, de entusiasmo com o novo chefe do Paço Municipal, em entrevistas antes do acidente-escândalo, reproduzida no dia seguinte nos jornais. 

A percepção dos moradores de Santo André não é exatamente a exposta pelo prefeito. Só não é pior – como também em outros casos da região – porque ainda vigora nas praças um sentimento de frustração e indignação com os petistas. Mas isso também vai diminuir na medida em que, como está ocorrendo, outras agremiações partidárias são capturadas pela rede implacável da Lava Jato. 

A demonização do PT favorece os tucanos. Entretanto, não custa lembrar que o prazo de validade do escorraçamento da Geni em que se transformou o PT não é tão extenso que permitiria manipulações arbitrárias prolongadas.  



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