Caso Celso Daniel

Um segundo livro sobre
a morte de Celso Daniel

DANIEL LIMA - 07/07/2017

Não sei se vou ler tão intensa e cuidadosamente como li (e estou analisando) o livro do jornalista Silvio Navarro, que chefia o site UOL, mas o que reserva o também jornalista Eduardo Luiz Correia com sua obra (“Celso Daniel, Jornalismo investigativo em crise”) desperta a curiosidade deste especialista no assassinato do prefeito de Santo André em janeiro de 2002. 

Acho que a leitura não será tão profunda e acurada quanto poderia ser. O próprio autor, que já colaborou para a revista LivreMercado, então sob meu comando editorial, alerta que se trata de trabalho acadêmico.  

Como tenho certa ojeriza a textos acadêmicos, adianto que, por mais competente que seja o autor como jornalista, e o conheço bem, nada resistiria ao que chamaria de certo envelopamento de estilo. Se Eduardo Luiz Correia enquadrou-se nos preceitos universitários, possivelmente a obra terá certo hermetismo e subjetividades que esterilizariam o didatismo jornalístico. 

Eduardo Luiz Correia concedeu entrevista ao ramal de TV da Internet do jornal Repórter Diário. Li o material e conferi o vídeo. Guardam-se relações semelhantes entre uma mídia e outra. A transposição do verbal ao digital não sofreu avarias, portanto. O que me assusta é o que Eduardo Luiz Correia interpretou como comportamento da Imprensa. 

Não sei exatamente onde começa e onde termina esse inventário. E, pelo andar da carruagem do autor, ficarão a cargo dos leitores avaliações finais de como se moveram os jornais no período. 

Leitores em xeque 

Com toda a boa vontade do mundo e sem preocupação com o politicamente correto, acho muito perigoso deixar a palavra final aos leitores. Tenho cá comigo que os leitores – e muitas vezes sou leitor também e sei o quanto sofro ante narrativas que ficam em cima do muro ou bandeiam-se involuntariamente ou não a um dos lados eventualmente manipulador –- podem se empepinar.  É claro que Eduardo Luiz Correia não se enquadra no segundo caso, mas temo que possa ter cedido ao primeiro em nome de eventual neutralidade. Que nem sempre é o melhor caminho. 

O assassinato de Celso Daniel, os antecedentes administrativos e os desdobramentos criminais e políticos são uma rede intricadíssima que não podem deixar de contar com arbitramento seguro, sustentável e corajoso, até, do autor. Pelo jeito, Eduardo Luiz Correia vai propor engalfinhamento.  

Sou leitor exigente a fermentar jornalista exigente com uma visão proativa e, portanto, diferente da máxima de que jornalismo não deve passar de exposição de informações de terceiros. É justamente por conta disso que se criaram todas as fantasias do caso Celso Daniel. 

Obsolescência editorial 

O sistema obsoleto de informação sem valor agregado agravado pela dependência exclusiva de fontes de informação (no caso Celso Daniel prevaleceu maciçamente o furor do Ministério Público) contaminou aquela cobertura, com exceções que confirmam a regra. 

Apenas os chamados editoriais dos jornais (e o Estadão foi mais intenso nesse ponto) e alguns articulistas se expuseram em forma de opinião. E quebraram a cara, como mostrou tempos depois o escândalo da Petrobras. A preferência por tornar o PT de algazarras administrativas em Santo André o mesmo PT formulador do assassinato de Celso Daniel foi uma balela que prevalece até hoje na opinião pública por razões que já expliquei exaustivamente. 

Acho que os pingos têm de se colocados nos devidos lugares com fundamentação baseada em fatos. Para tanto, é melhor duvidar sempre das fontes de informação. Até que se decida por um ramal de explicações e interpretações. Se para um velho jornalista de guerra escolher lado num relato já é tarefa complexa, imaginem leitores comuns que desconhecem pegadinhas de por interesses diversos?

Posição privilegiada 

Eduardo Luiz Correia teve o privilégio de atuar na Administração de Celso Daniel durante seis anos. Antes, durante e após o assassinato. Pôde acompanhar de perto as reações da Imprensa. Com a vantagem de estar do outro lado do front, ou seja, como representante do Poder Público. 

Diz a matéria do Repórter Diário que Correia afirmou que a narrativa não tem pretensão de desvendar mistérios em torno da morte do petista, e sim despertar o senso crítico do jornalismo investigativo, tanto para o leitor comum como ao meio acadêmico. “Para o docente (Eduardo Luiz Correia é professor universitário) a cobertura da imprensa está sujeita a fontes envolvidas na investigação, mas nem sempre imparciais e com seus interesses escusos sobre o caso”. 

Faço um contraponto ao amigo Eduardo Luiz Correia e a todos que insistem que o caso Celso Daniel está cercado de mistérios. Há uma falsa moldura e um falso recheio de mistério que descuidados informativos, ou seja, os jornalistas que se lambuzaram com informações distorcidas, jamais esclareceram.

Mistérios industrializados

Os mistérios foram industrializados para levar dúvidas onde só existiam certezas comprovadas, como apuraram as forças policiais do governo do Estado e do governo federal – forças policiais vinculadas em mandatos político-eleitorais dos tucanos Geraldo Alckmin e Fernando Henrique Cardoso. 

Tenho em meu acervo de papel, devidamente em ordem cronológica, praticamente tudo o que os jornais publicaram (no caso, Diário do Grande ABC, Estadão e Folha de S. Paulo) e também as revistas semanais, sobre o caso Celso Daniel. Como o jornalista Eduardo Luiz Correia disse ao Repórter Diário que centralizou o trabalho na Folha de S. Paulo, certamente o estudo terá deficiências no encadeamento das investigações e pós-investigações.   

Não foi a Folha de S. Paulo o jornal que mais se dedicou ao caso Celso Daniel. Tampouco o Estadão. Foram os dois. E ambos cometeram deslizes ao politizarem as investigações patéticas do Ministério Público Estadual. 

O Diário do Grande ABC caminhou num sentido errático, por conta de políticas internas. Em comum, as publicações tiveram preocupação em, após um período inicial de tratar tudo da forma que deveria ser tratado (um crime comum numa metrópole coalhada de sequestradores), deslocar o armamento criminalizador na direção ao PT. 

Sergio Gomes da Silva, que virou Sérgio Sombra por conta da estigmatização deliberada dos promotores criminais, tornou-se bode expiatório de uma expedição comandada pela força-tarefa do Ministério Público instalada em Santo André a mando do governo do Estado. Tudo para retirar o crime da esfera de deficiências de estrutura de Segurança Pública do Estado e jogá-lo no colo do Partido dos Trabalhadores. 

As maiores barbaridades cometidas pelos jornais (e também por revistas) porque, principalmente, o Ministério Público (antagônico da Polícia Civil do Estado e da Polícia Federal, diferentemente, portanto da Operação Lava Jato) dominou a cena de informações durante quatro anos seguidos. 

As forças policiais do Estado foram proibidas de informar a Imprensa durante esse período. Nada resiste à mentira martelada diariamente, até que se transforme em verdade popular. Como se transformou a versão de crime de encomenda de Celso Daniel. 

Melhor é esperar 

É por essas e por tantas outras razões que o livro lançado por Eduardo Luiz Correia só me balançará positivamente e me levará a análises neste espaço se não ficar preso a uma narrativa excessivamente vinculada ao academicismo no que existe de pior. O pior é o embelezamento textual com aprofundamento calcado em diversidade de posicionamentos dos mais interessados em influenciar no diagnóstico final sem, entretanto, meter-se campo adentro de mediação analítica que bote o dedo na ferida. 

Seja qual for o desfecho crítico reservado à obra, Eduardo Luiz Correia superará com facilidade a avaliação que produzo do livro de Silvio Navarro, tendencioso e desconectado dos fatos. Embora Silvio Navarro tenha arquitetado operação de marketing para dar um estilo ao produto (no que o fez muito bem) tudo não passa de colagens de terceiros que naufragaram ao retirar o crime do devido lugar. 

Meu medo é que o academicismo de Eduardo Luiz Correia perca a corrida do interesse jornalístico para o sensacionalismo de Silvio Navarro. 



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