Administração Pública

Projeto lançado em
novembro de 1997

DANIEL LIMA - 05/05/1999

O projeto Santo André Cidade Futuro foi lançado pelo prefeito Celso Daniel em novembro de 1997. Uma estrela de primeira grandeza do urbanismo internacional foi convidada para dar o pontapé inicial, como precursor de quatro equipes (três internacionais e uma nacional) que se formariam para traçar o futuro do macroeixo do Vale do  Tamanduateí. O espanhol Jordi Borja, que atuou na recuperação de Barcelona e já prestou consultoria a diversas cidades da Europa e América Latina, é mais que um técnico. Sua veia intelectual está impressa em vários livros que escreveu. Borja passou cinco dias em Santo André para conhecer o Município e principalmente para sensibilizar os quadros da Prefeitura e a comunidade convidada para o lançamento oficial do projeto, no Teatro Municipal. 

A frase mais marcante do consultor alvejou a antiga síndrome de periferia que não só Santo André mas todo o Grande ABC tem em relação à Capital tão vizinha e poderosa. Ele disse com a franqueza típica dos catalães que esse sentimento, embora não-fictício, não deve ser encarado como fatalidade, mas como desafio a ser vencido. 

Talvez a melhor mensagem que Borja deixou no final daquele ano para reflexão, além da necessidade de exorcizar o sentimento de Gata Borralheira da região, tenha sido a sugestão de que os shopping centers de tantos encantos não podem continuar a ser referência de desenvolvimento econômico. O consultor espanhol teve pouco tempo para conhecer Santo André, mas tudo que viu e ouviu foi suficiente para propor reversão do quadro de negativismo que a desindustrialização deixou. 

Ele disse que o lado positivo da debandada industrial é a existência de muitas áreas potencialmente aproveitáveis não só para instalação de equipamentos públicos que melhorem a qualidade de vida da população, mas também para formação de conjunto de alternativas econômicas encontradas mais facilmente em São Paulo. Borja citou áreas de saúde, turismo, cultura e tecnologias de ponta como factíveis de sensibilização de investimentos. 

Num vôo de helicóptero com o prefeito Celso Daniel, Borja teve a seus pés a dimensão territorial, os contrastes sociais e as consequências da histórica ausência de planejamento urbano. Mas Borja não se limitou a ver Santo André do alto. Traduzindo na prática um dos 10 pontos do decálogo de desenvolvimento econômico que ele mesmo elaborou juntamente com Manuel Castells, e que faz parte do livro Local e Global, Borja colocou os pés nas ruas. Afinal, ele mesmo escreveu: "Para transformar a cidade há que conhecê-la. As cidades se conhecem com os pés. Para propor programas viáveis e sistemas de transporte há que andar a cidade e mesclar-se com sua gente. Há que pisar em algum momento em cada bairro e cada obra. Entrar nas casas e falar com sua gente. Transformar a cidade pressupõe um estilo de vida". 

Quando Borja desembarcou pela primeira vez em Santo André, os primeiros mil metros da Avenida Industrial passavam por etapa de replanejamento com a construção do ABC Plaza Shopping, o centro histórico começava a ser reformulado e ainda não se anunciara oficialmente a construção da Cidade Pirelli, projeto que vai reciclar extensa área desativada pela Pirelli Cabos. 

Ambiguidade

No mês seguinte, a Prefeitura apresentou pesquisa qualitativa de avaliações da população sobre viver em Santo André como suporte ao projeto. O resultado foi um sentimento ambíguo de viuvez industrial e de constrangida lua-de-mel comercial, recheado pela expectativa de melhora da qualidade de vida por meio de equipamentos públicos. A pesquisa foi realizada pela Pólis Assessoria, Formação e Estudos de Políticas Sociais, instituição contratada para participar do processo de planejamento estratégico do Município. 

O relatório apresentado pela pesquisadora Ana Luiza Salles Souto, chefe da equipe que reuniu seis grupos de moradores de Santo André, constatou que a desindustrialização provocou o que chama de uma certa sensação de perda, dado o papel relevante no desenvolvimento econômico do Município. O estudo também concluiu que o comércio é valorizado como atividade que imprime grande dinamismo econômico, conferindo características de modernidade e opções de consumo típicas de grandes centros urbanos, mas se apresenta com menor potencial para gerar impactos positivos nas condições de vida da população. 

Os estudos concluíram também que o desenvolvimento econômico de Santo André é visto como indissociável do Grande ABC. "Como cidade líder, cabe ao governo municipal papel fundamental nesse processo. Cabe ao governo garantir condições para as empresas desenvolverem-se na cidade e na região, o que supõe medidas voltadas para atrair novos empreendimentos e a manter os atuais, casos de subsídios e isenções fiscais. Tendo em vista a importância no desenvolvimento da região, entende-se que tais ações devem focar preferencialmente as indústrias. Em contrapartida, espera-se das empresas uma devolução, um retorno social que implique em melhorias na qualidade de vida da cidade" -- concluiu o trabalho.  

Gestão de negócios

Outro espanhol foi contratado pela Prefeitura de Santo André em fevereiro do ano passado, também inserido no projeto Santo André Cidade Futuro -- Andrés Rodríguez-Pose, especialista em Geografia Econômica e diretor de mestrado em Desenvolvimento Econômico Regional da London School of Economics & Politic Sciense. Ele afirmou que o Grande ABC poderia transformar-se em grande centro de gestão de negócios industriais e, com isso, compensar a inescapável perda de postos de trabalhos operacionais. Em vez de músculos de torneiros-mecânicos, ferramenteiros, operadores de máquinas e tantos outros profissionais que fizeram da região referência nacional de desenvolvimento econômico num período de mercado fechado e produção fordista, aumentará o fluxo por contratações de cérebros de engenheiros, designers, marqueteiros, projetistas e tantos outros profissionais disputadíssimos num regime de mercado aberto e de investimentos maciços em tecnologia. 

A proximidade com São Paulo -- explicou Pose -- é fator favorável ao desenvolvimento do Grande ABC. A justificativa é que a região tem tradição e experiência industrial para atrair áreas nobres da gestão empresarial, cujas plantas produtivas mais e mais se deslocarão para o Interior e outros Estados menos desenvolvidos, em busca de menores custos operacionais. 

Pose disse que ocorrerá no Brasil o que afirma ser regra geral no Primeiro Mundo: a gestão dos negócios vai envolver cada vez mais cérebros profissionais, em contraste com o emagrecimento do chão-de-fábrica braçal, atingido pela tecnologia de ponta. Isto é: fábricas deixarão de ser sinônimo de emprego, de tanto que serão automatizadas, e atividades-meio como marketing, logística, gestão, venda, pós-venda e propaganda, entre tantos outros serviços de suporte industrial, concentrarão maior contingente de profissionais mais bem remunerados.  

Sugeriu também o consultor espanhol que o modelo educacional, sobretudo do Terceiro Grau e das escolas técnicas, tenha integração tripartite, do qual participem representantes acadêmicos, Administração Pública e agentes econômicos, casos de empresas e sindicatos. Pose disse que a dicotomia entre ensino e mercado não é exclusividade do Brasil. A falta de integração coloca em patamares distintos a grade curricular das escolas e a realidade da demanda do mercado. Só a aproximação entre as partes -- uma etapa iniciada de forma ainda tímida e individualizada na região -- poderá gerar o casamento da teoria e da prática em nível satisfatório, elevando a atratividade regional, avaliou o consultor. 

O professor trazido por Celso Daniel no início do ano passado espera que a região saiba atrair pequenas e médias empresas para o cinturão de atendimento às grandes. Nada de guerra fiscal como elemento sedutor. A alternativa é outra. A proximidade entre empresas pesa muito, garante, quando se sabe que o fluxo de produção incorpora sistemas como o just-in-time. Se faltam espaços para grande empresas, sobram para investimentos menores. Há galpões industriais à espera de investidores. Mas isso não é tudo. Sem mão-de-obra qualificada, tudo fica mais difícil. A qualificação deve levar em conta as novas tendências do mercado, nas quais se exigem implementações conjuntas de acadêmicos, setor público e meios empresariais e sindicais. 

Explicou o professor da London School que a melhor arma para atrair as grandes e médias indústrias às causas regionais é oferecer profissionais qualificados a ponto de reduzir os custos de formação interna e garantir infra-estrutura viária que assegure acessibilidade, entre outras ações práticas. 

Qualidade de vida

Em abril do ano passado foi a vez de o francês Alain Lipietz visitar Santo André como consultor contratado pela Prefeitura. Ele foi enfático: "O Grande ABC tem de se preocupar mais com a qualidade de vida, sobretudo com o melhor aproveitamento das riquezas naturais, para estimular o desenvolvimento econômico" -- disse. Um dos fundadores da Teoria da Regulação e militante do Partido Verde francês, Alain passou quatro dias em Santo André. Manteve contatos com empresários, executivos públicos e Imprensa sem se deixar apertar no idioma. Com sotaque francês, ele se utilizou de portunhol suficientemente claro para explicar posições.

Ao fazer a defesa de melhor aproveitamento do acervo ambiental do Grande ABC, sobretudo o cinturão da região dos mananciais da Represa Billings e da Mata Atlântica, Alain Lipietz não caiu no lugar-comum de muitos ambientalistas que incompatibilizam qualidade de vida e desenvolvimento econômico. O francês entende que o Grande ABC deve utilizar as reservas ambientais como marketing para atrair empresas de alta tecnologia e profissionais qualificados que valorizem condições favoráveis de moradia e entretenimento. 

Formado em Engenharia na Escola Polytécnica de Paris, com pós-graduação em Economia, Lipietz é professor da École Nationale de Ponts e Chausses e diretor de pesquisas no Cepremap (Centro de Estudos Prospectivos de Economia e Matemática Aplicada ao Planejamento). Ele faz parte do Conselho de Análise Econômica do primeiro-ministro francês Lionel Jospin e já foi vereador e deputado da região de Paris. Liepietz definiu a globalização como guerra econômica que tem na educação componente decisivo, alertando sobre a necessidade de investimentos na área. 

Lipietz afirmou que o melhor para a região é buscar alternativas locais de desenvolvimento, independente da Federação e do Estado. Mas reconheceu que há pedras no caminho de um País tradicionalmente de comando estratégico centralizador. Tanto que sugeriu empenho regional para o fim do monopólio do abastecimento do Pólo Petroquímico de Capuava, cujo desempenho depende da Petrobras. "Como na região de Paris, onde a indústria petroquímica avançou para áreas mais nobres, casos da química fina, farmácia e biotecnologia, vocês têm de pensar nesse tipo de evolução" -- recomendou. 

O professor francês bateu também na mesma tecla dos espanhóis Jordi Borja e Andrés Rodríguez-Pose -- a conjunção entre Poder Público, empresários, sindicalistas e representações educacionais é a massa crítica de que o Grande ABC poderá se valer para reestruturar-se economicamente e reagir politicamente. 

Em agosto de 1998, atendendo a proposta de Jordi Borja, a Prefeitura de Santo André promoveu workshop com técnicos locais. O encontro definiu a constituição das equipes que passariam a se envolver diretamente com as propostas. Participaram dos trabalhos os urbanistas internacionais Joan Busquets, Eduardo Leira e Christian Portzamparc. Deu-se então a largada conjunta para a efetivação dos projetos.  

Em novembro do ano passado, durante a primeira rodada de propostas, Joan Busquets desembarcou em Santo André. Ele trouxe na bagagem de conhecimentos os primeiros esboços da revitalização do macroeixo da Avenida dos Estados. O arquiteto Eduardo Leira também veio a Santo André para apresentar preliminarmente as questões sobre acessibilidade à Avenida dos Estados. No mês seguinte, dezembro do ano passado, foi a vez de o francês Christian Portzamparc, um dos mais importantes arquitetos do mundo, chegar à cidade com estudos sobre volumetria -- relação estratégica entre edificações e espaços vazios. 

Mudar o Rodoanel

Em janeiro deste ano, já na segunda rodada de estudos, Eduardo Leira desafiou os interlocutores do Grande ABC a pensar, conceber e viabilizar o tipo de Rodoanel Metropolitano que de fato atenda aos interesses de desenvolvimento estratégico da região; isto é, interferir efetivamente por meio de gestões políticas junto ao governo do Estado, evitando comprometer o futuro da região. Com conclusão prevista para 2005, as obras do Rodoanel tiveram início em outubro do ano passado no trecho Oeste, que liga Perus à Rodovia Régis Bittencourt nas proximidades de Osasco. 

O projeto prevê uma via fechada de alta velocidade (100 km/h) com acessos localizados apenas nas intersecções com as rodovias. É exatamente aí que Eduardo Leira revela preocupações. Ele defendeu maior interação do Rodoanel com os municípios da região. 



Leia mais matérias desta seção: Administração Pública

Total de 813 matérias | Página 1

15/10/2024 SÃO BERNARDO DÁ UMA SURRA EM SANTO ANDRÉ
30/09/2024 Quem é o melhor entre prefeitos reeleitos? (5)
27/09/2024 Quem é o melhor entre prefeitos reeleitos? (4)
26/09/2024 Quem é o melhor entre prefeitos reeleitos? (3)
25/09/2024 Quem é o melhor entre prefeitos reeleitos? (2)
24/09/2024 Quem é o melhor entre prefeitos reeleitos? (1)
19/09/2024 Indicadores implacáveis de uma Santo André real
05/09/2024 Por que estamos tão mal no Ranking de Eficiência?
03/09/2024 São Caetano lidera em Gestão Social
27/08/2024 São Bernardo lidera em Gestão Fiscal na região
26/08/2024 Santo André ainda pior no Ranking Econômico
23/08/2024 Propaganda não segura fracasso de Santo André
22/08/2024 Santo André apanha de novo em competitividade
06/05/2024 Só viaduto é pouco na Avenida dos Estados
30/04/2024 Paulinho Serra, bom de voto e ruim de governo (14)
24/04/2024 Paulinho Serra segue com efeitos especiais
22/04/2024 Paulinho Serra, bom de voto e ruim de governo (13)
10/04/2024 Caso André do Viva: MP requer mais três prisões
08/04/2024 Marketing do atraso na festa de Santo André