Administração Pública

Bairros com muita
qualidade de vida

JOSÉ CARLOS PEGORIM - 05/05/1999

A proposta do arquiteto francês Christian de Portzamparc para a reurbanização da região da Avenida dos Estados é antes de tudo uma incursão sobre a qualidade de vida nos bairros que se formariam ao longo do trajeto. Portzamparc se preocupa com as imagens captadas por quem passa pelas ruas ou vive e trabalha nos prédios da área em questão: a construção alta ou baixa, o sol que inunda uma casa entre outras, o ar fresco que circula e torna agradável o caminhar e se as ruas do bairro são acolhedoras ou não.

Além de propor a remodelação propriamente dita do corredor viário, tornando-o mais próximo do modelo de boulevard urbano -- e não apenas uma via de tráfego rápido, como é hoje --, o arquiteto sugere, principalmente, uma regra de construção para o entorno, a chamada quadra aberta (alinhamento de fachadas planas, deixando espaços livres entre as construções). O centro de sua atenção está nas relações entre as construções e o espaço vazio, oferecendo como resultado estudo sobre disposições de prédios horizontais ao lado de construções verticais, espaços entre construções, critérios de insolação e acústica.

Enquanto os três outros projetos de reurbanização da Avenida dos Estados se debruçam sobre as condições de inserção da região na metrópole, voltados mais para as ligações das cidades entre si, Portzamparc fala das relações que o homem individual estabelece com a arquitetura. O que o arquiteto francês propõe é que a região da Avenida dos Estados seja loteada segundo regras especiais que garantiriam coerência urbanística aos novos bairros. São terrenos que hoje pertencem às empresas estabelecidas no local que, em busca de lugares mais adequados às suas atividades, poderiam liberar áreas para a reurbanização.

Segundo Portzamparc, o modelo proposto alia realismo econômico (não exige grandes obras de infra-estrutura) e maleabilidade imobiliária para criar novos bairros com qualidade de vida que ele chama de civismo. Baseia-se em três pontos: revisão das grandes linhas de circulação (avenidas dos Estados, Industrial e Dom Pedro II, linha do trem e a malha de rios); uma regra de construção, o quarteirão aberto; e na incorporação progressiva dos terrenos desocupados aos poucos pelas empresas. 

Jogo de altura

O estudo se concentrou na região compreendida entre o ABC Plaza Shopping, numa ponta, e o complexo em construção da UniABC (Universidade do Grande ABC). As grandes glebas ocupadas por fábricas desativadas, plantas industriais em pleno funcionamento e terrenos públicos (como a Craisa e a Garagem Municipal) seriam divididas em nove grandes bairros de quadras menores cortadas por ruas estreitas.  O jogo de altura entre as construções garante não só a entrada da luz, mas também limita o adensamento (número de habitantes) da área, de tal forma que o volume mais alto é compensado pelo mais baixo.

Por outro lado, a diversidade de altura leva à diversidade de construções -- se um supermercado se faz com três andares, um prédio de escritórios pede 13 ou mais. "A variação da altura amplia as possibilidades de construção e valoriza o terreno" -- explica o arquiteto francês. A Avenida dos Estados manteria a função de eixo de ligação rápida entre a Capital e o Grande ABC e ganharia uma marginal para escoar o trânsito local de menor velocidade em direção aos bairros.  O urbanista francês não gasta mais de um parágrafo com a sugestão de cobrir o Tamanduateí com imensa área contínua de lazer. Mas se estende sobre a possibilidade de valorizar as margens dos córregos que cortam a região. Admite também que qualquer esforço seria desperdício de dinheiro se o problema da poluição não for resolvido antes.

Outra idéia é transformar a faixa de separação entre a via rápida e a local num reservatório de contenção de enchentes, que reforçaria os piscinões em construção no Grande ABC.  No geral, o projeto de Portzamparc rejeita soluções pirotécnicas. "A intenção foi propor algo realista do ponto de vista econômico, que não exigisse grandes investimentos, como pontes sobre a linha do trem" -- explica. É certo que entre projeto e realidade há um oceano. Para sair do papel, o projeto de Portzamparc tem de virar uma operação urbana -- série de medidas de revitalização que precisam de leis específicas que terão de ser propostas e votadas na Câmara. 

Poucas experiências

O conceito de quadra aberta desenvolvido pelo arquiteto francês Christian de Portzamparc tem poucas experiências concretas no mundo. A mais importante é um conjunto de apartamentos em Paris, à Rua das Formas Altas (Rue des Hautes Formes, em francês), de 1975.  Les Hautes Formes são um conjunto de edifícios residenciais espremido entre as torres de uma faculdade e os prédios vizinhos. Demonstra que é possível aliar habitação em larga escala à qualidade arquitetônica e romper com a indiferença do espaço público.  A quadra aberta é uma estratégia de verticalização que gera áreas de alta densidade populacional, e não um quarteirão de ocupação rarefeita.

O princípio básico é não tomar inteiramente o terreno com construções, mas obter um compromisso entre prédios de diferentes alturas, entremeando espaços públicos e privados sem inviabilizar o adensamento. Seria gerado ambiente com qualidade arquitetônica que preserva insolação, aeração, acústica e a relação com a rua.  Os problemas com os quais Portzamparc lida marcam a vida na metrópole. No Bairro de Higienópolis, em São Paulo, a verticalização mais antiga se fez com o aproveitamento de terrenos maiores, resultando em construções diversificadas entremeadas por espaços públicos e privados amplos. Fruto de outra cultura em relação à segurança pessoal, os edifícios são mais abertos para a rua, com jardins e rampas que amenizam a separação entre espaço público e privado, ampliando a visão do pedestre. É uma forma de ocupação do espaço que se aproxima das idéias de Portzamparc.

Em Moema e no Itaim-Bibi, a verticalização recente criou o que os arquitetos chamam de paliteiro -- os prédios altos dispõem de menos terreno e os vazios entre as construções são menores, dificultando a insolação e a aeração. A volumetria e a distribuição espacial dos edifícios são repetitivas e as ruas estreitas se sobrecarregaram, tal como as redes de água, luz, gás e telefonia, cobrando cara expansão dos serviços públicos.

Segundo o coordenador do projeto Santo André -- Cidade Futuro, Maurício Faria, a quadra aberta poderia ser experimentada em um dos terrenos municipais situados ao longo do eixo do Tamanduateí. Faria cita a Garagem Pública, que poderia ser transferida para outro ponto da cidade sem prejuízo de funções. O terreno seria oferecido à iniciativa privada com o objetivo de viabilizar empreendimento nos moldes da quadra aberta. No quarteirão de Portzamparc o alinhamento fixo das fachadas sobre a borda do terreno daria ao pedestre a impressão de que, apesar das diferentes alturas, obedece a disposição que pode ser apreendida de imediato. O espaço entre as construções é preenchido com árvores e jardins, também alinhados com a calçada, dividindo o custo da arborização com os proprietários privados. 



Leia mais matérias desta seção: Administração Pública

Total de 813 matérias | Página 1

15/10/2024 SÃO BERNARDO DÁ UMA SURRA EM SANTO ANDRÉ
30/09/2024 Quem é o melhor entre prefeitos reeleitos? (5)
27/09/2024 Quem é o melhor entre prefeitos reeleitos? (4)
26/09/2024 Quem é o melhor entre prefeitos reeleitos? (3)
25/09/2024 Quem é o melhor entre prefeitos reeleitos? (2)
24/09/2024 Quem é o melhor entre prefeitos reeleitos? (1)
19/09/2024 Indicadores implacáveis de uma Santo André real
05/09/2024 Por que estamos tão mal no Ranking de Eficiência?
03/09/2024 São Caetano lidera em Gestão Social
27/08/2024 São Bernardo lidera em Gestão Fiscal na região
26/08/2024 Santo André ainda pior no Ranking Econômico
23/08/2024 Propaganda não segura fracasso de Santo André
22/08/2024 Santo André apanha de novo em competitividade
06/05/2024 Só viaduto é pouco na Avenida dos Estados
30/04/2024 Paulinho Serra, bom de voto e ruim de governo (14)
24/04/2024 Paulinho Serra segue com efeitos especiais
22/04/2024 Paulinho Serra, bom de voto e ruim de governo (13)
10/04/2024 Caso André do Viva: MP requer mais três prisões
08/04/2024 Marketing do atraso na festa de Santo André