Administração Pública

Prefeitos ignoram alternativas
para gerar riqueza com IPTU

DANIEL LIMA - 17/01/2018

Vou reproduzir sem retoque três textos que escrevi no Diário do Grande ABC em outubro de 2004. Todos diretamente ligados ao tratamento econômico competitivo justo que faria do IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) instrumento de equilíbrio social, não dor de cabeça. Basta ver o que se passa com o prefeito Paulinho Serra, de Santo André, em tormentosa confusão que trafega na contramão do bom senso. Ou seria outra coisa elevar o custo de morar e empreender em Santo André à estratosférica marca de 50%, enquanto a inflação da temporada passada não chegou a um décimo disso?

Recorro providencialmente àqueles três artigos de mais de 13 anos, publicados originalmente na coluna “Contexto”. Assinei-os entre mais de 150 no período de 11 meses, enquanto estava Diretor de Redação do Diário do Grande ABC. Tratei do IPTU Industrial, do IPTU Residencial e do IPTU Comercial (e de serviços) -- uma divisão que raros observadores levam em conta.  

O lamentável é que, embora aquelas análises possam ser colocadas num patamar de revolução no tratamento do imposto (esqueçam a hipocrisia da falsa modéstia) o resultado é o completo alheamento dos gestores públicos que passaram pelos paços municipais, inclusive os atuais. 

Apenas carona 

O Clube dos Prefeitos comandado por Orlando Morando jamais se empenhou em ação fiscal que pudesse ser compartilhada entre os demais titulares eleitos em outubro de 2016. Pegou carona num projeto nacional de uniformização de alíquotas de algumas atividades, embora tenha alardeado falsamente que modificara a estrutura regional do ISS (Imposto Sobre Serviços). Antecessores não foram diferentes. A exceção é Celso Daniel. O petista lançou um programa de competitividade econômica baseado em tributos municipais. O petista envolveu todos os igualmente eleitos em 1996 – portanto há mais de 20 anos. 

Muito pouco do que escrevi em 2004 sofreu defasagem mais de uma década depois. Mudança significativa mesmo a alterar a interpretação atual possivelmente ficaria restrita à nova dimensão arrecadatória do imposto. Na última década saltou o incremento de receitas próprias das municipalidades. E o IPTU despontou com um dos principais canais a irrigar os cofres públicos. Nada, entretanto, que a aplicação dos recursos bombardeasse o anacronismo apontado naqueles artigos. 

Aqueles textos foram desencadeados após a criação de uma instituição para analisar detidamente o comportamento econômico, financeiro, social e criminal de então 55 municípios mais importantes do Estado de São Paulo. Descobriu-se que a situação de Santo André no ranking do IPTU era crítica. 

Números defasados 

Os números referiam-se ao orçamento consumado em 2001 – portanto um pouco antes de novo esquadrinhamento da Planta Genérica de Valores ensaiada por Celso Daniel e executada a partir de 2002 pelo sucessor acidental João Avamileno. Santo André ocupava naquela temporada a modestíssima 41ª colocação no ranking do IPTU do IEME (Instituto de Estudos Econômicos). Estava próxima da zona de rebaixamento, por assim dizer.

Não nos ocuparemos daquele ranking agora. Deixamos para os próximos dias, porque assim a situação de Santo André exige. Trataremos nesta edição especialmente daqueles artigos. Deixei uma proposta sem paralelo ao propor interferência conceitual no uso dos recursos do IPTU. A frustração do despreparo, descaso, desinteresse e tantas outras deficiências de gerenciadores públicos não pode ser negada. 

Acompanhem, portanto, os respectivos textos. O prefeito Paulinho Serra, então iniciante na vida pública como vereador em Santo André, poderá entender melhor porque o consideramos uma decepção -- age com a cabeça dos antecessores, do lugar-comum exclusivamente arrecadatório de impostos. Distante, portanto, de sinergia econômica.   

IPTU competitivo -- 19/10/2004 

A competitividade econômica do Grande ABC passa por tantos caminhos mal percorridos e também por atalhos ignorados ao longo dos tempos que somente uma força-tarefa institucional poderá, de fato, alterar o rumo dos acontecimentos.

Não existe alternativa senão adaptar-se aos novos tempos concorrenciais que conferem à localização fator decisivo que ajuda a fazer a diferença. O Interior mais próximo da Região Metropolitana de São Paulo não se tornou por acaso ancoradouro de empreendimentos aparentemente irremovíveis do Grande ABC e da própria e poderosa Capital.

As regiões metropolitanas de Campinas, Sorocaba e São José dos Campos recepcionaram a maior parte dos evadidos da Grande São Paulo. Não bastassem os próprios custos diretos de manutenção dos empreendimentos, os desvarios metropolitanos em segurança pública e em qualidade de vida pesam sobremaneira.

Um dos quesitos básicos que poderão retirar a região do limbo de competitividade é o peso sobressalente e abusivo que as prefeituras impõem às empresas na arrecadação do IPTU (Imposto sobre Propriedade Territorial Urbana). Há barulheira seletiva contra o IPTU residencial, principalmente porque a Prefeitura de Santo André lançou valores altíssimos sobre um grupo de contribuintes, mas o nó de verdade está na área produtiva.

Os novos e eventualmente os prefeitos que se reelegerem além do consagrado William Dib, precisam assumir o compromisso público de abrir a caixa-preta do IPTU industrial. Amoitados entre os valores dos estabelecimentos do terciário e residenciais, o IPTU industrial é o crime da mala que se mantém guardado a sete chaves.

Por falta de representatividade de organismos empresariais, perdidos em passos trôpegos de uma institucionalidade introspectiva, os empreendedores industriais comem o pão que o diabo amassou para financiar a cada vez mais avantajada faixa de receitas municipais. Essa foi uma das formas encontradas para compensar perdas imensas com o repasse do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) evadido junto com a desindustrialização.

Embora a preferência dos candidatos que torpedeiam a política de recuperação de valores do IPTU residencial seja o pragmatismo da visibilidade de retorno político-eleitoral de habitações da classe média, está na atividade industrial o desafio de as administrações públicas iniciarem revolução histórica. Não será nada fácil, considerando-se as restrições legais e econômicas.

Por restrições legais entendam-se as amarras orçamentárias definidas pela Lei de Responsabilidade Fiscal que exige a recomposição fiscal a eventuais concessões. Não se pode simplesmente baixar as alíquotas do IPTU e, em consequência, a arrecadação municipal.

Noutros tempos em que prefeitos deixavam uma bomba relógio no colo do sucessor, tudo valia. Da LRF para cá, as penalidades desestimulam irresponsabilidades populistas.

Por restrições econômicas compreenda-se a imperiosidade de os administradores públicos darem atenção às demandas orçamentárias cujas contas não fecharão se a renúncia arrecadatória se opuser a receitas compensatórias.

Exatamente por ser uma caixa-preta, o IPTU industrial é surrupiado de qualquer informação mais detalhada. Como a média do IPTU oscila entre 10% e 15% dos orçamentos municipais na região, acredita-se que perto de 70% desses valores relacionam-se com o setor produtivo. O abrandamento dos valores poderá significar, provavelmente, perto de 5% de descarte arrecadatório. No caso de Santo André, esse percentual é semelhante ao que em média restou para aplicação anual nas últimas temporadas em obras públicas.

Quem vai amarrar o guizo da generosidade fiscal no pescoço do gato da competitividade? Quem tomará a iniciativa de romper com o ciclo vicioso de taxar a produção com impostos municipais em vez de rever a distribuição do peso relativo de receitas do IPTU à grande massa de residências que desfrutam de isenção nos sete municípios?

Será que encontraremos algum prefeito com tutano suficiente ou versado em haraquiri eleitoral para peitar a própria ambição política e indispor-se com uma gigantesca massa de contribuintes acostumados a receber carnês do IPTU e atirá-los na gaveta mais próxima, porque não têm serventia alguma além de constatar que mais uma temporada se passou sem que lhes tenham sido cobrado qualquer centavo de pagamento?

Os contribuintes brasileiros, como se sabe, não passam de cordeirinhos ao se defrontarem com impostos estaduais e federais, mas viram feras feridas se tributos municipais alcançam dimensão razoavelmente relevante em seus bolsos.

O contraponto do IPTU industrial mais brando e competitivo é o desenvolvimento econômico sustentado. Entretanto, a condicionalidade do financiamento compensatório do IPTU residencial está no meio do caminho dessa transposição. Quem se habilita, senhoras e senhores?

IPTU residencial -- 20/10/2004 

O IPTU residencial negligenciado por prefeitos do passado e maltratado por prefeitos do presente tornou-se rede de intrigas político-partidárias que mata a fome pantagruélica de oportunistas, desclassifica os injustiçados e atormenta a vida de administradores aparvalhados.

Já escrevi muito sobre o assunto na newsletter Capital Social Online e até reservei capítulos sobre o assunto no livro República Republiqueta, mas são sempre possíveis novas abordagens, dada a dinamicidade econômica e social.

A progressividade dos valores do IPTU é contestada judicialmente, mas deveria enternecer quem pretende ver um mundo menos desigual.

Da mesma forma, mereceria ser avaliada com mais rigor pelos poderes públicos. Não bastam cálculos carregados de subjetividades e imprecisões para equalizar as imensas distorções do imposto no campo prático.

Há ricos pagando pouco, há poucos remediados contribuindo acima do possível, mas, também e principalmente, muito abaixo do suportável.

A estridência com que se reclama de valores lançados no IPTU de grupos de fato discriminados desvirtua a realidade dos números gerais extremamente modestos.

Como há penetras nessa polêmica que avocam para si aumentos despropositais sem, de fato, comprovarem distorções, as discussões viram um samba do crioulo doido.

Sem qualquer receio de pecar pela generalização, afirmo que o IPTU aplicado no Grande ABC — como de resto num País que sempre tratou o patrimonialismo imobiliário com excesso de liberalidade — não tem fundamentação técnico-científica que possa cristalizar contestações férteis sobre as bases aplicadas. Cobra-se mal e porcamente os contribuintes. Poucos pagam muito e muitos pagam pouco, num resumo estapafúrdio da ópera.

Os prefeitos locais do passado, afortunados pela exuberância do ICMS da industrialização compulsória, jamais se incomodaram com o Imposto Predial e Territorial Urbano. As receitas eram pífias. Para agravar a distensão fiscal, os 30 anos de inflação corrigida monetariamente e a farra do overnight ajudaram a engordar as burras públicas sem maiores contratempos. Os recursos fiscais eram corrigidos diariamente, enquanto a maioria das despesas diluía-se com o desbaste de custos não corrigidos.

A razoável estabilidade monetária pós-Plano Real e a desindustrialização mais acentuada dos anos 90 sacudiram os cofres municipais. Números que levantei para o IEME (Instituto de Estudos Metropolitanos) mostram claramente o descompasso entre o repasse de ICMS e o aumento da carga tributária própria. As prefeituras recebem cada vez menos repasses do Estado e procuram tapar os buracos com aumento da carga fiscal local. Uma corrida insana que atenua, mas não supera o esvaziamento orçamentário.

O IPTU residencial é nitroglicerina pura porque não temos a cultura de pagar impostos sobre patrimônio imobiliário. Veículos valem muito menos, mas recolhem muito mais valores relativos ao IPVA. Um acinte. O argumento de que só paga IPVA mais elevado quem tem veículo mais caro pode ter o contraponto de que só paga ou deveria pagar mais IPTU quem reside em bairro mais valorizado e em imóvel igualmente mais apetrechado.

Exercessem os contribuintes cidadania em intensidade semelhante ao grau de cobrança de usuários e consumidores de produtos e serviços, administradores e legisladores contariam com reforço importantíssimo na redefinição da Planta Genérica de Valores, o genoma do IPTU. Entretanto, como há completa dispersão de agentes comunitários que, a bem da verdade, estão muito distantes do nível organizacional recomendado, o IPTU residencial vira um jogo de cartas marcadas e muito mal distribuídas.

O ranking do IPTU do Instituto de Estudos Metropolitanos inovou o conceito de avaliação de valores ao aperfeiçoar a simplicidade do confronto de arrecadação versus número de habitantes para se chegar à média por habitante. O IEME vai mais longe e correlaciona os mesmos valores por habitante com a média per capita do Índice de Potencial de Consumo da Target Marketing e Pesquisa. O IPC da Target é espécie de PIB por habitante de cada município.

O que significa essa inovação? Significa que a capacidade contributiva familiar precisa ser levada em conta na equação que também enquadra características do imóvel como padrão de construção e localidade, entre outros pontos. Dessa forma, o IPTU residencial passará a ser sinônimo de justiça social. E isso, as mal-acostumadas e despreparadas prefeituras do Grande ABC e do País, simplesmente desconhecem.

Por isso, dão margem a injustiças que, por sua vez, alimentam demagogias eleitorais.

IPTU comercial -- 21/10/2004 

Depois de discorrer sobre o IPTU industrial e o IPTU residencial, chego ao IPTU comercial que também abrange o setor de serviços. Aliás, comércio e serviços são atividades que se confundem cada vez mais nesse mundo sem fronteiras. Não se sabe onde começa um e onde termina outro.

O que passo a destrinchar não é teoria. É prática, principalmente no Primeiro Mundo. No Canadá, por exemplo. Já escrevi a respeito do assunto na newsletter Capital Social Online. Infelizmente, os administradores públicos, os legisladores municipais e as entidades de classe empresarial se fazem de mortos quando se trata de botar a mão na massa e investir em novidades. Talvez não se façam de mortos. Provavelmente estejam vegetando.

Combinado com inovações do imposto na área residencial e no campo industrial, o IPTU comercial significaria uma revolução que daria dinamicidade econômica e social às mais diferentes concentrações geográficas da atividade e, com isso, minimizaria o desajuste da assimetria que impactou duramente o Grande ABC a partir da chegada do então Shopping Mappin ABC, em Santo André.

Como se sabe, após a instalação daquele empreendimento houve deslumbramento silvícola pelos grandes aglomerados comerciais e, com isso, antigos e tradicionais endereços comerciais de regiões centrais e da periferia sofreram evasão de consumidores.

Qual é a proposta, então, para o IPTU comercial? Que as prefeituras esquadrinhem os respectivos municípios por áreas compatíveis em potencial de consumo e calibrem a cobrança de acordo com a realidade específica.

Mas isso é apenas o começo da operação. Os recursos arrecadados com o IPTU em cada área retornariam parcialmente para o financiamento de obras urbanísticas de valorização desses endereços. Também poderia ser organizado calendário de eventos culturais que incentivasse a população a consumir em seus próprios redutos, retroalimentando a perspectiva e a prática de novos negócios.

Os investimentos nos bairros obedeceriam a proporcionalidade de arrecadação do IPTU comercial nas respectivas localizações. Quem contribuísse mais teria relativamente mais recursos.

Entretanto, a regra seria concessiva e estimuladora também para as regiões comerciais mais carentes de cada município, porque o caixa de fomento às atividades financiadas pelas próprias empresas reservaria uma parcela de dinheiro para os menos afortunados também contarem com a política de investimentos públicos direcionados à emulação de negócios e de desenvolvimento social. A exclusão empresarial eterniza a exclusão social.

Vai-se mais longe nessa proposta. Nada impede que o fundo de fomento conte também com recursos para a preparação de mão-de-obra específica às demandas locais.

É claro que estamos resumindo uma proposta que poderá ser robustecida por agentes públicos e privados interessados em retirar o setor terciário da região do marasmo e da desorganização coletiva em que se encontra desde que o primeiro negociante aportou por aqui. Aliás, também já escrevi sobre a barafunda da ocupação espacial por atividades comerciais e de serviços. As administrações públicas não têm o menor controle e sistematização para disciplinar negócios sob o conceito de shopping center. Há sobreposições concorrenciais que inviabilizam a lucratividade geral enquanto casos de carência de determinada oferta de produtos ou serviços levam os moradores a se deslocar para outros pontos do município.

Com os recursos de fomento gerados pelo IPTU comercial seria compulsória a possibilidade de atividades econômicas ganharem novo impulso a bordo de diagnóstico minucioso de carências e excessos de ofertas de determinados produtos e serviços. A mortalidade negocial seria abatida em escala bastante aceitável.

Juntem esses pontos relacionados ao uso de dinheiro de impostos para incrementar a economia de cada Município e podem apostar que o resultado final será muito diferente do que temos hoje. Principalmente porque as medidas estariam associadas às reformas estruturais do IPTU industrial e do IPTU residencial, que tornariam o primeiro competitivo e o segundo justo.

Tudo isso é perfeitamente factível desde que administradores e legisladores públicos joguem às traças a velharia conceitual de que impostos existem para serem aplicados sob a rigidez orçamentária tradicional.

E observem que não estamos vinculando integralmente as receitas do IPTU comercial à reciprocidade geográfica de investimentos. Nada disso. Apenas uma parcela razoavelmente significativa permitiria um experimento municipal que localidades do Canadá festejam como a consagração da cidadania, no sentido mais amplo do termo.

Será que nossas instâncias regionais vão sair do marasmo em que se encontram também na área fiscal?



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