Administração Pública

Nem generosidade do Diário
salva Serra no caso do IPTU

DANIEL LIMA - 18/01/2018

Conforme prometido, o ombudsman não autorizado da imprensa regional está de volta. A cobertura do Diário do Grande ABC especificamente na edição de ontem do caso do IPTU de Santo André é o foco deste artigo. Daí este jornalista sair da toca de observador silente do andar da carruagem da imprensa regional. 

O resumo da ópera é que o Diário do Grande ABC precisa ser avisado que é impossível salvar o prefeito Paulinho Serra desse escândalo administrativo. Qualquer que seja o resultado final, Paulinho Serra já perdeu. Nenhum homem público salva o bom senso administrativo quando o bom senso administrativo já foi para o vinagre. 

Vou tratar o assunto da maneira mais objetiva possível, sem espaço a subjetividades. Reproduzirei a reportagem de página interna e do Editorial, intercalando-os com observações que considero pertinentes.  

Vamos começar com a reportagem propriamente dita, sob o título “Debate do IPTU de Santo André foi esquecido no passado”. Logo em seguida, na chamada linha fina, espécie de complemento do título, temos “Entidades e oposição evitaram discutir reajuste do tributo quando Câmara votou o projeto”. Os dois enunciados têm direcionamento claro de transferência a terceiros do pecado capital de uma iniciativa patética do prefeito Paulinho Serra. Aos trechos da reportagem e ponderações:  

Diário do Grande ABC 

 Os primeiros carnês do IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) chegaram às residências e indústrias de Santo André e já se ensaia na cidade movimento de contestação ao reajuste do tributo. Entretanto, entidades do município não fizeram uso dos instrumentos legais para debater o assunto quando a atualização da PGV (Planta Genérica de Valores) foi votada na Câmara andreense, no fim de junho do ano passado, a despeito de duas datas terem sido solicitadas para realização de audiência pública. A revisão da PGV, principal base de cálculo do IPTU, foi avalizada pelo Legislativo no dia 29 de junho do ano passado. Na mesma sessão, o vereador Willians Bezerra (PT) apresentou requerimento solicitando audiência pública para discutir o assunto no dia 14 de agosto. Sem avanço dos trâmites – o setor interno da Casa cobrou do petista indicações dos convidados para o evento, algo que ele não efetivou –, outra data foi designada, desta vez para 25 de setembro. E o problema se repetiu e a audiência pública nunca aconteceu. 

Meus comentários 

O acinte em forma de ataque ao bolso dos contribuintes de Santo André (à época da aprovação do projeto de lei o escândalo era maior, porque sem barreiras limitadoras) não foi captado em tempo pelos contribuintes em geral e principalmente por instituições. A Administração Paulinho Serra fez tudo para esconder a medida. Tanto que não deu publicidade alguma à proposta. Bem diferente do que usualmente faz, sobretudo no Diário do Grande ABC. São muitas as páginas de publicidade reservadas para divulgar supostas realizações do Executivo. Nenhuma fez qualquer ensaio de chamamento público para chegar a um IPTU desejável. Mais que isso: o Legislativo votou o projeto de lei a toque de caixa. Parecia deliberado a um tratado secreto que preservassem interesses fiscais do prefeito Paulinho Serra. 

Mais Diário do Grande ABC 

 O tema só voltou à tona quando a própria Prefeitura apresentou projeto de lei instituindo limitadores no reajuste do IPTU. Como a PGV não era atualizada desde 2002, havia possibilidade de alta considerável em carnês de bairros que tiveram obras de melhoria substanciais no período. Para evitar a disparada de preços, o governo de Paulo Serra (PSDB) fixou que o IPTU só poderia aumentar até 50% para casas, 60% a apartamentos e comércios e 70% para indústrias. O projeto chegou à Câmara em novembro e aprovado no começo de dezembro. 

Meus comentários

A retomada do aumento escorchante do IPTU no Legislativo só se deu no final do ano passado para alguns reparos. Houve pressões localizadas. Tudo foi resultado do estouro da boiada da correção do imposto tendo como matriz a Planta Genérica de Valores. Entretanto, como a bobagem já fora feita e assinada, quando não votada e sacramentada, restou ao prefeito o paliativo dos redutores. Trata-se de barreiras que, em linhas gerais, substituíram aumentos de mais de 150% em média para um terço disso. Ou seja: retirou-se da sala de estupro de uma donzela dois sedentários sexuais e se permitiu que apenas um fizesse o trabalho, com redução de danos colaterais. A imagem pode ser forte e até mesmo de mau gosto, mas nem assim se aproxima do estágio de desrespeito da Administração de Santo André aos contribuintes. Ou são pura ilusão o desfiladeiro econômico do Município (perda de quase 70% de participação relativa no PIB Nacional desde 1970), recheadíssimo de desindustrialização, e a inflação oficial de menos de 3% no ano passado? Outro ponto: indiferentemente da atualização da Planta Genérica de Valores, o aumento do IPTU em Santo André em pouco mais de uma década foi acima de vários municípios economicamente mais saudáveis. 

Mais Diário do Grande ABC 

 Depois do aval do Legislativo, a Acisa (Associação Comercial e Industrial de Santo André), comandada por Evenson Dotto, convidou o prefeito para falar sobre o assunto a uma plateia de empresários filiados à entidade, no dia 13 de dezembro. Ou seja, a entidade debateu efetivamente o caso seis meses após a atualização da PGV. “A aprovação se deu sem tempo para discussão junto aos vereadores. O Legislativo é quem, de fato, poderia ter feito alguma coisa. Nós mostramos a nossa preocupação ao prefeito e sugerimos alternativas, a exemplo do teto e lei de incentivo fiscal”, justificou Evenson, ao alegar que a diretoria analisa ainda a situação para verificar quais medidas adotar no caso.

Meus comentários

Diferentemente do que afirmou o dirigente da Associação Comercial e Industrial de Santo André, não se deve deixar jamais a um Legislativo sabidamente súdito do Executivo (é assim em toda parte, não é mesmo presidente Michel Temer?) a função de curadoria. O silêncio das entidades de classe, quando não reações tímidas, comprova o esgarçamento do tecido de cidadania de Santo André e da região como um todo. Um prato cheio para os gestores públicos agirem sem o menor temor.   

Mais Diário do Grande ABC 

 Procurado por telefone, o dirigente da subsecção da OAB de Santo André, Roberto Gonçalves, mostrou incômodo ao ser questionado sobre o assunto. Falou que apenas comentaria o caso mediante agendamento de entrevista para outra data. Willians, autor do requerimento de audiência pública, culpou a administração pelo fracasso dos debates. “Nós tentamos dar encaminhamento à audiência. Queríamos que o secretário (José Grecco, de Finanças) fosse no plenário (do Legislativo) explicar (a questão das alíquotas) e que a população pudesse participar. A Prefeitura não respondeu os ofícios. E no meio desse processo ainda tivemos um incidente (foi baleado no começo de novembro). Não houve audiência nem esclarecimentos.”

Meus comentários

O mau-humor do presidente da OAB de Santo André provavelmente tenha sido consequência da matéria que produzimos neste espaço. Apontamos intimidades entre aquela entidade, o prefeito Paulinho Serra e os interesses do ex-presidente da organização, Fábio Picarelli, em assumir a Agência de Desenvolvimento Econômico. Ao tentar ouvir o representante da OAB, o jornalista do Diário do Grande ABC fez manobra arriscada mesmo. Nada nos últimos anos indica que aquela associação tenha algum ponto de conexão que leve em consideração o conjunto da sociedade. Basta recordar a atuação de Fabio Picarelli, comprometido com quermesses eleitorais castradoras de independência institucional. 

Mais Diário do Grande ABC 

 Paulo Serra pontuou que a situação de financiamento da cidade se agravou devido a irresponsabilidade dos antecessores que “não tiveram coragem” de tomar medidas com “remédio amargo, preocupando-se com a eleição”. “Óbvio que não estamos satisfeitos. Buscamos minimizar ao máximo o impacto. A cidade andou para trás nos últimos dez anos, perdeu espaço. Tivemos que refazer o sistema de Saúde. Não há obras de Mobilidade em todo esse período. Prefiro pensar no asfalto, boa infraestrutura, uniforme (aos alunos da rede). Não se faz omelete sem ovos.” 

Meus comentários

O Paulinho Serra prefeito destes dias de tormenta não é o mesmo Paulinho Serra do início do mandato, ano passado. Em declarações à Imprensa, colocava Santo André no pedestal econômico, embora com avarias fiscais já conhecidas. Se é verdade que a derrocada de Santo André vem do passado, nada indica que haverá reversão nestes novos tempos. Como não tem havido nos últimos anos. O sucateamento do hino oficial do Município, que reserva espaço para “viveiro industrial”, é ironia atroz que triunfalistas e oportunistas procuram desqualificar – até que os fatos se sobreponham às manipulações. O raciocínio tático de Paulinho Serra ao projetar obras e serviços, peca pela miopia administrativa de um curtoprazismo que custará muito caro nos anos subsequentes, quando as atividades subtraídas pela carga tributária municipal abusiva inibirão ainda mais o desenvolvimento econômico. O prefeito tem razão quando afirma que não se faz omeletes sem ovos. Talvez tenha esquecido, com o IPTU sem juízo, que menos ovos estarão disponíveis no horizonte de Santo André num futuro mais próximo do que imagina.  

Editorial histórico

Já o Editorial do Diário do Grande ABC de ontem é um monumento à generosidade crítica. Generosidade crítica é força de expressão. Tudo ali converge para instalar o prefeito Paulinho Serra numa redoma de sensatez, equilíbrio, capacidade gestora e tudo o mais. O título (“Reclamar é fácil”), é emblemático do uso da arbitrariedade de uma vacina com prazo de validade vencido. Repasso o Editorial com as devidas intervenções: 

 Reclamar é direito de todos. Quem não está satisfeito tem mais é que manifestar-se. Botar a boca no trombone! Isso vale para tudo. Nas relações comerciais ou decisões da administração pública. Impossível que todos estejam satisfeitos, ainda mais quando o assunto em questão envolve dinheiro, ou se o que está em desacordo é o pagamento de tributos. Em Santo André, o assunto do momento é o reajuste do IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano). A chegada dos carnês às residências, prédios comerciais e industriais revelou valores que desagradaram muitos proprietários. E, imediatamente, fez com que se iniciasse ensaio de movimento de contestação. A indignação demonstrada por muitos dos que estão à frente de entidades representativas da sociedade andreense neste momento contrasta com a passividade exibida por eles em oportunidades anteriores. Como mostra reportagem deste Diário, tiveram chances de se fazer ouvir, de atuar concretamente em defesa de seus interesses – e também de seus representados e da população em geral –, mas deixaram passar. Tiveram tempo, pois o reajuste do IPTU começou a ser debatido em 29 de julho de 2017, quando foi votada a atualização da PGV (Planta Genérica de Valores), que é a principal base de cálculo para o tributo. Duas audiências públicas foram marcadas, nenhuma realizada. Depois, o assunto só foi novamente lembrado quando o Executivo enviou à Câmara projeto de lei limitando a correção, pois como a PGV estava defasada desde 2002, havia possibilidade de alta considerável. Este jornal sabe muito bem as condições econômicas adversas que a população de Santo André (e das demais cidades também!) atravessa, pois sempre serviu de tribuna aos seus justos anseios. O objetivo destas considerações não é defender elevação de imposto, mas sim a de alertar para a ação de quem, sabe-se lá por quais motivos, deixou passar a chance de, efetivamente, fazer a diferença. E agora quer surfar na onda da indignação alheia. Só reclamar não adianta. 

Meus comentários

Quem quer que seja que tenha acesso às páginas do Diário do Grande ABC do passado no tratamento do mesmo tema vai encontrar a negação tácita do editorial que o jornal imprimiu. Mesmo que em muitas situações a postura em relação ao IPTU tenha derivado demais do campo técnico para o campo político, a publicação jamais se furtou a tomar a iniciativa que a própria circulação a cada dia permite e quase a obriga. Desta feita, entretanto – e os arquivos estão aí para comprovar – o Diário do Grande ABC só se manifestou em reportagens e raramente em editorial para, senão aplaudir o prefeito Paulinho Serra pela iniciativa escorchante, sobretudo para minimizar os estragos que já se faziam manifestar. O quase deboche contido no título do editorial é aval à destrambelhada iniciativa da Prefeitura de Santo André. Não fosse a medida do prefeito Paulinho Serra (sempre generosamente tratado pelo jornal), uma empreitada que ultrapassa todos os limites do razoável, a opinião do Diário do Grande ABC poderia levar alguma dúvida sobre a impropriedade de reclamações. Entretanto, com 50% no lombo e queda permanente da geração de riqueza, o desenlace foi cruel. Um Editorial para a história do Diário do Grande ABC como sinônimo de que, basta um descuido para o jornalismo repetir o futebol e sofrer um revés assemelhado ao resultado de sete a um dos alemães diante da Seleção Brasileira na Copa do Mundo. 



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