Administração Pública

IPTU explosivo: sete pecados
capitais abalam Paulinho Serra

DANIEL LIMA - 22/01/2018

O prefeito Paulinho Serra experimentou na manhã de ontem nas ruas do Bairro Jardim, em Santo André, uma manifestação cujo tamanho e estridência não devem ser vistos como peças fixas de um tabuleiro de complicações. A inquietante e inédita reação de contribuintes deixou claro o recado: a cidadania, mesmo que apenas monetária, deu sinais de vida na região. E deve ir além disso. 

A reação deverá levar o tucano a reflexões para saber até que ponto a insatisfação com o aumento abusivo do IPTU -- apontado nesta revista desde sempre -- vai contaminar de vez a Administração Municipal. Sim, porque o problema está longe de ser resolvido e pode fomentar outras agendas.  Conter o que pode gerar hemorragia de insatisfação é questão de sobrevivência.  

A anunciada reunião no final da tarde de hoje no Paço Municipal pode ser apenas um jogo de cena. O que o tucano quer mesmo é esticar até onde puder a pendenga, desde que preserve a montanha de dinheiro a arrecadar.   É claro que ele não imaginava prejuízos imensos à imagem de renovador que pretendeu passar ao distinto público nas eleições em que venceu por uma combinação de fatores -- sobretudo porque o PT foi esfacelado na esteira do Petrolão.

Cadê o PT? 

Embora os manifestantes que se dirigiram à residência de Paulinho Serra não tivessem engajamento político-partidário aparente, a ausência de petistas ou de qualquer indumentária que identificasse a agremiação chega a ser intrigante. Mesmo nas redes sociais os petistas historicamente mais engajados mantêm-se em silêncio. 

Atribuiu-se ao comportamento petistas dois vetores igualmente importantes: há dezenas de cargos na Administração de Paulinho Serra entregues ao partido derrotado nas eleições de 2016 e também enorme interrogação que colocaria o PT como um dos beneficiários de uma variável das medidas anunciadas pelo tucano.     

Fizemos uma avaliação dos últimos dias de tormento do governo tucano para extrair resumo inédito contido no que chamo de “sete pecados capitais”. Os leitores vão entender a abordagem que retira o peso único das costas do prefeito eleito em outubro de 2016 com a maior votação em números relativos e absolutos da história de Santo André. 

O mesmo prefeito que, pelo andar da carruagem e se não encontrar saída para a derrapada do IPTU, poderá encerrar o mandato com um dos piores índices de aprovação também da história, sem possibilidade prática de reeleger-se. Mesmo com o entorno que lhe dá governabilidade. Um entorno agora frágil e desconectado da população e que tem sentimento ambíguo em relação aos estragos: o desgaste do prefeito tucano é bem-vindo por todos, porque poderão ganhar mais forças internas no Paço Municipal, mas as complicações não podem ganhar patamares de radicalidade. 

Os sete pecados capitais da Administração Paulinho Serra no caso do IPTU deveriam ter avaliação permanente do tucano cuja ficha de intocabilidade não só caiu, mas deu espaço a um nível crítico suficientemente forte para abalar os alicerces de uma gestão tão insossa quanto a de antecessores. Com a desvantagem de que Paulino Serra colocou a máscara da arrogância imaginando-se blindado por um entorno mequetrefe e mambembe cuja existência e produtividade se devem exclusivamente pela ausência de cidadania no sentido mais abrangente do conceito. Vamos, portanto, aos sete pecados capitais: 

 Despreparo técnico 

O aumento do IPTU com múltiplos e aparvalhados tiros no pé (nem todos os demais embaraços que ainda não abordamos são de conhecimento da massa de contribuintes) é uma obra prima do improviso. Tecnicamente está falido desde a concepção, ao ignorar o aumento real de receitas da Prefeitura com esse imposto que, mais que fiscal, mede a temperatura dos negócios e da riqueza num Município. 

Os critérios adotados são um convite à beligerância. O argumento surrado e sofrível do prefeito de que introduziu redutores no final do ano, depois da bobagem da aprovação do projeto de lei no meio do ano, é pura sofisticação da enganação. Mesmo com redutores os valores de larga parcela dos proprietários de imóveis ultrapassam os limites do extravagante. 

Nas residências são mais de 50% de aumento. Qualquer número seria um acinte.  A inflação oficial do País não chegou a 3% na temporada passada. E, mais que isso, sempre é bom lembrar: chegou a 373,11% o aumento nominal do IPTU em Santo André entre janeiro de 2003 e dezembro de 2016, contra inflação de 134% medida igualmente por indexadores oficiais. 

O discurso esfarrapado de que a Planta Genérica de Valores, matriz do IPTU, estaria congelada desde 2002, também não tem solidez diante do aumento efetivo das receitas desde então. E até porque naquele ano houve correção de 62%. Até então Santo André estava mesmo defasada no ranking do imposto, então medido pelo Instituto de Estudos Econômicos, entidade virtual que criei e dirigi por vários anos. 

 Insensibilidade social 

Alguém precisa avisar a Administração Paulinho Serra (agora, após as repercussões do caso talvez seja desnecessário) que Santo André é um Município empobrecido ao longo dos anos. Perdeu 70% de participação relativa no PIB Nacional desde 1970. Apenas São Caetano tem números tão comprometedores, embora São Bernardo não fique muito atrás. 

O antigo ABC está longe da efervescência econômica e financeira que a gestão Paulinho Serra imagina contar como vaca leiteira de fortalecimento dos cofres públicos. Em todos os cantos de Santo André encontra-se o mesmo ambiente: moradores indignados com o aumento do IPTU. 

Uma reportagem da TV Globo, do jornal do meio dia de sexta-feira, mostrou um bairro de periferia, semelhante à infraestrutura nordestina, revoltado com os valores lançados. Explodiram casos de incoerências, abusos e descolamentos da realidade do dia a dia. Pior que isso só a emenda prometida pelo prefeito, de analisar caso por caso dos reclamantes. Uma saída que pode conduzir a ilações de todas as espécies, sobretudo de dúvidas quanto à lisura desses encontros. 

 Desprezo ao ambiente externo

Dirigir uma Santo André ou outro Município qualquer acreditando que o ar refrigerado de um gabinete é suficiente para medir a temperatura da comunidade é grande equívoco. Vá lá que Paulinho Serra bata perna como todos os prefeitos por bairros em geral. Mas existe uma ferramenta que precisa ser utilizada sempre, para evitar desarranjos: ouvir pessoas bem informadas sobre o ambiente longe dos raios de influência do prefeito. 

As redes sociais cada vez mais populares devem ser monitoradas como ferramenta de auxílio à perscrutação da sociedade, mas mesmo assim podem levar a avaliações ditadas por interesses específicos, sobretudo partidários. 

Paulinho Serra precisa contar com advogados do diabo espalhados nos quatro cantos de Santo André. Só levará vantagem com isso. Primeiro porque não se achará mais imperador. Segundo porque poderá agir preventivamente. O IPTU é uma pedra no caminho do prefeito de Santo André. A retirada do obstáculo sem danos colaterais excessivamente desgastantes já seria bastante lucrativa. O tempo cura tudo, menos uma facada contínua no bolso dos contribuintes, porque é isso que o IPTU representaria ao longo do mandato do tucano.   

 Gulodice fiscal

O estrangulamento econômico e financeiro da Prefeitura de Santo André não pode ser subestimado na operação camicase deflagrada pela gestão de Paulinho Serra. É muito provável que a pressa e o calendário eleitoral deste ano, comprometido com o suporte a candidaturas de vários secretários municipais, tenham levado o prefeito a trocar os pés da cautela pelas mãos do assalto à mão armada. 

Faltou ao tucano dimensionar o tamanho do ataque ao bolso dos contribuintes. Fosse mais comedido, provavelmente teria obtido sucesso, como muitos prefeitos ao redor. A falta de cidadania municipal permite que gestores públicos façam experimentos arrecadatórios sem contratempo. Estatísticas cuidadosamente levantadas por mim provam que o peso dos impostos municipais cresce a cada temporada, em contraposição ao refluxo da criação de riqueza. Paulinho Serra e desastrados assessores fiscais calibraram afoitamente a metralhadora fiscal. O tiro saiu pela culatra. 

 Camaradagem vulnerável

O prefeito Paulinho Serra se fiou demais em alguns parceiros com os quais teria tratado que poderia fazer o que bem entendesse porque tudo estaria controladíssimo. Houve encenações nos últimos dias de suposta indignação de algumas entidades, mas os fatos são outros. Há sim associados e filiados a essas entidades (Acisa e OAB) que engrossam a fila dos descontentes, mas as cúpulas propriamente ditas fazem de tudo para temperar os estragos. 

Há excesso de camaradagens entre o chefe do Executivo de Santo André e o entorno que lhe asseguraria governabilidade. Não foi diferente com outros prefeitos. Nem o petista Carlos Grana escapou da enrascada de gestão conservadora demais ao agregar conservadores demais. 

A formação do secretariado de Paulinho Serra obedeceu à lógica de premiar todas as correntes que atuaram decididamente na estrondosa vitória eleitoral. Um saco de gatos reconhecido até mesmo por gente muito próxima do prefeito. Gente cuja fidelidade ao chefe do executivo se esvai na medida em que contratempos aparecem como obra exclusiva da própria incompetência. Praticamente não há oposição organizada em Santo André. Os situacionistas dominam. Nada os ameaça. Exceto eles mesmos e a capacidade de gerar crise tão estúpida quanto a atual.  

 Marketing debochado

A crise do aumento do IPTU mostrou gestão desorganizada para reagir em tempo real e com substância. Nada se fez com conhecimento e segurança que transmitisse mensagem de equilíbrio à sociedade. Faltou gestão de crise, como tem faltado de maneira geral ao titular do Paço de Santo André. O marketing é chinfrim. 

Uma mensagem do prefeito em alerta contra a febre amarela invadiu as redes sociais no auge da crise do IPTU. A exposição pessoal do prefeito, numa apresentação claramente de última hora, sugeriu que a Administração procurava artimanha para fugir da questão central. Até porque a febre amarela não constava do painel de emergências da Administração. A emenda proposta por um marqueteiro foi um desastre. Quase um pedido de desculpas indireto do prefeito ao arrombamento do IPTU.  

 Legislativo fraturado

Sobram reclamações de vereadores que se sentem vítimas de orquestração gerada pelo Paço Municipal para comprometê-los junto à sociedade com o aumento do IPTU. Agora há uma enxurrada de críticas ao secretário indicado por Paulino Serra para as tratativas que culminaram na aprovação do projeto de lei em junho do ano passado. 

Foram duas sessões tão rápidas quanto imprecisas. Imprecisas na medida em que muitos legisladores dizem que deram apoio ao prefeito por conta da garantia, entre outras, de que beneficiaria a sociedade. Também não faltam informações de que um grupo menor e mais suscetível ao canto da sereia do Executivo sustentou a todos que emendas parlamentares, entre outras ações, seriam fartas neste ano, como resultado do aumento da arrecadação municipal. 

Acima de tudo isso havia a certeza geral e irrestrita de que eventuais reclamações seriam contidas e neutralizadas. Paulinho Serra teria como colaboradores a maioria da Imprensa e instituições previamente alinhavadas. Faltou combinar com os russos da inflação baixa e do empobrecimento do Município. 

Rompeu-se o círculo de ferro que tem escravizado Santo André a agrupamentos extrativistas. Daí a acreditar que a cidadania monetária vai se ampliar ao campo do que é mais emblemático da cidadania em geral – o capital social – vai muita diferença.



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