Administração Pública

Uma fórmula para tornar
IPTU exemplo de gestão

DANIEL LIMA - 24/01/2018

A favor do prefeito Paulinho Serra existe uma verdade que somente ignorantes e simplistas, para não dizer os mal-intencionados, negariam: chegar a um ponto articuladamente justo na cobrança do IPTU é quase uma façanha. Não se tem notícia a contemplar algum chefe de Executivo afortunado. Agora – e nesse ponto o prefeito se ferra de cabo a rabo -- ir ao outro extremo, de completa afoiteza decisória, é a simplificação dos arrogantes. Por isso, o chefe do Executivo de Santo André paga um preço alto pela barbeiragem fiscal. 

É disso, afinal, que se trata o IPTU de Santo André. Paulinho Serra fugiu do padrão de IPTU mal-ajambrado dos municípios brasileiros, congelado até que o Plano Real acabasse com a farra de receitas financeiras no ritmo do overnight.  Paulinho Serra partiu para o IPTU expropriador num período pós-recessão nacional e de permanente fragilidade regional.  Deu-se mal. É preciso ter muita impetuosidade ou estar em desespero para enveredar por esse caminho tão conflituoso. 

O povo analfabeto fiscal tem limites para ficar no mundinho de sobrevivência do dia a dia sem prestar atenção aos avanços do Estado arrecadador. Entretanto, quando o Poder Público extrapola, subestimando a sociedade, tudo desanda. 

Reconstrução necessária 

Foi o que Paulinho Serra despertou numa Santo André mais que moribunda como péssimo exemplo de capital social. Aqui as instâncias institucionais vegetam ao redor do Paço Municipal que, por sua vez, sobrevive de quinquilharias operacionais que ganham manchetes monumentais. Projetos que restaurariam a força econômica, nem pensar. Até porque, convenhamos, trata-se de parada indigesta encontrar o caminho das redes da reconstrução econômica da região em constante desfiladeiro. 

O erro estratégico de Paulinho Serra ao ganhar as eleições e ao iniciar o mandato foi insistir numa tecla de abrandamento da herança recebida. Falou mais alto o andreense de nascimento do que a racionalidade de um administrador. 

Detalhando a proposta 

Vamos fazer um teste para mostrar que mexer no vespeiro do IPTU tomando todos os cuidados possíveis é prova provada de que não se deve deixar à sorte qualquer decisão. 

O Bairro Jardim, em Santo André, conta com famílias predominantemente, mas não integralmente, de classe rica e de classe média alta. São 1.264 moradias com esse perfil. Acertar os ponteiros de cobrança do IPTU em cima desses contribuintes não é tão difícil assim, convenhamos. 

Mas, sabia o leitor, que não mais que 38,3% desses moradores do Bairro Jardim são ricos e de classe média alta? E os demais? Os demais do total de 3.299 moradias representam outros estratos socioeconômicos, cujos números absolutos e relativos decrescem na medida em que se avança para a periferia do próprio bairro. Ou seja: não existe o Bairro Jardim somente dos endinheirados. 

Dentro do Bairro Jardim há núcleos economicamente típicos da massa da população da periferia de Santo André. Desta forma, o IPTU também não pode ser apenas dos endinheirados. O Bairro Jardim é um microcosmo dos municípios da região e do Brasil -- cabem ricos, classes médias, remediados, pobres e miseráveis.

Consultoria especializada 

Retiro esses dados (e há centenas de tantos outros) de estudo que solicitei à Consultoria IPC Marketing, do pesquisador Marcos Pazzini. Tenho para uso jornalístico planilhas completas que dão conta, bairro por bairro, dos moradores da região e respectivas classes sociais. Os dados que mencionei sobre o Bairro Jardim são semelhantes em metodologia a mais de duas centenas de outras localidades da região. 

Perguntaria o leitor mais interessado: afinal, por que razão este jornalista foi em busca dessas informações? Resposta: porque regionalidade é espécie de bola de neve que cresce na medida em que mais nos interessamos em desvendá-la. 

Quando mais procuro aprofundar estudos e análises sobre o que se passa na região (preferencialmente comparando dados com outras áreas geográficas) mais informações emergem. Com a grande vantagem de que, se uma coisa leva à outra, umas coisas levam às outras e tudo vira uma gigantesca massa de informações a decodificar. 

Tive a ideia em setembro do ano passado em apresentar Marcos Pazzini à cúpula da Prefeitura de Santo André. Entenda-se por cúpula o prefeito Paulinho Serra, o secretário de Planejamento Leandro Petrin e o secretário da Fazenda José Carlos Grecco. Foi a primeira de duas vezes que estive no Paço Municipal durante o primeiro ano de mandato de Paulinho Serra. Pretendia aproximar o pesquisador da Consultoria IPC e seus estudos do Paço Municipal para que Santo André recompusesse a bomba relógio que se avizinhava, o IPTU barulhento destes tempos. 

Deixei Marcos Pazzini à disposição do Paço Municipal com engenharia de dados especialíssimos. Não tive nem a curiosidade de acompanhar os desdobramentos daquele encontro. 

Também apresentei o pesquisador a um dos representantes da cúpula da Prefeitura de São Caetano, nas mesmas condições anteriores: interesse exclusivo em contribuir com a gestão pública. O prefeito dos prefeitos Orlando Morando poderia lançar mão da expertise daquela consultoria e, quem sabe, em parceria com os demais titulares dos paços municipais, regionalizar a proposta de harmonizar a cobrança do IPTU em todos os bairros da região, obedecendo-se critérios de especificidades municipais. 

Potencial de Consumo

Há algo que não disse por que quis propositalmente deixar para agora: as planilhas da consultoria de Marcos Pazzini são um tesouro atualizado de um indicador privilegiado como ferramenta de análises e decisões econômicas e sociais. Trata-se, nesse caso, do potencial de consumo dos municípios da região, bairro por bairro. 

Potencial de consumo é uma preciosidade que supera o PIB na aferição do estado econômico de qualquer endereço. Potencial de consumo revela o que determinada massa de moradores têm acumulado para consumo num ano. PIB é a geração de riqueza que, em larga escala, não fica no mesmo município no qual é gerada. Santo André, por exemplo, pode e vai mal na geração de PIB, mas resiste no potencial de consumo. PIB é um veículo em velocidade facilmente detectável. Potencial de Consumo é um transatlântico de movimentos lerdos mas consistentes. 

O Índice de Potencial de Consumo da IPC Consultoria é um achado para quem quer iniciar uma revolução de adequação do IPTU residencial à realidade econômica do espaço a ser lançado o tributo. Seus efeitos também se espraiariam aos setores de comércio e de serviços. Ao reeditar outro dia uma análise de 2004 nesta revista digital, descobri que já propusera o uso do potencial de consumo agregado ao IPTU.  Mas a origem é mais antiga ainda. 

Bairro Jardim e outros 

Voltemos ao caso do Bairro Jardim, em Santo André, lembrando sempre que a modelagem cabe a qualquer bairro da região. O mapeamento da consultoria aponta o potencial de consumo médio, em reais, por classe social. O Bairro Jardim conta com 38,30% de moradias de classe alta e média. Exatamente o dobro da encontrada na Vila Pires e -- anotem bem a grande diferença -- mais de 10 vezes à do Condomínio Maracanã, de escassos 3,80% de ricos e classe média. 

É claro que o valor venal dos imóveis residenciais e a carga de IPTU do Bairro Jardim comparados ao Condomínio Maracanã devem se ancorar nas características desses locais, mas sem se descuidar da correlação monetária ditada pelas distinções geoeconômicas. 

O morador de classe rica ou de classe média do Bairro Jardim, caracterizado pelo potencial de consumo, provavelmente não pode ser tratado tributariamente como o morador de classe rica e classe média do Condomínio Maracanã. Da mesma forma, os demais estratos socioeconômicos também existentes. Inclusive de classe pobre e miserável. Há agregados de valor nas respectivas áreas que estabelecem natural distinção contributiva de classes sociais gêmeas. A localidade dá elasticidade à valoração do imóvel pelo conjunto da obra, ou seja, os ricos e classes médias do Bairro Jardim e os ricos e classes médias do Condomínio Maracanã são diferentes quando se trata de tributação imobiliária.  

Complicações evidentes 

Enquanto no periférico Jardim Maracanã o total de 24,40% dos moradores estão comprimidos na bitola econômica de pobres e miseráveis, no Bairro Jardim são 6,00%. Sim, há famílias de miseráveis e pobres no Bairro Jardim. Insisto na necessidade de distinção. Por isso pergunto: para efeitos de valores do IPTU e do valor venal dos imóveis esses estratos igualmente tipificados de bairros tão distintos devem mesmo ser tratados no contexto de uma ponderação de valores que leve com consideração essas classes sociais ou a geografia e seu entorno deveriam ser cuidadosamente avaliados para que se estabeleçam diferenças compatíveis com as respectivas periferias que ocupam nesses bairros e no Município como um todo? 

Viram como a problemática do IPTU, apenas ao mencionar esse aspecto do potencial de consumo, sugere que a linearidade de valores praticada pelos administradores públicos sem levar em consideração uma base de dados geoeconômicos gera uma série de atentados silenciosos contra os contribuintes da região? 

O que o prefeito Paulinho Serra fez em Santo André foi despertar uma jaguatirica em profundo sono. Ao meter-lhe nas fuças fios elétricos em alta voltagem, babau. Ficasse quietinho no canto da pasmaceira geral que rege o IPTU nos municípios brasileiros e nenhum estardalhaço haveria de surgir. 

Regionalidade indispensável 

Não vou me estender sobre a endoscopia estatística em que me lanço nas planilhas da IPC Consultoria. Posso garantir, entretanto, que novos textos deverei escrever sobre esse assunto específico. 

Ficaria feliz se o prefeito Orlando Morando chamasse o especialista mais qualificado em potencial de consumo no Brasil para uma exposição aos titulares dos paços municipais. Mais que isso: que os titulares dos Paços convocassem os principais assessores econômicos e tributários para a apresentação de Marcos Pazzini. Eles não sabem o que estão perdendo individualmente, regionalmente e também como exemplares de gestão pública na qual o Brasil poderia se espelhar quando o assunto for Imposto Predial e Territorial Urbano. 

Volto ao assunto provavelmente na edição de amanhã. 



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