Administração Pública

IPTU: despreparo econômico,
teimosia ou as duas coisas?

DANIEL LIMA - 30/01/2018

Não acredito que a Administração do prefeito de Santo André seja um exemplar bem-acabado de despreparo econômico. Desconfio que o tucano seja parcialmente despreparado nessa área. Diria que é um despreparado econômico funcional. Como tantos outros que passaram pelo Paço Municipal e recorreram à mesma metodologia, embora com parcimônia, para tentar salvar a lavoura. Não me entendam mal. Também tenho carga imensa de despreparo. Não em economia, claro, especialidade a qual me dedico diariamente, horas e horas. Quem não conhece macroeconomia está fadado a fracassar no que chamaria de “microeconomia” regional. 

Querem um exemplo de meu despreparo? Não entendo bulhufas de odontologia.  Mas, garanto, ninguém me verá com a indumentária do profissional da área, e os apetrechos indispensáveis à mão, pedindo a alguém que abra a boca. Nem mesmo para dar um remedinho qualquer. 

Sugeriria ao prefeito Paulinho Serra que fizesse da economia regional um tratado de dedicação total para entender as nuances principais. Siga meu exemplo, prefeito.  

Quando fui condenado pela primeira vez por dizer verdades inconvenientes envolvendo o milionário empresário Milton Bigucci, figura conhecidíssima do Ministério Público Estadual, lancei-me em busca de conhecimento jurídico. Hoje mantenho diálogo com meu advogado sem precisar interrompê-lo para traduzir, por exemplo, o que é esse tal de embargo infringente ou embargo de declaração. Meu advogado é meu professor. E tomo aulas de reforço em sites especializados. O Consultor Jurídico, por exemplo. Leio tudo sobre liberdade de imprensa. O juiz que me condenou recentemente deveria entender mais de jornalismo. Questão de reconhecimento de limitações. 

Estelionato fiscal 

O problema de Paulinho Serra é que resolveu bagunçar a vida econômica de uma Santo André há muito empobrecida. E insiste no estelionato de aumento cavalar do IPTU. Todas as tratativas que anuncia são patéticas, enquanto o circo pega fogo. Até porque, se alguma der algum resultado positivo para ele, jamais conterá o dilúvio que atingiu a imagem que parecia resistir a um ano de gestão discretíssima. Acertando agora, ou insistindo no erro, mesmo que minimizado, Paulinho Serra entrou na lista negra de eleitores quer o sufragaram em outubro de 2016. 

Sem parecer pedante, mas já sendo, sou um voluntário disposto a entronizar Paulinho Serra no mundo da economia desta Província. Algumas aulas serão suficientes para que no mínimo não despreze indicadores econômicos. Construí série de análises pautadas pela realidade. Tudo isso está acondicionado nas páginas desta revista digital. Se tiver preguiça de ler esse legado, insisto, me disponho a encontros presenciais, caro prefeito. 

PIB revelador 

Vou dar um exemplo do quanto Paulinho Serra subestima a realidade econômica e social de Santo André ao enfiar goela abaixo da população esse acintoso aumento do IPTU. Faz muito tempo que a cidade não faz mais jus ao próprio hino oficial, que louva o “viveiro industrial”.  Ao perder -- desde 1970 -- nada menos que 67,40% de participação no PIB (Produto Interno Bruto) Nacional, Santo André confessa o crime da desindustrialização. 

Antes, em 1970, Santo André participava com 1,35% da geração da riqueza nacional. Em 2015 (mais recente apuração do IBGE), caiu para 0,44%. No mesmo período, Barueri, na Grande São Paulo, era menor que Rio Grande da Serra. No último balanço do IBGE participa com 0,80% do PIB Nacional. Quase o dobro de Santo André. O mundo gira e a Lusitana roda. Talvez Paulinho Serra não se tenha dado conta disso. 

O ritmo fúnebre da economia de Santo André nesse período pode ser manipulado por um marqueteiro desastrado que procure agradar o chefe Paulinho Serra. Afinal, na temporada passada, Santo André gerou 88 empregos industriais líquidos, saldo da conta que envolve contratações e demissões. Não é difícil Paulinho Serra sair por aí e proclamar a ressurreição industrial. São soluços que precisam de muito vento favorável no âmbito nacional para gerar algum dado positivo. 

Competitividade às favas 

A prova provada de que Santo André é um caso praticamente perdido de potencialidade econômica quando se olha o horizonte próximo ou distante é que, após passar por profundo mergulho de desindustrialização, estão os embaraços da decisão do prefeito ao aumentar o IPTU. O encarecimento de atividades econômicas será consequência natural. O IPTU é o abre-alas do descontentamento geral, mas embute a armadilha do salto triplo do valor venal dos imóveis. O assalto à mão armada, como se observa, foi muito além da superfície por si só escandalosa do IPTU.  

Observasse Santo André com olhos menos gulosos e raciocínio mais cético (quem disse que ceticismo não é um instrumento interessante de gestão certamente carrega a irresponsabilidade embutida na alma) Paulinho Serra se assustaria com um dado contundente: entre 1970 e 2017, o emprego industrial formal na cidade então Capital Econômica da Região perdeu 27.509 trabalhadores de um estoque de 64.49.  Uma queda de 42,65%. Traduzindo: de cada 10 empregos industriais em 1970, Santo André perdeu mais de quatro. 

O antigo “viveiro industrial” é agora o Município da região com a menor proporção de trabalhadores industriais em confronto com o total de empregos formais: o contingente não chega a 15%.  Nos anos 1960 passava de 60%. 

O quanto representam apenas em termos salariais os mais de 27 mil trabalhadores industriais que desapareceram de Santo André? Levando-se em conta o salário médio do setor no final de 2016 (últimos números disponíveis no Ministério do Trabalho), o montante mensal chegaria a R$ 107.664.499,29 milhões. Essa dinheirama, repito, refere-se a apenas um mês. 

Mais de um bilhão 

Considerando-se, para efeito explicativo, que os empregos tivessem sido mantidos e multiplicados por uma temporada inteira, somente neste ano, numa projeção simples, Santo André sofreria um desfalque de R$ 1.291.979.991,48 bilhão de assalariamento industrial. 

O resultado seria mais extravagante ainda porque o salário médio desta temporada no setor de transformação industrial será maior que o salário médio de dezembro de 2016. 

Argumentarão os defensores da política fiscal do prefeito de Santo André que, nesse período de 384 meses, ou seja, de 32 anos, os setores de serviços e de comércio aumentaram o contingente de trabalhadores. Verdade. Entretanto, o que temos registrado ao longo do tempo é o depauperamento dos assalariados desses setores, na quase totalidade sem agregado tecnológico. Tanto que a média salarial de Serviços em Santo André, também em dezembro de 2016, era de R$ 2.580,95 (34% abaixo dos industriários) e a média dos comerciários não ultrapassava a R$ 2.125,22 (45% abaixo dos industriários). 

O eventual debate sobre empregos industriais em Santo André e nos demais setores não se restringiria aos valores monetários. Santo André só chegou ao estágio de Município que consolidou uma classe média cada vez mais sensível às dores da desindustrialização porque o setor produtivo não gera apenas empregos de assalariamentos mais robustos. 

A atividade industrial também esparrama uma rede de ganhos indiretos à sociedade na maciça geração de impostos que se reproduzem em melhorias de infraestrutura urbana e também de serviços públicos. 

A participação de Santo André no bolo de distribuição do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e serviços) desabou em proporção semelhante à quebra de empregos formais. Desgraça pouca é bobagem.  Nem poderia ser diferente, porque a geração de riqueza industrial é sistêmica. Comércio e serviços de baixo valor agregado dependem demais do setor de transformação. Já produzimos dezenas de matérias sobre a derrocada de Santo André e da região na distribuição do ICMS. A crise vem de longe. A inação é permanente.

Devagar, colher a colher, como é a característica desta publicação (quem aprecia jornalismo fast food perde tempo nestas páginas) chegamos aonde queríamos: Santo André perdeu o trem da modernidade, por isso está encalacrada economicamente. 

Há quem enxergue o entorno de Santo André como a salvação da lavoura. Falam em Porto de Santos, Aeroporto, Rodoanel e em mercado esfuziante da Capital vizinha, entre tantas coisas mais. Só esquecem de dois pontos cruciais, entre tantos, que fazem a diferença: a concorrência de municípios que acordaram em busca de investimentos e de vantagens comparativas mais sólidas e, sobretudo, o labirinto logístico. Santo André é um endereço problemático para quem quer empreender levando em conta que não se pode perder tempo entre o que é produzido e o que tem de ser consumido. 

Uma fábrica a cada mês 

Os 88 empregos industriais que Santo André acumulou de saldo no ano passado são quase nada diante dos dados históricos. Desapareceram em média por mês nos últimos 32 anos em Santo André nada menos que 96 empregos industriais com carteira assinada. A cada mês, portanto, cerram-se as portas de uma pequena indústria. 

Apenas São Bernardo, na região, supera o desastre de Santo André no mesmo período. Foram 50,89% de empregos industriais para o chapéu. Eram 147.781 industriários quando o Brasil ganhou o tricampeonato no México e desapareceram das fábricas 75.204 até o ano passado. A dependência de São Bernardo do setor automotivo é mais intensa do que Santo André, que viu essa atividade praticamente desaparecer. Não fosse o Polo Petroquímico, Doença Holandesa tanto de Santo André quanto de Mauá, o estrago seria maior na terra de Paulinho Serra. 

Desastre no ar 

São Bernardo que também não sabe o que fazer quando o assunto é Desenvolvimento Econômico, perdeu, portanto, no mesmo período, uma fábrica de 195 trabalhadores com carteira assinada a cada 30 dias. O prefeito Orlando Morando não cometeu a bobagem do aliado partidário de Santo André. Experiência faz diferença. 

Por essas e outras (e vamos continuar a escrever ainda nesta semana tendo em vista o cometimento de um crime fiscal coletivo que precisa ser revogado, sem truques e cortinas de fumaça) é impossível a quem tem responsabilidade social (jornalismo independente é exatamente isso, sem partidarismo de qualquer espécie) calar-se ou dissimuladamente tratar de outros assuntos apenas para não meter o dedo num vespeiro indigesto. 

Sinto um cheiro de desastre da gestão Paulinho Serra no ar. Estou ligadíssimo pela primeira vez em barricadas de resistência em redes sociais organizadas para infernizar a vida do prefeito de Santo André.  

Talvez escreva sobre o que tenho observado em termos de estratégias dos manifestantes digitais. O que prevejo é que, por ter certeza de que em meio ao voluntarismo e a certa coordenação confusa demais desses agrupamentos virtuais, existe em Santo André, atuando de forma discretíssima, um conglomerado de empresários ludibriados pela gestão de Paulinho Serra.  

Há um profissionalismo midiático em meio a aparente barafunda dos demais engajamentos digitais. Pela primeira vez estou ao lado do mercado imobiliário sem questionar quem o representa nesse embate. Os empresários estão furiosos, mas discretos. Paulinho Serra desferiu um pontapé no traseiro do empreendedorismo do setor. Ou alguém acredita que Santo André terá fertilidade de negócios imobiliários, já tão escassos, com a insanidade fiscal do tucano? 



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