Caso Celso Daniel

Que tipo de otário é você sobre
o arrebatamento do prefeito? (2)

DANIEL LIMA - 13/03/2018

O Auto de Qualificação e de Interrogatório produzido a partir das 10h30 do dia seis de junho de 2002 e assinado pelos delegados Armando de Oliveira Costa Filho e José Mais, no DHPP (Departamento de Homicídios e de Proteção a Pessoa) me foi entregue durante uma das entrevistas que realizei sobre o caso Celso Daniel. 

Foram os dois delegados de Polícia Civil que me repassaram uma cópia do material, entre tantas outras. Esse documento é especial entre tantos outros que afundam versões maliciosas que ligam o assassinado do prefeito às irregularidades administrativas na Prefeitura de Santo André. Trata-se do interrogatório do bandido Ivan Rodrigues da Silva, o Monstro, chefe da quadrilha que assassinou o prefeito de Santo André, após o sequestro na noite de 18 de janeiro de 2002. 

Ivan Rodrigues Monstro da Silva é peça-chave do assassinato. Ele comandou a quadrilha. O contexto daquele começo de junho de 2002 não pode ser desconsiderado em qualquer avaliação do caso Celso Daniel. A cronologia dos fatos é essencial à configuração de uma narrativa tempos depois subvertida ao sabor de interesses que ultrapassam o campo da criminalidade e invade a grande área da política. 

Momento importante 

A Polícia Civil já havia concluído a primeira de três investigações. Conferira aos sequestradores definidos como pés de chinelos a autoria do crime. Não havia naquele começo de junho qualquer menção à versão de que tudo ocorrera por conta de roubalheiras na gestão de Celso Daniel, conforme o viés massificado pela força-tarefa do Ministério Público Estadual criada pelo governador do Estado, Geraldo Alckmin. O ano eleitoral ditava os interesses de um caso de repercussão mundial. 

O depoimento de Ivan Rodrigues Monstro da Silva foi longo. Vamos utilizar o núcleo narrativo que trata do arrebatamento do titular do Paço de Santo André. Chegamos ao ponto nobre, aguardado pelos leitores. 

Chegou a hora de os otários induzidos, de os otários convertidos e de os otários fundamentalistas darem-se conta das razões que explicam essa classificação. Quem apostou todas as fichas na versão rocambolesca de que Sérgio Gomes da Silva fora responsável pela captura de Celso Daniel vai se dar mal – como se dá mal também em tantos outros pontos sobre o crime. 

Depoimento elucidador 

O primeiro-amigo do prefeito de Santo André fora igualmente vítima dos sequestradores. Ele conduzia o veículo importado que a quadrilha abordou a tiros no chamado Três Tombos. Leiam a parte do depoimento do sequestrador Ivan Rodrigues Monstro da Silva. Centralizamos o depoimento no trecho crucial da operação que iniciou o infortúnio do titular do Paço de Santo André: 

 (...) que o interrogando afirma que de dentro do Santana ainda pode ouvir os tiros que foram efetuados contra a Pajero, reafirmando que quando chegaram a Pajero já estava descendo de ré; que ao pararem o Santana, o interrogando desce do carro e vai para o lado do passageiro da Pajero, pois esta foi a única porta que abriu; que não chega a ver Itamar e Bozinho forçando as portas para que estas abrissem; que ainda pode observar que Celso Daniel estava com a mão na maçaneta do carro, abrindo a porta, e dizendo: “Calma”; que deseja esclarecer que a Pajero já estava completamente parada neste momento, quando vê e percebe que Celso Daniel abre a porta do veículo e sai do mesmo por sua livre e espontânea vontade, momento em que o interrogando já o pega pelo braço junto com Bozinho e se dirigem para a Blazer; que o interrogando apanhou Celso Daniel pelo braço direito, Bozinho pelo outro braço, e Itamar entrou primeiro na Blazer no banco traseiro, em seguida foi colocado Celso Daniel. Bozinho entra no banco traseiro e o interrogando senta-se no banco de frente; que o interrogando e as demais pessoas que ocupavam a Blazer subiram a rua onde o fato ocorreu, indo até o ponto onde esta via acaba. (...) que em nenhum momento Celso Daniel disse quem era, seja como pessoa ou como ocupante do cargo de prefeito de Santo André; que sabe dizer que no trajeto o celular de Celso Daniel provavelmente não tocou, mas quando já estavam na Favela do Pantanal, tal aparelho se encontrava na mão do interrogando quando aí sim vem a tocar, quando é desligado imediatamente, não tendo atendido aquela ligação. 

Acompanhem o Estadão 

Os jornais deram grande destaque ao depoimento de Ivan Rodrigues Mostro da Silva. Confiram trechos da reportagem do Estadão, publicada em sete de junho de 2002:

 Ivan Rodrigues da Silva, o Monstro, disse ontem num longo depoimento à polícia que o prefeito de Santo André, Celso Daniel, foi escolhido por causa da Pajero importada em que viajava. Na presença do advogado e deputado Luiz Eduardo Greenhalgh (PT), reafirmou que mandou soltar o prefeito e a decisão de execução foi do responsável pelo cativeiro, José Edson da Silva. “Quero ver falar na minha cara que mandei sumir com o homem”. O grupo de Monstro, na noite do sequestro, em 18 de janeiro, era formado por oito ladrões. Numa Blazer e num Santana, seguiam uma Dakota ocupada pelo presidente do Ceasa, a vítima que tinham escolhido. “Perdemos a Dakota na Anchieta e saímos para procurar uma zóia (carro importado na gíria de bandidos). Decidimos pela Pajero que estava em velocidade maneira (moderada)”.  Monstro, suspeito de ter praticado dez sequestros nos últimos 60 dias, segundo o delegado Edson Santi, responsável pela prisão, foi firme em suas declarações. Alegou que passou a sequestrar, mesmo sabendo que a polícia o procurava, porque precisava de dinheiro e costumava manter, em média, três vítimas no cativeiro ao mesmo tempo – escreveu o Estadão.   

Encontro com irmã 

Muito tempo depois do assassinado, num desses dias em que o assunto voltou a frequentar o noticiário por conta do julgamento dos sequestradores, encontrei-me casualmente numa agência bancária de Santo André com uma das irmãs de Celso Daniel, Elizabeth. Não fora a primeira vez que nos vimos. Todas por acaso. Trocamos poucas palavras. 

A família Daniel, me contam amigos em comum, não tem por mim muita simpatia. Principalmente os irmãos João Francisco e Bruno. Eles jamais apreciaram informações relevantes sobre os laços familiares que os envolviam com Celso Daniel. Pontos de vista político-partidários os tornaram pouco afetivos. 

Encontravam-se apenas em eventos familiares indescartáveis. Como o aniversário da mãe, por exemplo. Ou, no caso de João Francisco, como frequentador dos corredores do Paço Municipal em busca de algum favor do irmão mais novo. João Francisco sempre fora de direita da direita no espectro político. Bruno Daniel de esquerda da esquerda. Ele e a mulher Marilena Nakano romperam politicamente com Celso Daniel logo no primeiro mandato do petista, em 1989. Nakano fora colocada Secretária de Educação. Não demorou o desentendimento, até deixar o cargo. Daí em diante Celso Daniel e Bruno Daniel afastaram-se mutuamente. 

Sentença esclarecedora 

O encontro casual com Elizabeth Daniel naquela agência bancária teria se esgotado na reciprocidade de cumprimentos formais quando resolvi perguntar a ela se estava tudo bem. A resposta lacônica, como que dissesse “o que posso fazer...” me levou a esticar o diálogo. Como assim?, perguntei. Ela respondeu: “Veja o noticiário, o que fizeram com meu irmão, principalmente aquele um”. “Aquele um” só poderia ser Sérgio Gomes da Silva, claro. Não haveria de ser outro. 

As notícias anos a fio o colocaram como articulador do crime. Não resisti e lhe contei rapidamente o relato documentado do bandido Itamar Monstro aos delegados do DHPP. Enfatizei: “O próprio Celso Daniel abriu a porta, ergueu os braços e pediu calma aos sequestradores”. Elizabeth me olhou nos olhos e disse duas frases das quais jamais esquecerei: “Eu acredito. O Celso era assim mesmo”. 



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