Política

Ciro Gomes é o melhor no jogo
do Resta um da Bandeirantes

DANIEL LIMA - 10/08/2018

Para que fazer suspense do resultado final do primeiro debate dos presidenciáveis da República na TV Bandeirantes? Pelo conjunto da obra que envolve forma e conteúdo (principalmente forma, porque se trata de TV) e, principalmente, sem rígido juízo de valor das propostas, porque os valores de cada um já são mais que conhecidos à direita, ao centro e à esquerda, o pedetista Ciro Gomes terminou a disputa como a última peça do Resta um que decidi rebocar das brincadeiras infantis (não tão infantis assim, porque os marmanjos também apreciam o jogo) para tentar facilitar a pedagogia de análises. 

Sei que sempre corro riscos ao assumir posições. Mas neste caso, como em tantos outros em que tomo posição sem pestanejar, estou pouco me lixando para os guerrilheiros de redes sociais, militantes de partidos políticos e escravos ideológicos. 

Fundamentei os critérios que delimitaram virtudes e incorreções dos candidatos expostos às câmaras de televisão. O espetáculo final foi de uma pobreza franciscana. Faltaram charme e lances de genialidade. Quanta falta faz Lula da Silva num embate televisivo, quanta falta faz? O petista trancafiado em Curitiba exigiria dos demais contendedores um pouco mais de capacidade de articulação cênica. Quem acha que articulação cênica é bobagem não sabe a diferença entre silêncio e propaganda. 

Margem de diferença 

Ciro Gomes ganhou o jogo do Resta um, mas isso não significa que nas próximas rodadas do campeonato nacional em busca de votos de indecisos e descrentes ele terá potencialmente mais possibilidades de colecionar eleitores. A diferença que o separa de alguns concorrentes está longe de estabelecer favoritismo astronômico.  Como se tratou de um primeiro embate, os próximos deverão retirar as amarras de todos. Tanto é verdade que todos eles, mesmo Ciro Gomes, podem dar mais é que, pós-evento, revelaram-se bem mais articulados nas entrevistados de tempo igualmente cronometrados.

Certamente Henrique Meirelles jamais vai ser páreo a qualquer um dos concorrentes diante dos telespectadores, sempre lembrando que o peso relativo da forma é mais relevante que o conteúdo. 

O ex-ministro do governo Lula da Silva e de Michel Temer flertou com o desânimo. Talvez o MDB alcançasse melhor resultado se substituísse a materialidade física de Meirelles por um exemplar do Boneco de Olinda. Bastaria que Meirelles permanecesse às escondidas, repassando a um intermediário de postura enfática o conteúdo replicado em gestos pelo Boneco de Olinda. Pelo menos haveria mais originalidade na arte de se comunicar. Meirelles vende muito mal o peixe que defende porque não tem traquejo fora dos gabinetes.   

Treinamento intensivo

Li outro dia numa coluna social que trata de tudo, inclusive de política (como devem ser as colunas sociais de verdade) que Henrique Meirelles surpreendera marqueteiros que paga do próprio bolso. Ele teria evoluído extraordinariamente diante das câmaras e verbalizado com avanços todo o conhecimento técnico de banqueiro e agente público. Imagino o que Meirelles era até então. Nos nove quesitos que listei para definir o desempenho dos candidatos, Meirelles fracassou em quase todos. 

Se o candidato oficial do governo foi o primeiro a sair de cena no Resta um da Bandeirantes sem que existisse a mínima dúvida, o próximo da lista exigiu um pouco mais de cuidado. O Cabo Daciolo decidiu competir com ele mesmo ao rivalizar postura cênica e apetrechos verbais. Daciolo atuou o tempo todo com viés de pregador religioso. Mas também introdução porção de guerrilheiro ao atacar o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Tudo com força desmedida de voluntarismo. 

Por mais que o conteúdo num debate televisivo se subordine ao impacto do conjunto de imagens, esbravejar mesmo contra o óbvio de um País sem eira nem beira recomenda certo charme. Cabo Daciolo falou como um popular qualquer. Nada compatível com que os populares que o assistiram

O sem-teto Guilherme Boulos foi o próximo a desaparecer no Resta um do debate. Estridente desde o princípio, quando atacou a jugular de um impassível Jair Bolsonaro, o candidato do PSOL desperdiçou o aparente talento de formular trocadilhos e criatividade com ar de superioridade que o torna menos apreciável do que potencialmente poderia ser.  

Para os assemelhados 

Seria surpreendente se Boulos fosse diferente, acostumado ao cachimbo em boca torta de oratórias inflamadas nas invasões urbanas. Possivelmente ele fez a alegria dos assemelhados, também conhecidos por deserdados, e aos privilegiados que gozam das delícias do capitalista enquanto procuram desidratar sentimento de culpa cultuando socialismo fora de moda e demagógico. 

Álvaro Dias foi abatido em seguida no Resta um. Mais pela forma do que pelo conteúdo moderadamente devastador do estágio de corrupção e ineficiência do Estado. O representante do Podemos faz do juiz Sérgio Moro carro-chefe da profilaxia que pretende ver o País aprofundar, mas a imagem televisiva não lhe é igualmente favorável. Por mais que pretendesse encontrar em Álvaro Dias algo que o retirasse da lista de eliminados, porque também sou lavajatense, encontrava sempre algo de inexpressivo num rosto que não combinava com a verbalização de propostas.

Nesse ponto, pensei muito antes de decidir porque tanto Geraldo Alckmin quanto Marina Silva são concorrentes para valer de Álvaro Dias nos quesitos televisivos. Decidi, por isso, contrariar as regras do jogo do Resta um e derrubei tanto o tucano quanto a representante da Rede num mesmo movimento. Eles até poderiam cair juntamente com Álvaro Dias. Só não o foram porque expuseram mais argumentos. 

Diferentes parecidos

Alckmin não desgruda do figurino de pastor e do piloto automático de respostas pré-definidas com marqueteiros. O ex-governador de São Paulo é um convite à sonolência monocórdica. Marina segue o padrão, embora tenha porção mais detectável de inconformismo. 

Geraldo Alckmin é o pregador de dias melhores com base num passado de atuação que não é aquela Brastemp que alguns propagam e, principalmente, repetindo a fórmula de coalisões espúrias. Marina Silva é o inconformismo conformado, por assim dizer. Expressa sentenças duras com o olhar cândido. Parece flutuar entre o céu e o inferno numa contradição irritante. Geraldo Alckmin e Marina Silva parecem iguais nas diferenças. O tucano quer sustentar a política como está. Tanto que economiza adjetivos e tempo na avaliação da Lava Jato. Marina sonha com mudanças que não combinam com o excesso de não-me-toques em cada frase e, principalmente, com as raposas que teria de enfrentar. 

Bolsonaro desajeitado

Na etapa decisiva do Resta um eleitoral, sobraram Jair Bolsonaro e Ciro Gomes. Decidi derrubar Bolsonaro pelo desempenho diante das câmeras, embora o prefira, com as devidas e necessárias ressalvas, às ideias de Ciro Gomes, um esquerdista que quer se afastar do socialismo caduco dos petistas. 

O candidato do PDT ganhou o jogo do Resta um porque não perdeu a elegância, foi firme nas intervenções, costurou alianças programáticas e se sentiu à vontade diante das câmeras. Bolsonaro não tem expressividade gestual e por isso mesmo encontrou dificuldades de identificar o olho mágico que o levava aos lares. Peca também o candidato do PSL pela dicção. Fala com desleixo pouco comum aos militares. É simplório demais na exposição de ideias. 

Ter Jair Bolsonaro como presidente não seria uma extravagância visual e verbal que o colocaria em confronto com a impagável Dilma Rousseff, mas está longe do esperado. Bolsonaro ainda não transmite confiança a quem não definiu o voto de outubro. Há contradição entre o enérgico militar cultuado nas redes sociais e a leveza, por assim dizer, registrada pelas câmeras. Talvez seus marqueteiros tenham exagerado nos pedidos de contenção do ímpeto do candidato. Tiraram-lhe a autenticidade, que precisa ser dosada, não manietada. Ou se esqueceram que debate televisivo é muito mais que conteúdo? 

Por isso, quando se trata de confiança, Ciro Gomes conta com a vantagem de transmitir certo tom de chefe de equipe do qual os brasileiros não abririam mão. Não foi assim com Lula da Silva? Não foi assim com Dilma Rousseff? Fernando Henrique Cardoso é outra coisa. O Plano Real o catapultou com sua diplomacia tucana que Geraldo Alckmin aperfeiçoou. 



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