O resultado do primeiro debate para o governo do Estado de São Paulo, na noite de quinta-feira passada na TV Bandeirantes, comporta algumas interpretações, sempre levando em conta como princípio de análise a possibilidade de eleitores não-convictos e indecisos serem influenciados pelo desempenho dos principais candidatos. Listo alguns pontos:
O nível cênico, corporal e também de conteúdo de João Doria, Paulo Skaf, Luiz Marinho e Márcio França foi muito acima dos presidenciáveis que ocuparam púlpitos uma semana antes.
Mesmo os candidatos nanicos se portaram com mais qualificação em forma e conteúdo.
Um empate técnico no rendimento entre os principais concorrentes indicou que o jogo a ser jogado no campo da subjetividade será supostamente tão interessante quanto na arena de propostas. Não houve deslize de média repercussão negativa a envolvê-los.
Quanto ao nível cênico, talvez os assessores do petista Luiz Marinho devessem fazer leve reparo. O corpo levemente curvado e a voz excessivamente condescendente de Luiz Marinho não estiveram à altura dos demais candidatos que querem a cadeira do Palácio dos Bandeirantes, embora essa observação deva ser vista com certo preciosismo, porque pouco perceptível.
Talvez seja natural que Luiz Marinho exiba postura de relativa submissão, distante, entretanto, de uma liderança sindical no passado e mesmo de um ex-ministro de Estado e prefeito duas vezes de um dos principais municípios do Estado. Luiz Marinho sugeriu a impressão de que o ônus pós-Petrolão o incomoda, retirando-lhe a eloquência e a impetuosidade comum aos petistas.
Danos colaterais em xeque
Saindo do terreno da atratividade como elemento televisivo (e disso que fundamentalmente se trata este artigo e tantos outros que já produzi sobre eleições na telinha), Luiz Marinho deveria reduzir danos colaterais do escândalo apurado pela Operação Lava Jato. Por isso seria mais convincente ao espalhar a lama que fez do PT o grande vilão.
Não que o candidato petista deixasse de lembrar o caráter considerado seletivista das investigações, mas é preciso realçar muito mais essa argumentação caso pretenda confundir os leitores indecisos e também os pouco convictos. Não fosse a arte da inquietação, do plantio de dúvidas, da artimanha, a política não teria sentido.
Até porque, Luiz Marinho não estaria comprometendo a realidade dos fatos. Só estaria a dar homogeneidade e gravidade que não combinam integralmente com a realidade dos fatos. Embora ecumênicos, os escândalos tiveram os petistas como carro-chefe na maioria das denúncias. Os tucanos, alvo preferencial dos petistas em São Paulo, não são flores que se cheirem, como todos sabem. Marinho foi contido demais nesse sentido. Talvez esteja aquecendo os motores.
Os assessores dos candidatos ao governo do Estado devem queimar pestanas na busca de um elemento-chave que desequilibre o jogo de comportamento e de conteúdo que a TV Bandeirantes exibiu. É possível que já tenham encontrado alguma vereda e a reservem a um momento muito especial. Entretanto, convém não demorarem demais. A campanha eleitoral é curta e a repercussão, mesmo com as redes sociais ativas, nem sempre respondem à velocidade necessária para influenciar exércitos de votos disponíveis.
Para os líderes das pesquisas, João Doria e Paulo Skaf, empatados tecnicamente, o jogo jogado na TV Bandeirantes foi muito interessante. Eles são bons na arte de comunicação. Olham nos olhos dos telespectadores. Falam com clareza. Não perdem a pose em instante algum. Não dão sinais de desagrado diante de eventuais estocadas. Sugerem maturidade. Devem com isso elevar o nível de votos convictos, aqueles nos quais os eleitores instados por institutos de pesquisas declaram de bate-pronto em quem votarão a governador.
Esses são os chamados votos espontâneos. No começo de corridas eleitorais beneficiam candidatos mais conhecidos. É uma fita de largada importante e decisiva ao resultado final tanto se o passivo em forma de rejeição não for igualmente pesado como se a capacidade de capitalizar eleitores for crescente.
Em cima de muro
Qualquer movimento ascendente no nível de votos espontâneos dos líderes em São Paulo sempre será motivo de comemoração. O resultado indicaria doutrinação subsequente entre eleitores indecisos e céticos.
Indecisos são os eleitores que não sabem em quem votar porque estariam analisando o comportamento público e o programa de governo de cada um. Céticos são eleitores que não querem saber de nenhum dos candidatos e estão decididos a votar em branco ou em anular o voto.
Retirá-los de cima do muro da indiferença será consequência da elevação do voto espontâneo dos indecisos, como numa cadeia de produção.
Poderá parecer contradição afirmar que o jogo terminou empatado entre os quatro candidatos mais fortes ao governo do Estado e complementar que os líderes tendem a consolidar mais votos espontâneos. Nada que não possa ser explicado: na medida em que se aproxima o primeiro turno, a tendência é de redução de resistência dos indecisos e dos céticos.
Quando os spots de propaganda eleitoral (principalmente) começarem a fustigar a atenção dos eleitores durante 24 horas por dia como força de comunicação mais impactante que os programas obrigatórios, essa tendência poderá ser confirmada nas intenções de votos.
Prisão e ambiguidade
Traduzindo o debate dos candidatos a governador na TV Bandeirantes: o empate em uma disputa clássica, de bom conteúdo, de atratividade visual, foi um grande negócio aos líderes nas pesquisas.
Luiz Marinho e Márcio França fizeram de tudo para se apresentarem em alto nível. Possivelmente confundiram elegância, diplomacia, brandura até, com intensidade crítica em decibéis que não ferissem o bom senso dos eleitores.
Se Luiz Marinho está preso ao passado recente do PT de lambanças e prisões, Marcio França parece enjaulado num dilema do qual precisa se desvencilhar: é ao mesmo tempo um concorrente da situação, como João Doria, porque substituto do então governador Geraldo Alckmin, mas tem o oposicionismo como porta que se abriria à alforria junto aos eleitores que já não têm o ex-governador como alguém acima de qualquer suspeita.
Esse híbrido de situação-oposição tem o poder de congelar o candidato num discurso ambíguo de defesa do legado que encontrou como aliado do ex-governador e de liberdade para supostamente melhorar a gestão do Estado. Por essas e por outras, não caio em contradição ao enfatizar que me preocupo mais com a forma de apresentação nos debates televisivos do que com o conteúdo programático.
Afinal, quando o jogo se apresenta tão parelho no campo da avaliação televisiva, ganham força vetores menos sensíveis à avaliação dos telespectadores nas primeiras rodadas de debates. Luiz Marinho e Márcio França estão numa encruzilhada dupla: precisam dar um passo gigantesco à capitalização dos telespectadores e, em paralelo, infligirem golpes fortes nos dois líderes. Uma coisa não está necessariamente ligada à outra, mas também não está necessariamente dissociada da outra.
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19/11/2024 PESQUISAS ELEITORAIS ALÉM DOS NÚMEROS (24)