Política

Ciro Gomes de novo melhor,
agora com sarrafo mais alto

DANIEL LIMA - 20/08/2018

Com o sarrafo de qualidade mais elevado do que no primeiro debate presidencial na TV Bandeirantes, Ciro Gomes voltou a ser o melhor no novo encontro dos candidatos, na Rede TV. A diferença que o separou dos demais, exceto Henrique Meirelles, que também melhorou entre outras razões porque piorar seria impossível, continua a ser discreta, embora não necessariamente desprezível. Ciro Gomes tem potencial cênico fortíssimo porque parece ter elasticidade na capacidade de se comunicar. Não é um Geraldo Alckmin, para traduzir em termos comparativos o que os separa como definição mais didática. 

O que torna Ciro Gomes ainda mais qualificado no conjunto da obra que tem por base o desempenho televisivo é justamente um critério de desempate que pode se tornar, ao longo das rodadas rumo à disputa de outubro, fator prioritário: a força de convencimento de que há viabilidade entre o que diz fazer e o que supostamente faria, sem que se estabeleça juízo de valor sobre o plano de governo que defende. Esse vetor, ou seja, a força de convencimento, tem peso forte na forma com que um candidato se expressa em associação com a potencial prático de conversão de proposta em decisão de governo. 

Pavio curto controlado 

O que mais os adversários querem de Ciro Gomes é a deflagração incendiária do pavio curto que o estigmatizaria. Tirá-lo do sério para desqualificá-lo em sequência é o sonho de consumo do sempre afável Geraldo Alckmin e até mesmo do aparentemente menos antagonista Jair Bolsonaro. 

Ciro Gomes tem sustentado nível de desempenho assustadoramente contagiante, tratando a todos com diplomacia. Que tipo de preparação seus assessores estão adotando? Mesmo quando exerce seu poder de oratória mais incisivo, Ciro Gomes o faz com a classe de entonação de voz que os defensores do politicamente correto tanto proclamam. E o faz sem parecer declamar poesia para ludibriar o distinto público.

Possivelmente por determinação estratégica de assessores, Ciro Gomes procurou no debate da Rede TV confrontos diretos com o tucano Geraldo Alckmin. Por trás de perguntas, réplicas e tréplicas vislumbrou-se uma disputa corpo-a-corpo provocada com sutileza pelo ex-governador do Ceará. A distância que os separa é flagrante, mas é preciso que se encontrem frente a frente para tudo ficar mais claro, como no modelo adotado pela Rede TV.  

Espontaneidade pesa 

Ciro Gomes é mais espontâneo, passa mais determinação. Geraldo Alckmin sempre aciona o botão de piloto automático. Ambos desfilaram virtudes técnicas, de conhecimento. Raramente tropeçaram. Mas Ciro Gomes lembra o menino de escola que encanta a professora porque parece estar sempre pronto a acrescentar mais informações decodificadas dos livros. Geraldo Alckmin é a extensão das obras que consome.

Resta saber até quando Ciro Gomes vai seguir a tática de moderação com profundidade. Cada pesquisa eleitoral será um desafio à tolerância do presidenciável. A ideia de que poderá provar-se indignado com a situação do País sem elevar o tom de voz, sem distribuir alguns catiripapos verbais, sem botar o dedo na ferida dos responsáveis pelo estágio de problemas nacionais é um ponto-chave nas perspectivas que se oferecem a novos confrontos. 

Com muito menos tempo de televisão que os principais concorrentes, sobretudo Geraldo Alckmin, Ciro Gomes possivelmente acelerará o ritmo de combate. Resta saber se utilizará artilharia pesada contra tucanos e petistas com quem supostamente concorreria a uma vaga no segundo turno. 

Bolsonaro resiste a estocada 

O líder das pesquisas (sem Lula da Silva) Jair Bolsonaro também se mostrou mais à vontade no debate da Rede TV. Foi mais enfático sem invadir o terreno do raivoso que os marqueteiros não recomendam quando se está na dianteira. Mas está longe da desenvoltura de Ciro Gomes. 

Diferentemente do pedetista, Jair Bolsonaro parece ter margem de expansão da rede de eleitores menos elástica, caso dependa da influência dos debates televisivos. O passivo no campo comportamental que a esquerda tanto o espicaça é impeditivo junto ao eleitorado mais influenciado pelo que se poderia chamar de extracampo político-administrativo. Sobre Ciro Gomes não existe esse bombardeio de contraindicações eleitorais.

Também Marina Silva deixou de lado a malemolência verbal que a torna objeto de espetadas adversárias e se apresentou com lucidez e firmeza. Procurou embates com Jair Bolsonaro, mas também deu estilingadas em Geraldo Alckmin. Está claro que Marina Silva quer preservar o segundo lugar nas pesquisas atirando contra o primeiro colocado e contra quem vai entrar no horário de televisão com artilharia pesadíssima após entregar-se ao Centrão. 

Há quem tenha visto em Marina Silva um grito de independência do modelo enfadonho de ser quando partiu para o ataque a Jair Bolsonaro aparentemente assustado com o vigor do questionamento no modelo frente a frente adotado pela emissora de televisão. Responder com rispidez poderia fazer a alegria dos adversários, mas Bolsonaro não caiu na armadilha. Contra-atacou em tom menos enfático, é verdade. Talvez tenha surpreendido à maioria que esperava de um ex-capitão do Exército algo mais estridente. 

Possivelmente se a ofensiva fosse de um concorrente masculino, Bolsonaro teria agido de forma diferente. Marina Silva é um adversário que carrega na testa a garantia de que estaria sempre certa, por mais que eventualmente, e não foi o caso, tenha forçado a barra de argumentos. 

Lava Jato monótona 

O ex-governador do Paraná Álvaro Dias segue a fazer da Operação Lava Jato símbolo maior do programa de pretende implantar como presidente da República. Entretanto, a fluência verbal em ritmo menos intenso que a maioria dos concorrentes, rivalizando-se apenas com Geraldo Alckmin, que lhe é levemente superior, faz de Álvaro Dias um concorrente incapaz, pelo menos por enquanto, de surpreender com algum momento de desempenho que fuja do receituário de bom comportamento. 

Em suma, a devoção pela Lava Jato não tem correspondente retórica fluída, diferenciada. Falta ao candidato dramatizar no bom sentido do verbete o significado histórico da operação dos federais. Ele a destaca quase que burocraticamente. Sem alma. Sem indignação. 

Um corpo estranho 

Henrique Meirelles, Cabo Daciolo e Guilherme Boulos são complementos dos confrontos televisivos, por mais que o terceiro tenha habilidade e retórica para falar em nomes dos excluídos. 

Cabo Daciolo lança mão da religião como ponto de partida e ponto de chegada a cada intervenção radicalizada e desclassificatória do Congresso Nacional e da Presidência da República. 

Henrique Meirelles tem a missão impossível de ultrapassar a barreira da rejeição maciça ao governo Michel Temer. É um técnico competente entre raposas políticas. Fossem os debates uma sala de recrutamento para preencher um cargo importante numa multinacional financeira, Meirelles derrubaria todos os concorrentes. Como não é caso, distante disso, oferece-se ao sacrifício de mostrar o quanto é dura a vida de quem pretende ingressar no mundo cheio de artimanhas da política. 



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