Pregador de preceitos que poderiam ser traduzidos como espécie de liberalismo social, creio que tenho legitimidade para combater os radicais que confundem jornalismo com militância, porque muitos jornalistas assim se comportam. “Regionalismo sem partidarismo”, o mote desta revista digital, extratifica meus ideais. E me conduzem permanentemente a embates com bandidos sociais à direita e à esquerda. Escrito isso, sobretudo a leitores com pouca ou nenhuma afinidade com esta publicação, vamos ao que mais interessa.
O negócio é o seguinte: quem mais ganhou nos primeiros tempos de propaganda eleitoral à presidência da República é o capitão reformado Jair Bolsonaro. O atentado a faca de que foi vítima dia seis de setembro o manteve na liderança com mais folga. Não fosse isso, o jogo estaria mais embolado, porque o primeiro lugar estaria em risco.
Essa avaliação leve em conta o que mais interessa aos candidatos nesta altura do campeonato: chegar ao segundo turno, que é outro jogo. Assim como os mata-matas no futebol. Fazer interpretações sobre o segundo turno em cima de preferências e rejeições durante uma competição em que duas vagas estão em jogo é muito arriscado, quando não estupidez. Ainda mais quando se leva em conta que a maior incidência de rejeição a Bolsonaro, líder nesse passivo entre os concorrentes, vem do organizadíssimo e temeroso PT. Adversário preferencial de Bolsonaro.
Para reflexão
O equívoco dos poucos analistas de pesquisas eleitorais na imprensa nacional é que não ultrapassam a linha de fundo do enfoque temporal que mede exclusivamente dois instantes das pesquisas, o imediatamente anterior e o novo, atual, saído do forno. Os resultados são comparados linearmente, de ponta a ponta. Mas a faca que atingiu Bolsonaro instalou uma estação de embarque e desembarque emocional que precisa ser priorizada. É disso que trato.
Esqueceram desse detalhe os sabichões da mídia. Ou seja: um terceiro vértice temporal, importantíssimo, intercedeu entre a largada e a chegada. E faz muita diferença às perspectivas traçadas. A facada rendeu dores ao candidato do PSL, mas sustentou uma candidatura que, salvo grande patetice na campanha, já está no segundo turno.
Os números frios do Datafolha sinalizam que Bolsonaro cresceu numericamente de 22% para 24% entre 20 e 21 de agosto, ainda sem a influência da propaganda gratuita no rádio e na TV, e ontem, 10 de setembro. Sem considerar a margem de erro de dois pontos percentuais, são dois pontos percentuais (ou 9% de crescimento) de crescimento. O erro de interpretações está justamente na mensuração do atentado em Juiz de Fora.
Calcanhar de Aquiles
O raciocínio é simples: não fosse aquele maluco ideológico, fatalmente Jair Bolsonaro teria acusado perda líquida de intenção de votos no período definido pelo Datafolha, que colhe os efeitos do rádio e da televisão com espaços desigualmente distribuídos aos concorrentes. O candidato sofreu fortíssimos ataques sobretudo do ex-governador Geraldo Alckmin. Foram peças duríssimas. Sobremodo no tratamento de Bolsonaro às mulheres, representada por uma deputada federal com quem teve sérios atritos num episódio que exteriorizaria machismo exacerbado. O efeito da propaganda do candidato tucano foi tamanho que a rejeição das mulheres a Bolsonaro aumentou no período – de 43% para 49%.
Jamais se saberá pelos dados do Datafolha quanto de impacto numérico o atentado a Bolsonaro significou nesta campanha eleitoral. Mas não há dúvida de que foi muito maior que os dois pontos percentuais positivos. Sem o incidente, repito, Bolsonaro teria sofrido baixa numérica. Uma pesquisa feita um ou dois dias antes do atentado, como novo patamar numérico geral dos candidatos à presidência da República em relação aos primeiros dias de rádio e televisão, responderia com clareza à indagação.
Meta é segundo turno
Sempre considerando que o mais importante é chegar ao mata-mata (as considerações sobre segundo turno ficam para outro artigo, porque há ingredientes a esmiuçar muito além dos números, já que a entrada de Fernando Haddad na disputa para valer muda o cenário atual), Jair Bolsonaro terminou a corrida dessa etapa do Datafolha acumulando outra vantagem: aumentou em seis pontos percentuais (ou de 27,27% para 45,83%) a vantagem sobre o segundo colocado. Vou explicar:
Na pesquisa de agosto o Datafolha apontou que Jair Bolsonaro liderava com 22% dos votos contra a segunda colocada Marina Silva, com 16%. Estão aí os seis pontos percentuais ou os 27,27% de vantagem. Agora, em 10 de setembro, o segundo colocado é Ciro Gomes, com 13% (tinha 10%). Estão aí os nove pontos percentuais, ou 45,83% de vantagem de Jair Bolsonaro.
A troca de Marina Silva por Ciro Gomes na vice-liderança está longe de ser solidificada caso se leve em conta o efeito-Lula na candidatura de Fernando Haddad. Um efeito que será intensificado nos próximos dias. Não vou me estender, ainda, sobre esse vetor. Há outro tão ou mais relevante: como há empate técnico (levando-se em conta a margem de erro de dois pontos percentuais) entre quatro concorrentes ao segundo turno (Ciro, Marina, Alckmin e Haddad, respectivamente com 13%, 11%, 10% e 9%) e uma razoável interpretação geral de que Jair Bolsonaro já tem lugar garantido, a lógica da estratégia eleitoral conduz à descentralização mútua de ataques.
Isso quer dizer que quem jogou relativamente livre até agora passará a enfrentar menos conforto. Não se enganem com o tom conciliador dos últimos dias, sobremodo no debate da TV Gazeta. Os candidatos o fizeram menos em solidariedade ao enfermo Jair Bolsonaro, e muito mais para destilar um viés humanístico milagrosamente oriundo de Juiz de Fora. Questão de autopreservação. Obtiveram, com isso, a aprovação da mídia. Os marqueteiros que os cercam entendem do riscado.
Botão de emergência
Mas nem todos entendem e decifram os desígnios do eleitorado. Ou melhor: nem todos praticam ousadias em situações que assim o recomendam. Caso dos assessores de Ciro Gomes, que acionaram o botão de emergência e levaram o candidato a esquecer a convalescença forçada de Jair Bolsonaro. Tanto que, ontem, em Mauá, aqui na Província do Grande ABC, Ciro Gomes ganhou visibilidade além do esperado ao iniciar uma bateria de críticas ao capitão reformado. Tem-se como esgotado o prazo de respeito ao enfermo.
Política é jogo das circunstâncias. Quem acerta mais ou erra menos constrói a própria história de sucesso ou de fracasso. Ciro Gomes parece ter arriscado boa parte do arsenal para romper a barreira do enrosco com os demais concorrentes ao segundo lugar. Talvez já lhe tenha caído a ficha de que Fernando Haddad está chegando com a mala cheia de potencialidade eleitoral de um partido que conta com 24% da preferência nacional, disparadamente o maior naco de reservas contra todo tipo de tempestade. Inclusive da roubalheira do Petrolão.
Os resultados da nova rodada de pesquisas do Datafolha para a presidência da República na corrida para chegar ao mata-mata deveriam deixar a cúpula do PSL satisfeita. Sem Jair Bolsonaro no hospital a linearidade teria prevalecido como avaliação consolidada, intocável. Com Juiz de Fora em forma de parada para reflexão, a reta de resultado deletérios foi abruptamente alterada pela curva forçada do imponderável.
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19/11/2024 PESQUISAS ELEITORAIS ALÉM DOS NÚMEROS (24)