Vou ser rápido no gatilho na análise que explica o título deste artigo. Só me pergunto a título de descargo de consciência se a expressão “rápido no gatilho” não seria politicamente incorreta em todos os sentidos, principalmente na tentativa de me jogarem nos braços do presidenciável Jair Bolsonaro, embora não negue que o quadro geral possa levar mesmo a isso, já que João Amoêdo é carta fora do baralho.
A Folha de S. Paulo resiste a admitir o que os demais institutos de pesquisas confirmam o que antecipei ao tomar conhecimento do atentado contra o capitão reformado que quer chegar ao Palácio do Planalto: os efeitos daquele incidente foram contundentes à definição de votos até agora no primeiro turno.
Abro um parêntese antes de voltar ao que interessa: quando soube do atentado estava no volante e esperei chegar ao escritório para tomar conhecimento de mais detalhes. Missão cumprida, não tive dúvidas em dizer que a eleição acabara ali. Ou seja, já estava decidida. Simples, muito simples: se Bolsonaro já era um fenômeno eleitoral mesmo descartada de mídias de massa, como rádio e televisão da propaganda eleitoral, imaginem então ao saltar para as manchetes como vítima. Somente uma grande bobagem o retiraria do segundo turno e da vitória final.
Mais que 2%, claro
Agora, voltamos ao Datafolha. A manchete e o texto de página interna da Folha de S. Paulo de sábado, um dia após todos os noticiários da grande mídia fazerem coro à antecipação dos dados, revelam uma mensagem subliminar, quando não explicita, de que o atentado não teria mudado praticamente nada. Seria essa uma maneira de o Datafolha imaginar que poderia arrefecer o que os radicais de esquerda chamariam de vitimização de Bolsonaro em oposição aos extremistas de direita que garantem tratar-se de um plano maquiavélico para retirá-lo da competição? Querem ver?
O título da Folha de S. Paulo é o seguinte: “Apenas 2% afirmam que atentado contra Bolsonaro mudou voto”.
Leram, releram, analisaram? Tomei essa iniciativa várias vezes até que cheguei ao resultado final que certamente a maioria não chegou porque a maioria foi induzida a raciocinar com simplicidade entre outras razões porque não é pentelha e muito menos jornalista.
Leitura apressada
Qual é a leitura dos comuns dos mortais ao passar os olhos no título exposto? Resposta: que praticamente nada mudou nas tendências e nos resultados eleitorais mais de uma semana após um atentado. Mas, como é possível tamanha sandice? Afinal, todos os institutos, inclusive o Datafolha, publicaram nos dias seguintes à tentativa de assassinato que houve mudanças nos números eleitorais. Os 2% do Datafolha não são praticamente nada, convenhamos. Está na margem de erro, para ser mais preciso.
O que o Datafolha escondeu intencionalmente ou porque é descuidado, é que o fato de que apenas 2% dos eleitores terem mudado o voto não responde à demanda sobre os efeitos eleitorais da tentativa de assassinato. Esperar que mais de 2% mudassem a direção de voto já decidido seria demais nestes tempos em que aqueles que já se definiram por um dos candidatos estão polarizados, quase impermeáveis a pressões.
O que o Datafolha deveria ter respondido com clareza seria o volume percentual e de pontos percentuais que o candidato Jair Bolsonaro amealhou após ser atingido, levando-se em conta principalmente os indecisos, os céticos e mesmo os votos menos convictos.
Mudanças evidentes
Esse encaminhamento é tão óbvio que foi respondido em linhas gerais, não especificamente, pelos demais institutos de pesquisa, inclusive o Datafolha. Todos apontaram, em investigações anteriores, avanço numérico e comparativo na liderança do candidato do PSL. E não foram poucos os avanços.
No dia seguinte à notícia maltrapilha da Folha de S. Paulo, o Estadão publicou mais dados sobre a pesquisa do Ibope Inteligência realizada nos dias 8, 9 e 10 de setembro, logo após, portanto, ao atentado de 6 de setembro. E o que diz o Estadão sob o título “Bolsonaro tira do PSDB domínio do voto anti-PT”. Alguns trechos da matéria:
Os números confirmam o que as ruas já indicavam: depois de polarizar por um quarto de século a política nacional com o PT, o PSDB perdeu para Jair Bolsonaro (PSL) o protagonismo no eleitorado antipetista. Nesse contingente, que abrange cerca de 44 milhões de brasileiros, ou 30% do total de eleitores, Bolsonaro tem apoio da maioria absoluta, e sua taxa de intenção de votos equivale a seis vezes a do tucano Geraldo Alckmin. Segundo o Ibope, entre os antipetistas, o deputado e militar da reserva tem 53% das preferências – é o dobro de sua média nacional. Já Alckmin, com apenas 9%, fica em um distante segundo lugar. (...) Os dados são de levantamento do Ibope (...), depois de Bolsonaro ter sido esfaqueado (...) fato que provocou comoção e aumento expressivo da exposição do candidato do PSL nos meios de comunicação. (...) Após o atentado, Bolsonaro ganhou forte impulso entre os antipetistas. Nesse segmento ele subiu 12 pontos percentuais em relação à pesquisa feita antes da agressão, o triplo do que cresceu no eleitorado total – escreveu o Estadão.
Marcação cerrada
O Datafolha merece marcação cerrada de quem leva a sério jornalismo porque, como tanto outro instrumento importante no jogo eleitoral, faz parte das emoções e intenções sérias ou manipuladas. Já se foi o tempo em que pesquisas eleitorais eram intocáveis. Agora, não só pela tecnologia de democratização que sustenta as redes sociais, tudo passa por transformações.
Há novos atores no mercado nacional. Surgem consultorias financeiras e instituições bancárias a contratar empresas especializadas. E todas, até agora, convergiram no sentido específico desde o atentado: Bolsonaro acentuou progressivamente o estoque de votos de indecisos, dos pouco sólidos e mesmo dos céticos. Tanto que avançou numericamente e proporcionalmente na contagem geral.
Também é intrigante a metodologia adotada pelo Datafolha (e igualmente pelo Ibope) na quantificação do eleitorado que mantém restrições a Jair Bolsonaro. O nível de rejeição a Bolsonaro está em desequilíbrio acentuado quando comparado aos demais concorrentes.
Já o Instituto Paraná e o BTG Pactual apresentaram dados menos contrastantes. Questão de metodologia, claro, mas isso não resolve o problema. Aliás, só o torna mais desafiador. Afinal, como é possível Bolsonaro ganhar cada vez mais a dianteira em números percentuais se a contabilidade restritiva do Datafolha e do Ibope o colocam mais que duplamente renegado pelo eleitorado em relação aos principais competidores?
A caminho do Planalto
Sei que os detratores de sempre deverão fazer ilações pecaminosos a essas observações. Pouco estou me lixando. Sempre os enfrentei em questões que exigem principalmente honestidade intelectual e desapego ideológico. Gostem ou não os opositores de Jair Bolsonaro (e a maioria o é por razões bastante sólidas, embora não o façam no mesmo sentido a outros candidatos que também acumulam pecados), o fato é que o capitão reformado deverá ser consagrado novo presidente do País (é isso que o andar da carruagem eleitoral sugere, quando não estimula) porque é um fenômeno social com repercussão eleitoral. E só o é porque opositores, todos do mesmo perfil que já cansou a maioria da sociedade, têm muito menos a oferecer.
A sacralização de institutos de pesquisa, sobretudo às mais vinculadas à grande mídia, caso do Datafolha e do Ibope, entrou em parafuso com a difusão de novas fontes de informações, especialmente do mercado financeiro. Até prova em contrário não creio que esses novos players estariam decididos a criar falsificações estatísticas que o levariam a dar um tiro no próprio pé de desempenho futuro da economia nacional.
Mesmo que assim o seja, entretanto, tratam-se de novos ingredientes que de alguma forma afetarão o modus operandi dos mais tradicionais institutos do mercado de votos. Nada é melhor para a sociedade consumidora de informações que desfrutar do direito de contar com várias alternativas à consulta em qualquer campo da atividade humana. Quanto mais choques numéricos melhor, porque será possível extrair certezas e dúvidas de acordo com o juízo de valor que temos o direito de expressar. A obscuridade fomentada por poucas fontes de informações deve ser combatida sempre.
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19/11/2024 PESQUISAS ELEITORAIS ALÉM DOS NÚMEROS (24)