Os institutos de pesquisa preferem dar mais ênfase às simulações de votação de segundo turno, todas sem fundamentação científica (como expliquei neste espaço na semana passada) a valorizar o voto espontâneo, também compreendido como voto cristalizado, além de conhecido como voto consolidado. Estamos falando de espécie de primo eleitoral de primeiro grau do voto estimulado e também do voto de indecisos vulneráveis e de indecisos supostamente envergonhados.
O trecho acima foi escrito propositadamente como espécie de pegadinha para quem tem pouco fôlego de leitura. Quero que o leitor nestas condições volte os olhos e a mente para uma releitura e entenda o que vem adiante.
Jair Bolsonaro e Fernando Haddad têm grande parcela do voto consolidado porque, principalmente a partir do atentado contra o capitão reformado, o rumo da disputa foi definido em relação ao provável, mas não garantido segundo turno.
Ouço e leio tudo dos chamados especialistas em decifrar pesquisas eleitorais, inclusive de quem as preparam e as produzem. Não me fio nos jornalistas metidos a interpretações porque a maioria, principalmente nestas eleições, combina dois graves problemas: entendem quase nada do riscado e estão na mesma trilha de combate ao candidato do PSL. Eles fazem de tudo para emitir argumentos, mesmo que esfarrapados, a fim de tornarem a tortuosidade de raciocínio alguma coisa que não seja estupidamente imbecil.
Forçando a barra
Prova disso foi a programação de ontem à noite da Globonews, que pretendeu analisar os resultados. A responsável técnica pelas pesquisas, Márcia Cavallari, do Instituto Ibope, precisou de muita paciência para alertar jornalistas tendenciosos. As projeções de votos e também de rejeições para o segundo turno não valem nada. Tive o cuidado de gravar dois trechos do programa em áudio e enviar às minhas listas de aplicativo com o qual mantenho relação mais estreita com os leitores desta revista digital.
Não adiantou a profissional de pesquisas dizer tudo o que disse porque os jornais de hoje, todos, publicam com destaque o que chamo de lixo no título deste artigo. E é lixo mesmo, porque se a própria dirigente do Ibope afirma que as projeções formuladas são historicamente flácidas, como tratar de outra forma aquela maçaroca?
Voto consolidado que se mantem forte ou cresce regularmente na reta de chegada de uma campanha, principalmente em níveis elevados, é um caminhão em direção ao segundo turno ou mesmo à vitória no primeiro turno. Quanto mais o voto consolidado se cristaliza (não há redundância nisso), mais os especialistas de verdade sabem que os adversários estão em direção ao cadafalso.
Favoritos intocáveis
O problema todo é que, nestas eleições, todos os especialistas evitam dizer com clareza que tanto Jair Bolsonaro como Fernando Haddad (após o aval de Lula da Silva de Curitiba) aumentaram o poderio de amealharem votos.
Na pesquisa da BTG anunciada ontem o candidato Jair Bolsonaro registrou 30% de votos consolidados de um total de 33% quando se somam os estimulados. O petista Fernando Haddad chega a 22% de consolidados de um total geral de 23%.
O voto consolidado não é resultado do acaso. Para deixar o patamar de ceticismo e chegar ao voto cristalizado é preciso acontecer muita coisa nos últimos meses de uma disputa eleitoral.
Se é verdade que o eleitor cético demora ou mesmo jamais arreda pé de fugir das urnas, abstendo-se ou anulando e votando em branco, os eleitores indecisos, que são os céticos mais acessíveis a informações, revelam estágio de preparação à mudança de comportamento. E esse novo lance se chama voto decidido, mas vulnerável, que se detecta nas pesquisas de votos estimulados. Quem precisa de incentivo metodológico para saltar do muro da indecisão para chegar ao voto vulnerável está a caminho do voto consolidado. Bolsonaro e Haddad ultrapassaram essa barreira em proporções muito mais amplas que os demais competidores.
Inutilidade destacada
Vou insistir na crítica à negligência com que a mídia trata o voto consolidado e dá vazão por interesses nem sempre nobres ao voto e à rejeição de segundo turno. O voto consolidado é resultado de uma engenharia que não deixa margem de dúvida para ser tratado com respeito. O voto de segundo turno é um recorte feito sem critério consistente porque deriva das respostas primárias e, claro, se transformam em massa secundária. Tanto quanto os níveis de rejeição.
Quem publica que tantos por cento dos eleitores pesquisados prefeririam um candidato a outro em caso de enfrentamento no segundo turno não está lidando com a opinião dos eleitores em geral, mas com segmentos dos competidores que a pesquisa geral entrevistou. Esse retalho da pesquisa não tem fundamentação técnica para ser tratado com seriedade. É apenas uma enquete.
Um confronto que envolva, por exemplo, o segundo turno entre Bolsonaro e Haddad, cujos dados sejam extraídos de uma pesquisa de primeiro turno, é um confronto furado. Quando a própria diretora do Ibope Inteligência afirma que essa modalidade de projeção não tem valor estatístico, porque o mundo das eleições gira no segundo turno com recomposições dos eleitores, não seria preciso acrescentar mais nada.
Subestimação inadequada
Mas se o faço é porque, insisto, se subestimam demais os votos consolidados. O vestibular eleitoral de sair da zona do ceticismo para o de indeciso convicto e de indeciso convicto para indeciso vulnerável e deste para consolidado vulnerável, seguido de consolidado e cristalizado, não é uma operação fantasmagórica. Esse é um ciclo natural a envolver todos os candidatos.
Jair Bolsonaro veio no embalo da segurança do cidadão (esse é o quesito mais apontado por seus eleitores), enquanto Fernando Haddad vestiu-se de Lula da Silva. Os votos ao petista estavam represados até que o ex-presidente desse a ordem de descarregamento. O salto quase quântico desde que foi anunciado oficialmente por Lula da Silva já reduziu a velocidade de crescimento e nas próximas rodadas de pesquisas deverá evoluir em ritmo quase vegetativo. Até porque já se está esgotando o filão dos indecisos vulneráveis.
Para arrematar de vez a importância do voto consolidado como último estágio de uma propensão à cadeia de definição de escolha, prestem atenção nesse ponto. Que ponto? Ora, se as simulações de segundo turno fossem minimamente sustentáveis e, sabendo-se como se sabe, que desde muito tempo os institutos de pesquisa colocavam Jair Bolsonaro como o candidato mais incapaz de sensibilizar o eleitorado de indecisos e dos outros, os últimos resultados, que o colocam na dianteira cada vez mais vigorosa, jamais se teriam materializado. Ninguém alcança o topo do voto consolidado por obra do Espírito Santo. Como ninguém deixa uma inexpressiva colocação, como Haddad, sem passar igualmente pelo mesmo ritual.
Traduzindo: é impossível que alguém com tanta massa de rejeição, como se apontou em direção a Jair Bolsonaro, conseguisse crescer muito mais que seus adversários, supostamente bem menos rejeitados, nas rodadas de pesquisas subsequentes. Quem não tem motivo algum para desconfiar – e muito – de determinados institutos de pesquisa é um sujeito de boa-fé. Merece ganhar o prêmio Otário do Ano.
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19/11/2024 PESQUISAS ELEITORAIS ALÉM DOS NÚMEROS (24)