Há duas latejantes novidades na política do Grande ABC, fora os atuais chefes de Executivo, dos quais William Dib e José Auricchio Júnior prevalecem no noticiário. Um -- Orlando Morando -- é deputado estadual. Outro -- Raimundo Salles -- vem com força total para disputar uma cadeira à Câmara dos Deputados. Se superarem as dificuldades eleitorais que enfrentarão em outubro, tanto um quanto outro se situará em condições de competitividade para concorrer em 2008 aos paços de São Bernardo e de Santo André.
Orlando Morando tem mais possibilidades de garantir passaporte para o pleito municipal de 2008, porque já é deputado e conta com suporte logístico e a admiração de William Dib, espécie de protetor, no bom sentido do termo. Raimundo Salles enfrentará a máquina administrativa do PT de Santo André e sua incrível capacidade de superação, como demonstraram as últimas eleições em que a dupla Newton Brandão-Duilio Pisaneschi jogou fora a melhor oportunidade que se apresentou nos últimos tempos para chegar à vitória.
Raimundo Salles e Orlando Morando reúnem várias características em comum embora sejam, em outros pontos, antagônicos. Têm o atrevimento de quem não está no mercado de votos para marcar ponto, para satisfazerem-se com migalhas. São ousados, por assim dizer. Chegam aos limites do arrombamento para os adversários que os vêem com imensa preocupação. Igualmente trafegam por todos os territórios da região. Descobriram há muito tempo o valor da regionalidade eleitoral. Se eleitos e levarem essa característica à gestão de seus respectivos municípios, a expressão Grande ABC ganhará sentido mais consistente.
Corda bamba
Orlando Morando e Raimundo Salles expressam-me bem diante de platéias minúsculas ou densas. Nesse ponto, Morando tem a vantagem de, mais experiente na prática, embora mais jovem na idade, não demonstra excesso de nervosismo que Salles expressou em alguns dos momentos mais importantes de sua atividade pública. Justifica-se certa trepidação emocional de Raimundo Salles. É um homem público provisório, como secretário de Governo da Prefeitura de São Bernardo, em busca do título de homem público eleito e definitivo. É natural que sinta a insegurança de quem, vitorioso na vida profissional, procura equilibrar-se na corda bamba da política partidária.
Tanto Salles quanto Morando vestem-se com esmero na maioria dos casos de reuniões públicas, e não se furtam a trajes populares nas caminhadas pelas periferias, geralmente ignoradas pela mídia. Atribui-se a Orlando Morando sensibilidade superior nos relacionamentos políticos. Ele seria menos disperso que Raimundo Salles. A tradução disso é que Orlando Morando planta os pés no próximo passo depois de ter absoluta certeza de que não correrá o menor risco de escorregar. Raimundo Salles é visto como alguém mais apressado, mais acelerado, em busca do gol sem dar bola para o meio de campo. Fossem centroavantes, Morando seria mais clássico e mais técnico; Salles mais rompedor e impetuoso.
Se nesse tipo de comparação Raimundo Salles está em desvantagem, o advogado que dirige direta e indiretamente uma rede de partidos em Santo André é mais estratégico que a revelação política de São Bernardo. Ambos têm passagem acadêmica, mas Salles prevaleceria num suposto confronto porque as lides forenses o colocaram cotidianamente mais próximo de engenharias decisórias. Morando e suas raízes de comerciante de sucesso teriam menos lustro intelectual. O desafio a ambos, se quiserem de fato se firmarem no cenário político regional além das lides legislativas, é que a Orlando Morando acrescente a sofisticação do pensamento de Raimundo Salles e Raimundo Salles incorpore o pragmatismo de Orlando Morando.
Força do imponderável
Seria arriscado demais projetar o futuro político de Orlando Morando e de Raimundo Salles, porque a atividade depende fundamentalmente dos humores dos eleitores e é por demais complexa. Sem contar que imponderáveis mudam o eixo da história. Vejam o caso de Klinger Sousa, o menino de ouro da administração de Celso Daniel, favorito a disputar as eleições de 2004 e supersecretário a partir da escolha do então prefeito de Santo André para coordenar o programa de governo daquele que se tornou presidente da República.
A morte de Celso Daniel num acidente do destino que até hoje tentam levar para o campo da encomenda mais estúpida com que alguém poderia concordar, a morte de Celso Daniel, repito, deslocou completamente a história política de Santo André. Klinger, outra vítima do caso Celso Daniel, não aquelas que fabricaram na Imprensa, praticamente encerrou a atividade política. Está tão inexoravelmente proscrito da atividade partidária quanto Sérgio Gomes da Silva da vida social. Só mesmo o desmascaramento de uma farsa anunciada e plenamente divulgada -- o que duvidamos -- ressuscitaria o jovem arquiteto a quem Celso Daniel devotava extrema admiração. Só mesmo incautos investigadores poderiam sugerir que, houvesse de fato o caixa dois na Prefeitura, Celso Daniel abdicaria desse ferramental sem o qual -- e não vai aí nenhum juízo de valor sobre o uso do sistema -- a democracia simplesmente entraria em colapso.
Destino favorável
Aliás, a mão do destino tem-se mostrado parceira de Raimundo Salles. Sua viabilidade política que passa sem dúvida pela vitória em outubro próximo estaria longe ainda de qualquer possibilidade para o Executivo de Santo André se Celso Daniel vivesse e se Klinger Sousa estivesse iniciando o primeiro mandato. Sem Celso e Klinger, com Brandão e Duilio Pisaneschi em evidente decadência eleitoral, mas nem por isso mortos porque Santo André é uma cidade em busca de um candidato viável, Raimundo Salles encontraria menos mata-burros do que poderia sugerir no início desta década o mais empedernido dos anarquistas.
O embate que poderá travar com o PT de Luizinho Carlos da Silva (se escapar da cassação de mandato) ou da vice-prefeita Ivete Garcia aparentemente se revela menos problemático, hoje, do que Orlando Morando enfrentaria em 2008 em São Bernardo. Primeiro porque teria de enfrentar provavelmente o ímpeto nem sempre tardio de Maurício Soares, que dá sinais de voltar a se encantar com o Executivo, embora a saúde não lhe seja parceira das mais satisfatórias. Segundo porque não está fora da linha de tiro de preocupações de Morando a possibilidade de Luiz Marinho, ministro do Trabalho, brilhar com a reforma sindical num eventual segundo mandato de Lula da Silva e, com isso, olhar para o eleitorado de São Bernardo como quem contempla um rebanho de adeptos de sua candidatura. Entretanto, num cenário de desistência seguida de apoio de Maurício Soares e da máquina de William Dib e de desgaste de Luiz Marinho num possível repeteco de governo petista, Orlando Morando ganharia a disputa com os pés nas costas, como costumam dizer aqueles mais eufóricos.
Essas duas estrelas em ascensão têm a grande vantagem da juventude. Morando ainda não chegou aos 40, de onde Salles mal acabou de passar. Provavelmente são os dois animais políticos mais intrépidos do Grande ABC neste novo século, fora, evidentemente, alguns dos atuais prefeitos. É natural, por isso, que estejam longe da unanimidade. Aliás, unanimidade só existe na política no verso próprio para carimbar candidatos ou mandatários medíocres, porque a essência da atividade são os entrechoques, as rusgas, as maledicências, insumos naturais dos concorrentes que mais incomodam pela obsessão de vencer.
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19/11/2024 PESQUISAS ELEITORAIS ALÉM DOS NÚMEROS (24)