Política

Lula (roto) vs. Alckmin (rasgado)
é a disputa no campo econômico

DANIEL LIMA - 21/03/2006

Detentor de imagem de honradez, sensatez, polidez e outros adjetivos que foneticamente poderiam soar abusivos embora indispensáveis, o governador Geraldo Alckmin ganhou a disputa com José Serra para representar o PSDB nas eleições presidenciais. Qual será o seu futuro político no confronto mais que anunciado com o presidente Lula da Silva? 

Vai depender para onde a biruta da disputa conceitual estiver virada e compreendida pelo eleitorado. Se for ao campo ético, provavelmente Lula da Silva e os rescaldos do mensalão deverão sofrer duros reveses que, inclusive, poderão alterar a rota da pré-disposição do eleitorado, detectada nas pesquisas de opinião pública. Se for ao campo econômico, e apesar de o trem de decolagem do governo Lula da Silva parecer avariado quase tanto quanto o do inefável vôo de galinha de Fernando Henrique Cardoso, provavelmente Geraldo Alckmin terá imensas dificuldades para suportar o ritmo eleitoral, porque não é do ramo. O Brasil econômico de Lula, mesmo com todos os percalços, é melhor que a São Paulo de Covas-Alckmin. Seria covardia qualquer comparação com Fernando Henrique Cardoso. 

Não pretendo, neste artigo, destrinchar o governo econômico de Geraldo Alckmin que, de fato, deve ser entendido como inaugurado com a chegada de Mário Covas ao Palácio dos Bandeirantes, em janeiro de 1995, já que ocupava o cargo de vice-governador. Disponho de material suficiente para afirmar, sem receio algum de eventual repaginação opinativa, que Geraldo Alckmin e Mário Covas deixaram muito a desejar nessa área.

A economia paulista durante os quase 12 anos de tucanato não foi suficientemente fortalecida para o enfrentamento da concorrência de outros Estados. Mais que isso: São Paulo de Mário Covas e depois de Geraldo Alckmin atirou-se de corpo e alma à recuperação financeira de cofres exauridos por antecessores pouco cuidadosos, mas a alma gêmea de uma boa administração, que deve contemplar igualmente a vertente econômica, jamais se encaixou nos preceitos desenvolvimentistas. Os tucanos deram prioridade absoluta à arrumação da casa administrativo-financeira e desdenharam os efeitos da guerra fiscal, contra a qual Mário Covas foi um guerrilheiro implacável embora não oferecesse contrapartidas minimizadoras dos efeitos deletérios que essa deformação constitucional patrocina. Só mais recentemente Geraldo Alckmin acordou para a sangria desatada ao implementar série de medidas pontuais que amenizaram o desequilíbrio competitivo dos paulistas. Mas a iniciativa tem efeito de esparadrapo no organismo debilitado. 

Uma grande moleza

Já escrevi sobre o assunto e não temo em resgatá-lo. Trata-se do seguinte -- ser governador de Estado é uma grande moleza, seja Montoro, seja Maluf, seja Alckmin, seja eventualmente Marta Suplicy ou Aloizio Mercadante. Os níveis de cobrança da mídia e dos contribuintes são residuais quando as baterias se voltam para o ocupante do Palácio dos Bandeirantes. 

Os transtornos que retiram a paciência dos administradores municipais, muito mais próximos dos eleitores e dos cidadãos, e o contraditório muito mais convulsivo do governo federal, centro das atenções macroeconômicas, macropolíticas e macroinstitucionais, superam largamente as ondas de insatisfação latentes dos eleitores. Raramente um governador de Estado que não se envolva em um grande escândalo deixará não só de acumular a reeleição no currículo como também de registrar elevados índices de aprovação. A morfologia constitucional de repartição de poderes executivos no Brasil privilegia os governadores, inclusive porque é larga a banda de recursos orçamentários, em contraste com a esqualidez dos Executivos municipais e a penúria dilacerante do que temos na União, expressa em mísero 0,5% do PIB disponível para investimentos. 

Quem está mais próximo dos contribuintes, no caso os prefeitos, e na boca do forno do controle tático e estratégico da nação, no caso a presidência da República, sofre muito mais com os entrechoques da democracia representativa. Governador de Estado é convidado de honra de uma festa em que os olhares estão atentos à qualidade da comida oferecida pelos prefeitos e à organização logística do presidente da República. É preciso ser muito trapalhão para cair em desgraça. 

Atuação conservadora

O governador Geraldo Alckmin, portanto, está longe de, tomado o exemplo de São Paulo, travestir-se de cavaleiro da esperança de ressurreição econômica do Brasil. O desempenho à frente dos paulistas como companheiro de Mário Covas e como titular do posto da maior unidade industrial do País foi no mínimo conservador, para não dizer sofrível. As estatísticas estão aí para confirmar que a economia paulista é um transatlântico que há pelo menos uma década e meia perdeu o dinamismo, a capacidade de reagir ao jogo de xadrez de competitividade nacional e internacional. Recorrer ao exemplo de fracassos do Grande ABC tão colado à sede do governo paulista e, portanto, mais suscetível à compreensão dos acontecimentos, é exagerar na dose de crivar de balas o só aparentemente inviolável colete de proteção do governador. Até porque, nesse ponto, o Palácio dos Bandeirantes tem grau de responsabilidade inferior, bem inferior, à permissividade do governo FHC, seguramente o maior carrasco da história econômica e social da região com o acumulado de 39% de perda do Valor Adicionado em oito anos. 

Pelo visto, teremos em outubro próximo, pelo menos no campo econômico, uma disputa entre o roto e o rasgado, entre outros motivos porque, além da falta de apetite desenvolvimentista sob a égide de investimentos produtivos com políticas públicas entrecruzadas para sustentar eventuais estremecimentos da nave global, o sistema financeiro não abrirá mão de usufruir de um Estado tão perdulário quanto populista. 

A imagem limpa, a linguagem de modernidade e a esfuziante elegância no modo de fazer política de Geraldo Alckmin não podem, de forma alguma, sob pena de enredarmos em novas decepções, creditar-lhe condição de reformista econômico. O candidato tucano à presidência da República é comprovadamente uma réplica de políticos mais experientes que jamais conseguiram compreender a lógica de que a saída para o encalacramento social do Brasil é pela porta da economia. Mesmo que tenha de arrombá-la, revertendo o quadro de docilidade nas relações entre União e sistema financeiro, que, em realidade, decorre das fragilidades intrínsecas do próprio Estado obeso e improdutivo. 



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