Política

Recado para o presidente Lula
da Silva:

DANIEL LIMA - 09/10/2006

A tomografia das mais recentes pesquisas eleitorais, que confirmam os votos digitalizados em 1º de outubro, mostra preconceituoso fosso entre eleitores do presidente Lula da Silva e do ex-governador paulista Geraldo Alckmin. 

Os mais escolarizados e mais endinheirados são entusiastas de Geraldo Alckmin. Os pobres e miseráveis de baixa carga educacional preferem o ex-metalúrgico de São Bernardo. 

Longe de pretender invadir o terreno sociológico que os chamados cientistas políticos praticam à exaustão em contraditórios argumentos que, vistos em confronto, se anulam, ouso afirmar que há mais que empilhadeiras de discriminação a abastecer as gôndolas do mercado eleitoral. Lula da Silva foi apenas tolerado na vitória de 2002. José Serra significava a extensão de um governo pernicioso do desastre chamado Fernando Henrique Cardoso. Era melhor confiar no cozinheiro do que num novo anfitrião refinado. O cozinheiro já cansara de preparar almoços e jantares para os convivas trapalhões em três ocasiões seguidas e merecia uma oportunidade. Não mais que uma, evidentemente. Seria o presidente papel higiênico do supermercado de votos.   

Não faltarão argumentos mais que justos e oportunos de que o governo Lula da Silva, sabendo ele ou não das peripécias de próximos ou distantes companheiros, cometeu série de travessuras com o dinheiro público, com a ética, com a moral. Ótimo. Perfeito. A diferença, entretanto, que separa antecessores e governo petista é apenas de fiscalização e denúncia, de boa vontade, de interesse jornalístico mesmo que subordinado ao voluntarismo dos denunciantes. Um conhecedor da matéria chamado Roberto Jefferson, desencadeador da crise do mensalão, tem dito e repassado que a corrupção é o combustível que move a democracia. 

Devagar, devagar

Não quero que um ou outro leitor, entretanto, venha a despachar emeios condenatórios a suposta leniência com a praga da corrupção. Nada disso. Apenas estou refrescando a memória nacional ante a temporalidade remota de traquinagens das quais inclusive os petistas eram protagonistas em hierarquias até então inferiores. Aliás, só conquistaram a presidência depois de três sovas seguidas porque resolveram ler e praticar mais aprofundadamente o manual de sucesso das agremiações mais tradicionais na arte de financiar eleições. 

A diferença entre o volume de denúncias do passado e as que envolvem os petistas é que, além de não terem a mesma experiência de lidar com malandragens, se disseram o tempo todo virgens em casa de tolerância. E a mídia sempre imprecisa, acomodada, descomprometida, aceitou pura e simplesmente aquela fantasia partidária e, mais que isso, a embalou no ventre da permissividade crítica. Do erro do desconhecimento de fato ou consentido à espetacularização dos crimes de fato e agora menos negociável foi questão de tempo e de interesses envolvidos.  

A mídia é tão despreparada que até hoje, vejam só, repassa descuidadamente ou por vocação a tergiversações a bobagem de que Celso Daniel foi vítima de crime de encomenda porque o caixa dois da Prefeitura de Santo André ultrapassou os limites do Paço Municipal e bancava a rentabilidade pessoal de alguns dos participantes. Como se caixas dois não tenham a tradição de caixa três em qualquer agremiação que dispute eleição e como se Celso Daniel fora escolhido para coordenação do programa de Lula da Silva (e substituído pós-morte por Antonio Palocci) apenas pelos impressionantes dotes intelectuais.  

Sucessão hipócrita

O maior erro dos petistas foi acreditar no bom-mocismo dos tucanos derrotados em 2002, ao participarem de uma farsa de transição diplomática. Lula da Silva e seus companheiros simplesmente esqueceram ou fingiram esquecer, quando deveriam denunciar, que os conservadores os colocaram numa enrascada chamada carga tributária de Primeiro Mundo para serviços de Terceiro Mundo. Essa situação fiscal e estrutural esquarteja a perspectiva de médio prazo de o Brasil livrar-se do modelito ordinário que engaveta os planos de crescimento substancial do PIB. Mais que isso: exige mais e mais tributos porque só o crescimento vegetativo das despesas com a máquina pública é uma corrida contra o relógio da racionalidade.  

As classes média média e média alta, sem contar a aristocracia de excluídos de responsabilidade social que usufrui do mercado financeiro, querem ver Lula da Silva pelas costas porque sabem que com Geraldo Alckmin estarão garantidíssimos. Os mais escolarizados que vivem as consequência de despautérios dos anos 1990 de rebaixamento de carteiras de trabalho, quando não do desemprego, precisam de um bode expiatório. Primeiro para a baixíssima qualificação com que foram agraciados, resultado de sistema de ensino que continua a industrializar diplomas. Segundo porque o grau de desemprego ou subemprego, geralmente em atividade que não consta do currículo escolar, é frustrante, como provam recentes estatísticas sobre empregabilidade de universitários.  

Erros antigos

É possível até que os debates ajudem a dar uma misturada social e econômica no eleitorado nacional hoje estupidamente dividido entre pobres e miseráveis de um lado, remediados e ricos de outro; analfabetos de fato e pouco letrados de um lado; analfabetos funcionais e camadas de mais letrados de outro. Tomara que até 29 de outubro o Brasil deixe de ser menos hipócrita e, independentemente do resultado final, sufoque o grito de "já para a cozinha" vindo da sala de estar dos incluídos em forma de preconceito malicioso, como se apenas o PT tivesse praticado deslizes no gerenciamento público, quando se sabe que neste País poucas prefeituras e governos estaduais, além de legislativos, escapam de casos semelhantes. 

Correremos o risco de, com a manutenção do divisionismo do eleitorado, incidir nos mesmos erros decorrentes da cassação de Collor de Mello, ao optar por jogar o lixo sob o tapete em vez de juntar capital social suficiente para reformas que reduzam o grau de corrupção em todas as esferas de governo. Para isso, como se sabe, o povo, dos miseráveis aos milionários, dos analfabetos de fato aos analfabetos funcionais (funcionais no sentido de entender e apressar o passo de evolução da sociedade) é a matriz de todas as mudanças. Por isso, é preciso dar um basta a essa odiosa imputação de responsabilidade específica e circunstancial a algo que é coletivo e histórico. 



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