Política

Lula vs. Alckmin: sugestões para
que os debates sejam produtivos

DANIEL LIMA - 11/10/2006

Algumas considerações sobre o debate que de fato ocorreu segunda-feira na TV Bandeirantes e algumas incursões sobre o debate que poderia ter ocorrido se os candidatos fossem mais bem preparados. É nossa contribuição para que, quem sabe, em novas oportunidades que se aproximam, o conteúdo disponível e explicitado seja muito mais proveitoso para a democracia e a consolidação de voto menos emocional e mais racional em 29 de outubro.

O material que se segue é espécie de sugestão para o comando de campanha de Lula da Silva e de Geraldo Alckmin. São apenas alguns tópicos que listei rapidamente, sem recorrer a qualquer uma das pastas de arquivo de que disponho. Trata-se apenas de impulsividade levada pelos rescaldos do debate na TV Bandeirantes. Talvez até as eleições apresente uma ou outra rodada com novos temários, porque problemas não faltam ao País, embora sejam tão pouco debatidos pelos candidatos entre outras razões porque os articulistas políticos da mídia são rasos, sequestrados pela pauta externa.    

Definidas as armas 

 Se o presidente Lula da Silva apresentasse o tom agressivo e quase deseducado de Geraldo Alckmin, certamente seria escorraçado pela mídia que lhe faz oposição e que, certamente, o lançaria no calabouço da desconfiança de que o destempero sinalizaria derrota iminente. Por isso, o tom quase paternalista e intimista do presidente pode ter transmitido aos oposicionistas a impressão de que vacilou diante do adversário, mas, como se trata do primeiro tempo de um confronto que deve ter prorrogação e pênaltis televisivos, a modulação pareceu sensata. Inclusive porque agora pode jogar mais na ofensiva sem que lhe atribuam grosseria. Provavelmente Lula da Silva será mais pontiagudo no segundo debate. O até então supostamente afável Geraldo Alckmin lhe possibilitou alforria a certa agressividade.  

 Se o candidato Geraldo Alckmin repetisse o tom introspectivo dos tempos em que a presidência era apenas um sonho, não uma meta factível, diriam que ele é mesmo um chuchu. Ao surpreender o distinto público com a inflexão da voz, o rosto crispado, Alckmin estabeleceu padrão de imagem e voz do qual não poderá mais recuar, sob pena de confirmar a denúncia dos adversários de que é um boneco de plástico inflável ao sabor de conveniências partidárias e eleitorais. Agora é Alckmin incisivo até o fim. Para o que der e vier. Se o risco não foi calculado, que se calcule a partir da possibilidade de reação do experiente adversário.

Cartão de pagamentos

 Se o presidente Lula contasse o que sabe sobre o que seu antecessor tucano fazia na presidência, antes que se adotasse o cartão de pagamentos ao qual Geraldo Alckmin atribuiu uso perdulário, provavelmente poderia incendiar ainda mais a disputa. Esse é assunto do qual o presidente não pode abrir mão no próximo debate, entre outros motivos porque passou a impressão de que a bomba estouraria no colo do tucanato. Aliás, a Imprensa tem obrigação de vasculhar o caso. Há cheiro forte no ar, entre outras razões porque há dados que informam sobre equivalência de gastos entre Lula e FHC. 

Aerolula

 Se o candidato Geraldo Alckmin fosse mais explicativo, poderia detalhar sem perder o poder de síntese as razões que o colocam frontalmente contra o Aerolula. Transmitiu-se a sensação de que o temário não passou de coisa pequena, varejista, longe, portanto, de um concorrente à direção de um País sabidamente em frangalhos econômicos e sociais que deve, por isso mesmo, primar pela economia de recursos. 

 Se o presidente Lula da Silva fosse mais bem adestrado, não teria perdido a oportunidade para detalhar, sem perder o poder de síntese, as razões técnicas, administrativas, logísticas, econômicas e políticas para a aquisição do Aerolula, contrapondo-se, portanto, à argumentação do adversário. Lula transmitiu a sensação de que poderia chegar a isso, ou seja, a uma resposta convincente, mas foi reticente demais. É impossível ler seus pensamentos, mas o que sobrou provisoriamente é que o Aerolula é um luxo incompatível com o nível de exclusão social do País. 

Texto impresso

 O candidato Geraldo Alckmin poderia ter dispensado a observação em tom de deboche de que o adversário movia-se por conta de informações impressas. Mesmo os telespectadores menos atentos já haviam se apercebido da diferença de desempenho e, instintivamente, creditavam mais brilho performático a Geraldo Alckmin. O desnecessário e indelicado apontamento do tucano permitiu a Lula da Silva resposta provavelmente já ensaiada e, com isso, repassou a idéia de que é humilde e se preocupa com a credibilidade das informações. No próximo debate, convém, diante de situação semelhante, exercitar o comedimento. 

 O presidente Lula da Silva poderia ter-se preparado para antecipar-se ao adversário e se pronunciado claramente sobre as informações previamente impressas, com as quais conviveria naquele debate entre outros motivos porque não é uma máquina decoreba preocupada com o marketing do impressionismo de memória eletrônica. Poderia afirmar também que zela pela precisão de dados a ponto de não confiar plenamente na memória. Bastaria citar uma das muitas sentenças relacionadas às traições da mente quando se tratam de números, dados, imagens, frases, ocorrências, para sugerir aos telespectadores tanto o reconhecimento dos limites cognitivos da máquina chamada homem como também a humildade de quem não se acha o supra-sumo da perfeição. Os perigosos conflitos entre emoção e razão em situações de estresse como de um debate cuja responsabilidade é o futuro da Nação poderiam ser reforçados pelo presidente para repassar respeito aos telespectadores, humanizando, portanto, a mensagem. 

Criminalidade paulista

 Se o candidato Geraldo Alckmin fosse mais cuidadoso e didático, poderia ter apresentado os números de quanto conseguiu reduzir a criminalidade no Estado de São Paulo desde que trocou a guarda na Secretaria de Segurança Pública do governo Mário Covas por um exemplar da linhagem de Erasmo Dias -- detalhe que, evidentemente, trataria de esconder. Alckmin poderia ter dimensionado a ação com números de queda de homicídios, por exemplo, que são realmente impressionantes.  

 Se o presidente Lula da Silva fosse mais informado, poderia denunciar o quanto de homicídios foi cometido até o ano 2002, tendo como base a subida dos tucanos ao poder paulista quando o governador Mário Covas instituiu a chamada política de direitos humanos e acabou por gerar no ventre da delinquência a organização chamada PCC. Os números de mortes evitadas nos anos seguintes são o referencial mais macabro de assassinatos registrados nos anos anteriores, num dos maiores processos de carnificina programada de que se tem notícia na literatura policial brasileira, em contraponto aos sucessivos mergulhos da economia paulista, anestesiada pela guerra fiscal. 

Empregos

 Se o candidato Geraldo Alckmin fosse devidamente preparado, poderia afirmar sem risco de errar que os empregos que se criaram no Brasil nos últimos anos, de que Lula tanto se vangloria, mostram queda vertiginosa do padrão salarial, com rebaixamentos compulsórios dos holerites. O que estamos vendo de fato, além de crescimento mais que discreto do quadro de trabalhadores, é a troca de empregos mais robustos por empregos esquálidos em termos salariais. 

 Se o presidente Lula da Silva se detivesse no histórico do emprego no País, poderia estabelecer comparações que empalideceriam os opositores. Nos últimos 20 anos, por exemplo, conforme registros oficiais, o período em que o petista está à frente do governo é o que acumula números proporcionais mais vistosos, muito acima dos oito anos do governo Fernando Henrique Cardoso. A média de empregos formais do governo Lula da Silva ultrapassa a 106 mil carteiras de trabalho por mês, contra pouco mais de seis mil registradas pelo governo FHC.

Questão ética

 O candidato Geraldo Alckmin esgotou o estoque já conhecido de denúncias contra a sistêmica corrupção no governo de Lula da Silva, mas reforçar o temário é sempre interessante entre outras razões porque ocupa o tempo do adversário com o desconforto da camisa-de-força ética em vez de lhe permitir estocadas nos calcanhares-de-aquiles.

 O presidente Lula da Silva deveria ser mais didático sobre as falcatruas patrocinadas pelos tucanos no período pós-denúncia do mensalão, sem incidir na possibilidade de ser eletrocutado eticamente porque, queira ou não, tudo o que já se falou atingiu a agremiação de forma contundente e supostamente nada há mais que possa aprofundar a sangria. Lula da Silva poderia, em suma, em vez de contra-atacar, partir para o ataque, questionando o adversário sobre o espólio de malandragem que é uma tradição no País e, como todo mundo sabe, o PT foi absolutamente incompetente em exercitar. Chumbo trocado mais explicitamente nesse quesito pode, senão neutralizar os estilhaços das denúncias, instaurar a dúvida da honradez partidária do adversário. O discurso da ética do qual se apossou Geraldo Alckmin em forma de estilingue tem a contraface de um bumerangue que o PT não tem sabido disseminar. 

Desempenho econômico

  O candidato Geraldo Alckmin poderia ter aprofundado o questionamento sobre o desempenho econômico do governo Lula da Silva com a cobrança do avanço do cronograma da política industrial que, por causa dos efeitos do mensalão, praticamente está paralisado num período em que, real valorizado, vários setores de produção passam por maus momentos, sem perspectivas imediatas de recomposição.

 O presidenciável Lula da Silva poderia inquirir do ex-governador do Estado, e do partido que há 12 anos dirige a principal economia do País, explicações para o fato de que desde os anos 1990 os paulistas estão entre os últimos colocados no ranking de crescimento do Produto Interno Bruto, num processo contínuo de esvaziamento relativo com profundas implicações sociais, entre as quais, as mais visíveis, o aumento irrefreável das unidades prisionais, a multiplicação de criminosos e a explosiva situação da Febem.  

Guerra fiscal 

 O candidato Geraldo Alckmin poderia questionar o candidato Lula da Silva sobre a incapacidade político-gerencial de acabar com a guerra fiscal que tanto corrói a economia nacional ao confrontar Estados que, ao abrirem mão de receitas tributárias, fazem o jogo das empresas que encontram vasto campo para extrair vantagens fiscais.  

 O presidente Lula da Silva poderia cobrar do ex-governador paulista o preço da imobilidade do tucano paulista nos últimos 12 anos de governo e também dos oito anos do governo Fernando Henrique Cardoso que, ao observarem o recrudescimento da guerra fiscal, nada fizeram para, com a força institucional do Estado mais rico da federação e da própria União, reverter o quadro de sangria de recursos públicos. Lula poderia afirmar que a omissão tucana chegou ao ponto de consolidar de tal maneira os desvios interestaduais que tornou as mudanças quase que inviáveis, daí a necessidade de investir na sensibilização de um grande pacto federativo que, longe de simplesmente apagar o que está aí, possibilite ajustes que contemplem de forma menos idiossincrática aspectos regionais ligados à realidade social e econômica. 

 O candidato tucano poderia responder ao presidente da República que o cronograma de reforma tributária e fiscal está atrasado por culpa do próprio governo, envolvido nas denúncias de corrupção. 

 Lula da Silva poderia responder que o cronograma de reformas tributária e fiscal está umbilicalmente relacionado às estripulias econômicas herdadas do governo Fernando Henrique Cardoso, cuja senso de emergência se concentrou nas privatizações e no esticamento do mandato presidencial com a aprovação suspeitíssima da emenda da reeleição.

Agências e regionalidade

 Geraldo Alckmin deveria ter insistido e detalhado os buracos negros das agências reguladoras que os petistas e assemelhados provocaram ao longo de quatro anos ao politizarem e ideologizarem vetores econômicos. 

 O presidente Lula da Silva poderia colocar a nocaute a suposta capacidade gerencial do ex-governador de São Paulo ao detalhar o fracasso da anunciada política de regionalização da economia paulista. As câmaras de desenvolvimento econômico jamais saíram do papel na maioria dos casos ou, quando saíram, no caso do ABC Paulista, não passaram de imensas decepções. 

Privatizações

 Geraldo Alckmin deveria aceitar a convocação de Lula da Silva para o debate relativo à privatização partindo como ensaiou partir para os benefícios provocados pelo choque de competitividade e de benefícios sociais nas áreas de energia, telefonia, transporte ferroviário, transporte rodoviário, entre outros. 

 O presidente Lula da Silva deveria ser mais profundo na etiquetagem que desabona a política de privatização do governo Fernando Henrique Cardoso e também do governo paulista para que não pareça fossilizado por idéias estatizantes. Lula deveria fundamentar questões de cunho ético e de regularidade transacional como, principalmente, a ausência de representações da sociedade civil como protagonistas desses negócios. Como se sabe, as privatizações ungidas no governo Fernando Henrique Cardoso e também no governo paulista seguiram ritual que exclui a sociedade na construção do escopo de monitoramento. Praticou-se capitalismo exacerbadamente negocial, sem contrapartida de mecanismos transparentes de medição do grau de eficiência operacional e, principalmente, de retorno do capital investido. 

Abertura econômica

 Geraldo Alckmin poderia ter ido mais fundo nas críticas a Lula da Silva quanto à valorização do real em relação às moedas internacionais e os efeitos colaterais que atingem especialmente os setores de calçados, têxteis e a agricultura. Poderia desfilar números de perdas econômicas e trabalhistas. Do rebaixamento da qualidade de vida em várias regiões do País, justamente onde Lula mais sentiu os golpes dos eleitores. Enfim, enfatizar a necessidade de alterações na política fiscal, tributária e cambial sem que isso, de forma alguma, coloque em risco a estabilidade do País. 

 O presidente Lula da Silva poderia ter denunciado a abertura econômica durante o governo Fernando Henrique Cardoso quando não se criaram mecanismos de contrapartida aos investimentos internacionais no País. Uma liberalidade que não se encontra em qualquer outra Nação minimamente preocupada com o futuro. Caso exemplar dos asiáticos que, ao atraírem investimentos dos mais diferentes setores, mantêm o controle acionário das empresas e compulsório repasse tecnológico para perpetuar investimentos e ganhos sociais. Com mais elementos macroeconômicos, Lula da Silva poderia ter apresentado a qualidade da internacionalização da economia brasileira desde que chegou a Brasília, confrontando-a com a acelerada abertura de comportas alfandegárias dos anos 1990. Dizer apenas, como disse Lula, reagindo às recentes invasões de chineses, que o saldo da balança comercial com esses asiáticos nos favorece, é muito pouco. 

Crescimento do PIB

 Geraldo Alckmin poderia insistir mais nas comparações de crescimento pífio do PIB brasileiro durante a gestão Lula, levando aos leitores dados mais digeríveis e de fácil compreensão. Explicar o que significa PIB. O que significa a diferença entre a média de 2,7% de crescimento ao ano do governo Lula da Silva e os números estratosféricos de países igualmente emergentes. 

 O presidente Lula da Silva não pode ficar acuado diante de comparações de avanço do PIB. Há disparates que não poderiam ficar impunes. A comparação feita por Geraldo Alckmin entre Brasil e Argentina é um truque que não resiste ao comportamento histórico, mesmo com o Brasil do passado e do presente aquém das potencialidades. A Argentina está crescendo tanto apenas porque tenta recuperar o que perdeu nos anos 1990. É reposição do estoque que se consumiu com populismo cambial. Os asiáticos, especialmente chineses e vizinhança, não podem ser confrontados com os brasileiros, porque contamos com rede de proteção social, de direitos sobre marcas e patentes, de administração empresarial, de bases jurídicas, de direitos trabalhistas, praticamente ignorados naqueles países. Além disso, a economia brasileira, apesar dos pesares, cristalizou base estrutural que não permite -- exceto em caso semelhante ao do mergulho da Argentina ou de reformas estruturais  -- alcançar elevadas taxas de crescimento do PIB. O Brasil é um veículo a 80 quilômetros por hora de velocidade que encontra dificuldades para acelerar. Os chineses e tantos outros só recentemente ingressaram na estrada do desenvolvimento e não estão interessados em respeitar os sinais internacionais de trânsito.  



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