Política

Veja deu a Lula o que Frente
Andreense queria do Diário

DANIEL LIMA - 10/11/2006

Não resisto à comparação entre as eleições municipais no Grande ABC em 2004 e as eleições presidenciais deste ano, entre a cobertura jornalística que lideramos na Redação do Diário do Grande ABC e a que os iluminados da Editora Abril promoveram na Veja, seguramente um dos casos mais ruinosos de partidarismo na história da Imprensa nacional. 

Da Veja não precisamos entrar em detalhes, já que foi escandalosamente parcial e quilometricamente persistente na perseguição à candidatura petista. 

Por mais que aquela revista tenha apresentado elementos que sustentassem denúncias, críticas e a avacalhação geral do candidato petista, a cobertura cheirou à encomenda na medida em que manteve incólume a cidadela de Geraldo Alckmin e suas estripulias na Assembléia Legislativa e, principalmente, a inapetência para o gerenciamento do Estado de São Paulo, configurada em seis anos desastrosos na área econômica, conforme mostramos na Reportagem de Capa de LivreMercado de novembro. 

Ao exceder-se em tudo, Veja acabou levando a disputa eleitoral à situação de comprovada ruptura: aqueles que a adotaram como comissão de frente antipetista e aqueles que passaram a lhe opor descrédito sob a desconfiança do martelar contínuo e repetitivo. 

Estou entre os segundos, seguramente. De leitor assíduo da maior revista semanal de informação do País (escrevi maior, porque a melhor é Carta Capital) passei a adotar acompanhamento preventivo, se se pode chamar assim um cuidado redobrado no consumo de cada parágrafo. 

O esvaziamento de Veja ao longo do processo eleitoral provavelmente se deu no mesmo diapasão do enchimento da bola de seus responsáveis; ou seja, tivemos quebra de respeitabilidade que a publicação detinha em consequência de linha editorial mais conciliadora entre o conteúdo e a forma em paralelismo com a cristalização de um radicalismo sem precedentes contra um partido político que, convenhamos, não fez bobagens nada diferentes de tantas outras agremiações.   

Agora vamos ao caso do Diário do Grande ABC em 2004. O que as lideranças da chamada Frente Andreense (do Atraso) pretendiam na disputa com João Avamileno, petista candidato à reeleição que sabiamente foge de enfrentamentos, era chegar ao Paço Municipal de Santo André por caminho transverso. 

A tática era simples, reta e direta: transformar o Diário do Grande ABC no oponente da vez, atribuindo-lhe, por força de mudanças acionárias, papel de vilão que supostamente protegeria os petistas. Essa era a ordem unida dos conservadores de Santo André. Combater o Diário do Grande ABC significaria, no entendimento dos estúpidos oposicionistas, a melhor maneira de atingir o PT.  

O que queriam então os magos estratégicos da Frente Andreense do Atraso? Que, recém-chegado àquela empresa e com histórico de equidistância de política partidária mas bom de briga por ideais, este jornalista mordesse a isca que atiraram de diversas formas, entre as quais artimanhas na Justiça Eleitoral para evitar a divulgação de pesquisas supostamente favoráveis ao candidato petista. Apenas supostamente, porque o Instituto Brasmarket deu show de competência durante todo aquele período. 

Ainda vou contar

Um dia vou relatar em detalhes como participei desse jogo de pressões e quanto me diverti ao deixar os líderes da Frente Andreense com as calças da burrice na mão. Quando vejo um ou outro divirto-me a valer, porque eles, que se imaginavam especialistas em conquistar votos, fizeram tantas lambanças que acabaram por perder a eleição mais fácil da história, diante de um adversário que sofria imensamente a perda de Celso Daniel e se via mergulhado em denunciados casos de corrupção, além de suposta participação de um de seus membros no assassinato do prefeito. 

Diferentemente do que fez Veja nestas eleições presidenciais, naquelas eleições municipais controlei a Redação do Diário do Grande ABC para evitar que retaliações estridentes contra a Frente Andreense pudessem, de alguma forma, repassar a sensação de que seus candidatos estariam sendo perseguidos pelo jornal. É claro que não nos acovardamos, que divulgamos questões relativas à campanha eleitoral que o bom jornalismo sempre haverá de relatar, mas não nos deixamos pautar pela sede sanguinária de distribuir porretadas jornalísticas a torto e a direito. 

No livro "Na Cova dos Leões", repasso algumas crônicas que fiz naquele período eleitoral, sobremodo sob o título "Fazenda Ramalho". Procurei, através de metáforas, levar aos leitores mais apetrechados do jornal um resumo acredito que certeiro das arbitrariedades da Frente Andreense, notadamente na obtenção de medidas jurídicas que cercearam a publicação de pesquisas. O que a Frente Andreense pretendia é que insistíssemos na lamentação de pesquisas bloqueadas com manchetes e desdobramentos raivosos para ter argumentos na distribuição de panfletos que colocassem a credibilidade do jornal na sarjeta e, dessa forma, se convertesse na luta do bem contra o mal. 

Enfim, o que a Frente Andreense queria de fato era que nos comportássemos como a Veja, que lhe distribuísse pancadas para valer em todas as edições. Com isso, poderia fazer disso o contragolpe de marketing, sustentado pelo sentimento de vitimização. Muitos eleitores e leitores são sensíveis à desproporcionalidade crítica. Provavelmente Veja tenha aprendido a lição.

Queda do cavalo

O fato é que o pessoal da Frente Andreense do Atraso caiu do cavalo porque sabíamos que não deveríamos exceder na insatisfação lógica e natural de que o trabalho jornalístico sofria dura perseguição. 

Reportagens contínuas de denúncias contra a estratégia da Frente Andreense teriam o significado de tiro pela culatra, sobretudo porque a Justiça Eleitoral que respaldava o bloqueio da divulgação das pesquisas é vista de maneira geral como imparcial e soberana. Brigar com a Justiça Eleitoral significaria dar a bola, o gol vazio, as traves, a torcida e o árbitro para o adversário fazer o que bem entendesse em campo.  

Talvez a grande diferença entre o trabalho que liderei no Diário do Grande ABC em relação ao do editor-chefe de Veja sejam dois pontos. Primeiro, jamais permiti que quem paga o meu salário compre minha consciência. Segundo, não tenho preferência partidária e muito menos ideologia rigidamente monolítica a ponto de enxergar demônios e deuses conforme as cores partidárias. 

Sei muito bem que há demônios em todas as agremiações, e deuses, acreditem, esses ainda não encontrei. 



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