Política

Imprensa negligente, burra
ou capciosa? Faça a escolha

DANIEL LIMA - 03/10/2018

Qualquer abordagem conceitual que leve em conta as pesquisas eleitorais (e me refiro, sobretudo ao Datafolha e ao Ibope) requer alta octanagem verbal. A elegância convencional e muitas vezes de conveniência, porque hipócrita, termina quando a inteligência é massacrada. Ou quando a razão é atirada no lixo. 

O crescimento de Jair Bolsonaro na última pesquisa do Instituto Ibope (e o ritual do Datafolha anunciado ontem à noite não foi diferente) mostra que não existe mesmo base estatística sólida para movimentar as projeções de segundo turno durante o primeiro turno. O passivo recente condena a metodologia. 

Para que não me entendam mal e nem me rotulem de agressivo, não custa lembrar (aliás, esse é o principal instrumento para defender a irrelevância de pesquisas de segundo turno em pleno primeiro turno) que a diretora do Ibope, Marcia Cavallari, cansa de repetir essa constatação. Lamenta-se apenas que, mesmo assim, o instituto siga a divulgar projeções tecnicamente insustentáveis. Com isso, estimula especulações nos programas políticos de rádio e de televisão, além de mídias sociais e dos supostos cronistas políticos.  

Cadeia de produção  

Jair Bolsonaro só cresceu mais que os demais concorrentes no Ibope (foram quatro pontos de salto, contra a estagnação do segundo colocado Fernando Haddad e praticamente o imobilismo, ou a queda, dos demais principais concorrentes) porque a cadeia de progressão de intenção de votos, como acentuei num texto recente, fornece energia à retroalimentação do processo. 

Sem a retaguarda de sensibilização dos eleitores é impossível chegar ao crescimento na ponta final, em forma de voto espontâneo e de voto estimulado. Converter céticos em indecisos e indecisos em votos estimulados ou em votos espontâneos é uma maquinaria que não admite emperramento da engrenagem em forma de rejeição consolidada. 

Esse é o problema das pesquisas que adotam critérios de rejeição sem considerar modulações. Diferentemente do que se observa com a distinção de voto espontâneo e de voto estimulado, rejeição não tem valoração igualmente em forma de espontaneidade e de estimulo dos eleitores.  

Vou explicar: ao invés de perguntar aos eleitores “em quais candidatos você não votaria de jeito nenhum”, oferecendo-se à definição várias opções da lista dos concorrentes, o processo que identificaria o grau de exclusões deveria obedecer a mesma lógica da espontaneidade e, em caso necessário, como na aferição do voto, do estimulado. 

Uma analogia com paredões de reality show define bem a situação: os telespectadores apontam quem quer fora do programa em escolha única no caso de três participantes. Quem for mais indicado, está fora. Nas pesquisas do Ibope e do Datafolha, todos os candidatos podem ser indicados, exceto, claro, quem tem a preferência do eleitor.

Uniformidade burra  

A rejeição estimulada não se daria como se tem dado, colocando todos os candidatos na mesma bitola. Seriam atribuídos valores distintos à medida que os nomes fossem apontados por ordem de importância.

Não é coincidência que os mais rejeitados são justamente os dois candidatos que mais pontuaram nos critérios de preferência de voto espontâneo e de voto estimulado.  Há entre os eleitores desses dois competidores pressão mútua a açodá-los. E entre os demais, principalmente os mais competitivos ou que se acham mais competitivos, a decisão de rejeitar quem consideram favoritos é uma maneira de torcer para que não continuem a crescer. 

O que insisto em perguntar é sobre a razão que leva tanto o Ibope quanto o Datafolha a enfatizar a rejeição aos candidatos enquanto o foco principal está no primeiro turno. Não é surpresa que a imprensa deixe para lá qualquer questionamento. A maioria não tem interesse algum em decifrar metodologias, daí terceirizam interpretações técnicas aos representantes dos institutos. O que mais fazem os jornalistas metidos a avaliações de pesquisas é agir como torcedores organizados.   Por mais que disfarcem, sempre mostram o traseiro interesseiro. 

Quebrando a cara  

O que muita gente pergunta é como Jair Bolsonaro cresceu quatro pontos percentuais na pesquisa do Ibope durante uma semana turbulenta, com série de tropeços próprios e pressões externas (casos como o 13º salário e as manifestações de rua, entre outros) enquanto os programas de televisão, sobremodo de Geraldo Alckmin, o atacaram duramente. 

 Havia uma perspectiva clara de que Fernando Haddad poderia chegar a um empate técnico com Jair Bolsonaro no começo da semana. A pesquisa do Ibope não captou os efeitos de novas revelações sobre o pântano em que mergulhou o PT, segundo delação premiada do ex-ministro Antônio Palocci. A repercussão colheu apenas parte dos eleitores ouvidos pelo Datafolha. 

A pesquisa anunciada pelo Ibope segunda-feira coloca Jair Bolsonaro a 12 pontos percentuais da vitória no primeiro turno (e exatamente o que constatou o Datafolha no dia seguinte). Comedida, a diretoria Marcia Cavallari afirmou que não acredita que o jogo se encerrará domingo agora. Ou seja: Bolsonaro não teria fluidez e ritmo eleitoral suficientes para arrebanhar levas de indecisos e de eleitores menos convictos ou mesmo mais pragmáticos de candidatos afinados com a direita e a centro-direita, casos de Geraldo Alckmin, João Amoedo e Henrique Meirelles. O prazo seria exíguo demais. Também acho. Mas não descarto uma onda avassaladora.  

Fenômeno político  

Goste-se ou não o capitão reformado é um fenômeno popular que somente gente politicamente estúpida é capaz de negar. Trataremos disso, dessa estupidez, nos próximos dias porque li um artigo no Estadão de hoje que coloca o líder das pesquisas como um acidente de percurso da democracia. Que democracia? De bandidos?  

Bolsonaro é a direita popular que a esquerda populista jamais esperava enfrentar.  Talvez Bolsonaro fique tão próximo da meta a ponto de tornar a apuração dramática. A reviravolta no placar, proporcionada principalmente nas camadas mais pobres, menos escolarizadas e também no eleitorado feminino que a pesquisa do Ibope revelou e o Datafolha confirmou ontem, tem algo como a quebra de barreiras que pareciam proteger essencialmente o vigor da candidatura petista. 

O que possivelmente atrapalhará o esvaziamento dos demais concorrentes é que Jair Bolsonaro precisaria romper obstáculos criados pelos institutos de pesquisa, que o colocam como pretensa passarela sobre a qual o PT deitaria e rolaria no segundo turno, tal o nível de rejeição.  

Na última pesquisa do Ibope os dois candidatos empatariam em rejeição, após uma semana em que Jair Bolsonaro manteve-se na desconfortável situação de estar nessa liderança. Entretanto, como se repete exaustivamente na televisão que Bolsonaro não venceria o PT no segundo turno, tudo pode acontecer nessa reta de chegada do primeiro turno.  Inclusive uma vitória consagradora.  

Seis rodadas do Datafolha  

Para completar sobre a bobagem de pesquisa de rejeição de segundo turno com base em entrevistas no primeiro turno, eis que lanço mão de uma tabela de intenções de votos do Datafolha, publicada pelo jornal Valor Econômico, a partir de 20-21 de agosto. Foram seis rodadas de pesquisas. O contingente de eleitores que votariam em branco ou nulo caiu de 22% para 8%. E de eleitores que disseram não saber em quem votar passou de 6% para 5%. Somando-se o que chamaria de votos perdidos, saímos de um patamar de 30% para apenas 11%.  

O que tem a ver esses números com rejeição? Simples: se fosse mesmo coisa séria, Jair Bolsonaro não teria crescido tanto nas pesquisas do Datafolha, saindo de 22% em agosto para 32% na mais recente consulta aos eleitores. Avanço de 10 pontos percentuais. Fernando Haddad cresceu na esteira da indicação de Lula da Silva, o que era mais que previsível: saiu de 4% para 21%, onde parece estacionar de vez. Ciro Gomes tinha 10% em agosto e agora tem 11%, Geraldo Alckmin tinha 9% e segue com 9%, Marina Silva tinha 16% e caiu para 4% (foi engolida por Haddad na vertente esquerdista do eleitorado) e os demais seguiram no lamaçal da imobilidade numérica. 

Que provas querem mais os ilusionistas para aposentarem um recorte tão esdrúxulo? Chega de manipulações -- por negligência, burrice ou capciosidade. 



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