Política

Ibope e Datafolha erram demais e
precisam redefinir metodologias

DANIEL LIMA - 11/10/2018

Para que serviram as pesquisas eleitorais à presidência da República e a governos de Estado no primeiro turno? Vou tomar emprestado uma declaração enfática de Mauro Paulino e Alessandro Janoni, em artigo assinado na Folha de S. Paulo de ontem, para traduzir sem cerimônia: para nada, absolutamente nada. Ou melhor: observada de perto, bem de pertinho, cada pesquisa serve mesmo como correia de transmissão de interesses não identificados, mas passíveis de especulações. Vou tratar desse assunto em outros artigos no decorrer da campanha eleitoral. Aliás, trata-se de continuidade, porque já meti meu bedelho no primeiro turno.  

O Ibope Inteligência e o Datafolha erraram tanto às vésperas das eleições que não é possível acreditar que desprezem uma providência imediata se pretenderem sustentar credibilidade emprestada principalmente pelos veículos de comunicação dos dois grupos que, ao debaterem detidamente os dados, conferem aos trabalhos garantia de qualidade que não resiste a testes de bom senso.  

Que conselho daria aos dois institutos? Tratem de passar sebo nas canelas para reconquistar o público que deu de pinote ou não os leva tão a sério como em outros tempos. As redes sociais e os aplicativos são ferramentas mobilizadoras para o bem e para o mal no combate a distorções interesseiras ou não dos poderes tradicionais da grande imprensa.  

Estágio de desconfiança  

Não bastasse o estágio de desconfiança popular gerado pelas próprias deficiências metodológicas aplicadas, outros institutos de pesquisa ajudam a difundir numeralhas por todos os cantos, comprometendo para valer o valor institucional dessa atividade tão importante para quem quer entender o andar da carruagem das eleições. 

Para não dizerem que estou exagerando na dose de desclassificação, suspeição ou qualquer coisa que coloque a escanteio o valor de pesquisas eleitorais nestes novos tempos de multiplicidade de plataformas de comunicação que pressionam o eleitorado, eis que retiro do próprio artigo do diretor-geral e do diretor de pesquisas do Datafolha um trecho mais que condenatório ao trabalho executado. Leiam: 

 ”A única pesquisa que pode ser comparada com o resultado final é o da boca de urna, realizada depois da votação. Não é uma pesquisa de intenção de voto, questionando o eleitor sobre algo que ainda vai fazer. Entre a intenção e a concretização da escolha, como se viu, variáveis agem sobre a escolha. A boca de urna é um levantamento sobre o que ele já fez, o candidato em quem ele acabou de votar. Retrata o fenômeno em si, no dia em que ele de fato acontece. Por isso os números da pesquisa divulgada pelo Ibope após a votação do último domingo ficaram tão próximas dos apurados nas urnas, confirmando boa parte das tendências e curvas que ambos os institutos captam na véspera” – escreveram os especialistas. 

Traduzindo a mensagem 

Qual é a tradução dessa resposta entre leitores medianamente questionadores? E para um leitor que é jornalista apaixonado por estatísticas em geral, eleitorais e esportivas em particular? Vou tentar esclarecer. 

O que os diretores do Datafolha disseram aos leitores do jornal Folha de S. Paulo tem o mesmo sentido de considerar normal que um suposto portador de enfermidade, monitorado por uma junta médica e que recebe doses regulares de medicamentos, permaneça internado por longas jornadas até, finalmente, cirurgia programada, recebe a informação de que não terá mais de passar por procedimento radical, porque os exames não eram tão ruins assim. Ou o inverso, de um suposto enfermo aparentemente pronto para receber alta e, de repente, é surpreendido com a emergência de uma intervenção operatória.  

É razoável do ponto de vista defensivo que os executivos do Datafolha procurem mitigar os estragos causados por resultados extravagantes que saltaram a muralha dos dois pontos percentuais para mais ou para menos da margem de erro. E que por isso fazem exercícios teóricos estruturalmente gelatinosos. Só não é razoável que se acredite neles messianicamente.  

Não vale nada mesmo?  

É impossível entender como resposta sustentável a declaração que desconsidera as intenções de voto e que, portanto, o que vale mesmo é a bola na rede das urnas apuradas. Chega a ser afrontoso admitir que as rodadas de intenção de votos não valem praticamente nada porque o que interessa mesmo é o voto consumado após passar pelo que os dois especialistas chamam de volubilidade do eleitorado. A resposta mais ajuizada é que a metodologia de cada instituto precisa ser equacionada aos novos tempos de relacionamentos virtuais.     

Os números finais envolvendo a disputa presidencial não foram calamitosos para o Datafolha e para o Ibope, mas fugiram da bitola do razoável. Na véspera da disputa, Bolsonaro superava Fernando Haddad por 40% a 25% no Datafolha e por 41% a 25% no Ibope. Coincidentemente, os dois institutos correm praticamente na mesma raia em várias pesquisas. Nas urnas, Bolsonaro chegou a 46% e Haddad a 29%. Fora da margem de dois erros para mais ou para menos.  A previsão, noticiada fartamente, de que Ciro Gomes estava em franca subida, não se confirmou. O pedetista contava com 15% dos votos do sábado no Datafolha e ficou com 13% após a votação. No Ibope, praticamente não se moveu, de 13%c para 14%. 

Os executivos do Datafolha que assinaram o artigo na Folha de S. Paulo procuraram, contraditoriamente, dar substância teórica às pesquisas de primeiro turno ao remetê-las ao campo da formação de voto. Só não disseram que por razões não exatamente à disposição da transparência que se exige, esse desenrolar cronológico também pode ser utilizado de forma pouco ética. O jornal Valor Econômico de hoje, ao publicar os resultados da primeira rodada de pesquisas eleitorais para a presidência da República no segundo turno aponta, sem vetor crítico, apenas expositivo, uma das possibilidades entre muitos de as pesquisas eleitorais não cumprirem o papel esclarecedor que se espera quando há em disputa a Presidência da República. Vou reproduzir integralmente os trechos da matéria do Valor Econômico: 

 Simulações de segundo turno feitas pelo Datafolha antes de domingo, porém, mostravam uma disputa final mais equilibrada entre Bolsonaro e Haddad. Em cinco levantamentos apurou-se empate técnico entre eles. Na pesquisa de 26 a 28 de setembro, Haddad apareceu na frente, com 45% a 39%. No último levantamento antes do primeiro turno, nos dias 5 e 6 de outubro, o resultado foi de ligeira vantagem para o candidato do PSL: 45% a 43%.  

Resultados extravagantes 

Como se explica, então, que Jair Bolsonaro tenha saído na dianteira, com vantagem de 16 pontos percentuais nos votos válidos (58% a 42%) na primeira rodada de intenções de voto no segundo turno. Quem especular que houve uma tentativa infrutífera de represar a votação no capitão reformado do Exército estaria cometendo crime? Só releva essa possibilidade quem desconhece ou minimiza a preferência quase generalizada dos meios de comunicação impressos e digitais pela candidatura do petista Fernando Haddad.  

Na disputa pelo governo do Estado de São Paulo os erros foram bem mais graves porque a previsão da véspera de que Paulo Skaf contava com vantagem de seis pontos percentuais contra Márcio França (26% a 20%), não se confirmou nas urnas: França venceu por 22% a 21%. Sete pontos de diferença entre uma situação e outra. Também os números do petista Luiz Marinho foram subestimados: a pesquisa publicada sábado apontava 8% e o petista chegou a 13%. No Ibope, véspera da disputa, Paulo Skaf contava com 30% dos votos (apenas 2% abaixo de João Doria) e Márcio França 18%. Resultado final: 22% a 21% para Márcio França. Diferença de 13 pontos percentuais. 

Rio de Janeiro e Minas Gerais, entre outros Estados, também viraram cadafalsos dos dois institutos de pesquisa. No Rio, o afastamento judicial de Anthony Garotinho mudou o rumo da disputa na semana final. Mas o salto quântico do juiz Wilson Witzel não foi identificado. Véspera da disputa, no Datafolha, Witzel contava com 17% das intenções de votos. Tanto quanto Romário e bem abaixo dos 27% de Eduardo Paes. No dia seguinte, urnas abertas, Witzel ganhou com facilidade: 41%, contra 20% de Eduardo Paes e 9% de Romário. No Ibope, na véspera, Wilson Witzel contava com 12% dos votos, Romário 20% e Eduardo Paes 32%. Urnas abertas no dia seguinte, Witzel chegou a 41%, Eduardo Paes caiu para 20% e Romário não passou de 9%. 

Completando o grupo de corridas eleitorais que causaram transtornos aos dois institutos (além de outras praças menos importantes para o conjunto da obra nacional), em Minas Gerais o Datafolha apontou que Antonio Anastasia contava com 40% das intenções de voto na véspera da disputa, contra 29% do petista Fernando Pimentel e 24% de Romeu Zema, do Novo. Urnas abertas, Zema somou 43%, Anastasia 29% e Pimentel 23%. O Ibope seguiu linha parecida: 23% para Romeu Zema, 25% para Pimentel e 42% para Anastasia no dia anterior à disputa. Urnas abertas, a arremetida de Romeu Zuma. 

Leiam também:  

25/09/2018 - Voto consolidado é caminhão; projeção para 2º turno é lixo 

21/09/2018 - Pesquisas distorcem resultados de rejeições e do segundo turno 



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