Política

Resultados sinalizam PT
mais forte às prefeituras

DANIEL LIMA - 29/10/2002

Embora a transposição das eleições à Presidência da República e ao governo do Estado para as disputas municipais de daqui a dois anos seja temeridade, porque não faltam vetores que poderão influir decisivamente nos próximos resultados, não há como resistir a interpretações. Qual seria o recado que os eleitores de cada um dos sete municípios da região deram aos políticos locais que pretendam se candidatar ao comando dos respectivos Paços Municipais em 2004? 

Como não tenho por hábito exercitar o medo analítico, mas também não gosto de meter a mão em cumbuca, decidi fazer algumas incursões com base nos resultados do segundo turno das eleições. O que vai se seguir tem como eixo interpretativo a gestão da Presidência da República sem surpresas em 2004. O que significa sem surpresas? Que o governo Lula da Silva nem seja um improvável felizardo de navegar em céu de brigadeiro nem um igualmente improvável azarado de enfrentar borrasca nacional e internacional. 

Um governo Lula da Silva de 2004 dentro do quadro comum de gerenciamento federal deste País, com sucessos aqui, insucessos ali, alinhava o seguinte quadro eleitoral às prefeituras do Grande ABC:

Em Santo André, Avamileno está com o caminho aberto 

 Em Santo André, depois que Duilio Pisaneschi e Newton Brandão foram atropelados pelos eleitores em 6 de outubro, e depois que Luiz Carlos da Silva, o Professor Luizinho, alcançou quase 100 mil votos no Município, nada parece obstar os passos para o Partido dos Trabalhadores chegar ao tricampeonato municipal. A não ser que os oposicionistas encontrem alguém com perfil semelhante ao de Geraldo Alckmin -- o que parece bastante improvável. O eleitorado que consagrou Lula da Silva no Município com 65,6% dos votos válidos certamente consagrará João Avamileno, da mesma linhagem síndico-ideológica. 

A oposição ficou órfã e baratinada ao sair pela culatra o tiro de denúncias eleitoreiras contra o governo petista de Santo André. Até agora o deputado federal não-reeleito Duilio Pisaneschi não conseguiu assimilar o golpe. Ele se imaginava descobridor de uma fórmula mágica de destruição do adversário, consubstanciada na lubrificação do irmão de Celso Daniel como agente denunciatório de supostas mazelas petistas. Além de o inquérito cair no vazio por falta de provas, Duilio Pisaneschi atraiu contra si toda a fúria da militância governista que o nocauteou no pleito proporcional. Newton Brandão parece ter eleitorado cada vez mais escasso, na medida em que coleciona novas primaveras em proporção semelhante ao grosso de seus admiradores. Sofre da síndrome da renovação do eleitorado. Seu voto estaria mais para o reumático do que para o atlético. 

Restaria Celso Russomanno como eventual adversário de João Avamileno. A falta de identidade municipal provavelmente desmancharia as possibilidades do deputado federal. Quaisquer outros nomes que venham a ser propostos não terão a densidade que uma região sem meios de comunicação de massa é incapaz de produzir em tempo tão escasso. À falta de perfil que se assemelhe ao de Geraldo Alckmin -- na verdade um Celso Daniel mais à direita -- o eleitorado de Santo André deverá embarcar na candidatura de João Lula Avamileno da Silva.

Em São Caetano, PT é ameaça à centro-direita 

 Em São Caetano, seria melhor desde já o prefeito Luiz Tortorello tratar de definir eventual substituto porque o petista Hamilton Lacerda, líder dos votos no Município para deputado estadual, à frente de Marquinho Tortorello, pode levar o PT pela primeira vez ao Paço Municipal. Hamilton Lacerda é um Alckmin mais à esquerda e aproxima-se cada vez mais do gosto do eleitorado de São Caetano. A votação de José Genoino no Município, com 33.998 votos, contra 55.637 de Geraldo Alckmin, demonstra que há uma conversão à esquerda de um eleitorado até então de direitíssima. Hamilton Lacerda tem perfil mais ao gosto de São Caetano quando comparado a José Genoino. Será que Luiz Tortorello conseguirá uma réplica de Alckmin?

Quem sairia da cartola situacionista em São Caetano? Se for um dos secretários municipais de Luiz Tortorello, a alternativa poderá se revelar idiossincrática. Um Silvio Minciotti, de reputação impecável, talvez se apresente como o contragolpe ideal de Tortorello contra o avanço petista. Mas aí vigerá uma contradição: Minciotti está distante do messianismo do chefe do Executivo. 

Sem definir candidato, PSDB é ameaçado em São Bernardo

 A situação em São Bernardo é dramática para o Paço Municipal. Tanto no primeiro quanto no segundo turno o PT ganhou fácil para a Presidência e para o governo do Estado. No segundo turno, mesmo com batalhões de comissionados municipais postos nas ruas, Geraldo Alckmin não conseguiu superar Genoino. Luiz Marinho, mais que Vicentinho Paulo da Silva, é favoritíssimo à sucessão de Maurício Soares que, dizem as más línguas, detesta fazer sucessor. Tanto que até agora não se definiu por uma candidatura minimamente capaz de manter o situacionismo no Paço. Willian Dib, Ademir Silvestre, Admir Ferro, Orlando Morando, Edinho Montemor e Otávio Manente provam a diversidade do cardápio de dúvidas de Maurício Soares. 

Esquerdas dão as cartas para valer em Diadema 

 Em Diadema, só as esquerdas dão as cartas. O prefeito José de Filippi Júnior concorrerá à reeleição petista tendo como prováveis adversários um Gilson Menezes e um José Augusto que sentirão falta da máquina administrativa. Só mesmo por meio de quase impossível união de Gilson e José Augusto o governo petista seria colocado em risco. A direita ou a centro-direita tem tanto futuro em Diadema quanto Ronaldinho em virar exemplo de integridade física. 

Leonel Damo pode ter jogado fora a possibilidade de vencer

 A derrota acachapante de Leonel Damo na corrida à Assembléia Legislativa e as votações maciças de Wagner Rubinelli e Donizete Braga em 6 de outubro se somam ao predomínio asfixiante de Lula da Silva e José Genoino nos dois turnos para construir a forte possibilidade de o PT manter-se no poder em Mauá. O prefeito Oswaldo Dias está impossibilitado de concorrer. Acordos preliminares que dariam a Márcio Chaves o direito de concorrer à sucessão municipal parecem ser o maior empecilho à vitória petista. Tanto Rubinelli quanto Donizete Braga são mais viáveis eleitoralmente, como provaram em 6 de outubro. Depois de acumular capital respeitável na disputa com Oswaldo Dias, em 2000, quando chegou a ameaçar a vitória petista, Leonel Damo sai bastante chamuscado do pleito proporcional desta temporada. Jogou fora grande parcela da credibilidade que assustava os petistas. Seria muito melhor se não tivesse se aventurado à Assembléia. 

A inserção social do PT em Mauá, numa réplica de Diadema, parece que está forjando nova porção centro-esquerdista praticamente imbatível no Grande ABC. 

Ribeirão e Rio Grande: tudo indica que PT vai permanecer

 Maria Inês Soares deverá fazer o sucessor petista em Ribeirão Pires porque faltam adversários oposicionistas. Embora menos centro-esquerdista que a vizinha Mauá, Ribeirão Pires também vai-se moldando ao jeito petista de governar. O ex-deputado Clóvis Volpi é um concorrente que tem muitas qualificações, mas lhe falta o principal: recursos de financiamento para enfrentar a equipe de situação. 

 Rio Grande da Serra, também petista, deverá repetir a vitória da temporada passada por razões semelhantes às de Ribeirão Pires, com a desvantagem de que não conta com alguém minimamente parecido com Clovis Volpi. 

Tudo indica que região vai ser ainda mais centro-esquerdista

Por todos esses aspectos sumariamente descritos e conectados com a gestão petista do governo federal sem sobressaltos, é mais que provável que o Grande ABC será ainda mais centro-esquerdista na próxima quadra eleitoral municipal. 

O respiro centro-direitista de São Caetano nunca esteve tão ameaçado. É por essas e outras que o prefeito Luiz Tortorello sumiu do noticiário durante o segundo turno das eleições presidenciais, depois de anunciar, dias antes do primeiro turno, apoio imediatamente suprimido a Lula da Silva. Tortorello sabe tanto quanto Maurício Soares, Leonel Damo e outros oposicionistas regionais que com Lulalá o PT fica mais forte na região.  

O que seria da eleição se Mercadante concorresse?

Fosse o candidato ao governo do Estado outro que não José Genoino, o Partido dos Trabalhadores teria conseguido melhor resultado e, quem sabe, até derrotaria Geraldo Alckmin? Genoino é íntegro, competente, mas sua figura não combina com a média do eleitorado paulista e paulistano. Talvez num próximo pleito majoritário o público se convença de que Genoino não é um cearense arretado que se contrapõe a um paulista com cara quatrocentona como preconceituosamente parte do eleitorado o tratou. 

O fato é que, considerando-se o grau de conservadorismo do eleitorado paulista,  o PT não escolheu bem o candidato ao governo de São Paulo. Genoino deveria ser o candidato a senador e Aloisio Mercadante o opositor de Alckmin. 

O PSDB também contou com o fator sorte, além das qualidades técnicas de seu candidato: a morte de Mario Covas abriu espaço para Geraldo Alckmin alçar vôo próprio na reta de chegada da competição, reduzindo as gritantes falhas no setor de segurança pública. Se Covas não tivesse morrido, Alckmin teria a opacidade típica dos vices e certamente não exercitaria discurso de credibilidade. 

Política também se faz com imponderáveis de um lado e equívocos, de outro. 

Duilio Pisaneschi vai virar secretário de Estado?  

É improvável que, derrotado à reeleição, Duilio Pisaneschi seja mesmo chamado para uma secretaria de Estado do governo Geraldo Alckmin. O próprio ainda deputado federal nega que tenha sido consultado, mas a propagação da informação tem sentido implícito de dar representatividade a um eventual aliado que possa, ao sair das cinzas, disputar a Prefeitura de Santo André. O problema todo é que a secretaria sugerida é justamente a de Negócios Metropolitanos, um assunto estranho para Duilio. Basta lembrar a resposta que se seguiu à pergunta lhe feita pela jornalista Vera Guazzelli, de LivreMercado, a respeito da criação do Estado da Grande São Paulo, constitucional ou institucionalmente: "É uma bobagem". 

Quem conhece a problemática metropolitana jamais desdenharia a proposta do Instituto de Estudos Econômicos Fernand Braudel, defensor de ações especificamente sistêmicas entre os 39 municípios da Grande São Paulo, região de 18 milhões de habitantes. Tanto quanto os 750 municípios do Estado de Minas Gerais.  

Debandada regional com a vitória de Lula da Silva?

Tudo indica que as administrações públicas petistas do Grande ABC vão sofrer muitas baixas com a vitória de Lula da Silva à Presidência da República. A vidraça brasiliense é imensa demais para o PT deixar de concentrar em torno do novo presidente os melhores quadros municipais e estaduais. A Prefeitura de Santo André, que perdeu vários executivos de nível para o governo de Marta Suplicy, poderá ter vários desfalques. Um dos quais é Jeroen Klink, secretário de Relações Internacionais especialista em regionalidade, assunto sobre o qual Lula da Silva constituirá Ministério específico. 

A eventual saída de Jeroen Klink pode embolar ainda mais o jogo no meio de campo da Agência de Desenvolvimento Econômico. Uma profissional que vinha sendo contatada para substituir o inesquecível trapalhão João Batista Pamplona provavelmente também baterá asas em direção a Brasília. 

Estudo de Capital Social vira tema da TV Globo 

A afiliada da TV Globo de Campinas prepara matéria especial sobre o comportamento do ICMS em Campinas, comparativamente ao Grande ABC. O jornalista Dalton Almeida nos procurou nesta manhã para obter informações complementares às que o também jornalista Marcelo Moreira publicou na edição de hoje no Caderno Estado de São Paulo da Gazeta Mercantil, sob o título "ICMS migra do ABC para Campinas".

Como sempre ético e cortês, Marcelo Moreira produz o material para a Gazeta Mercantil citando a fonte deste Capital Social. "Campinas é a grande algoz econômica do ABC. Essa é a conclusão de um estudo recém-elaborado pelo boletim eletrônico Capital Social Online, divulgado na semana passada. Em uma comparação feita entre as duas regiões durante os oito anos de governo Fernando Henrique Cardoso e de vigência do Plano Real, tomou corpo a dolorida constatação para as sete cidades da Grande São Paulo que compõem o ABC: enquanto esta teve uma queda de 34% de seu valor adicionado (importante componente na definição do repasse do ICMS, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) desde 1994, a Região Metropolitana de Campinas teve um acréscimo de 24% no mesmo período" -- escreveu Marcelo Moreira.

Alguns outros trechos da reportagem da Gazeta Mercantil:

 Campinas acabou sendo o destino da maioria dos investimentos antes destinados a potências como Santo André, São Bernardo e São Caetano, bem como o endereço de empresas que antes estavam nestas cidades.

 O tamanho do rombo regional tem desdobramentos: em 1994 o Grande ABC tinha Valor Adicionado equivalente a 26,7% da geração de riqueza da Região Metropolitana e a 13,89% do Valor Adicionado do Estado de São Paulo. Em 2001, caiu para 18,5% da RMSP e 8,98% do Estado. 

 Depois da Capital, é a chamada Grande Campinas que detém o maior PIB estadual. Com uma vantagem que a Grande São Paulo não oferece: compatibiliza, exceto em Campinas, a qualidade de vida acoplada à fertilidade profissional. Campinas e região são extremamente modernas em tecnologia e em diversidade de matrizes econômicas. 

O trabalho jornalístico de Marcelo Moreira vai muito além da interpretação fiel das informações e da análise de Capital Social Online. 

Vejam só o que disse o coordenador de Alckmin

Não me assustei com o que li hoje no Diário do Grande ABC porque já estou acostumado com desinformação de protagonistas do jogo político, econômico e social que se utilizam de veículos impressos diários para destilar fantasias. O que disse o coordenador da campanha tucana ao governo do Estado, o ex-secretário estadual de Agricultura, João Carlos Meirelles, não é algo que se possa deixar passar em branco: "Representa (a reeleição de Alckmin), em primeiro lugar, a consolidação de um modelo político responsável pelo extraordinário desenvolvimento que São Paulo vem tendo nesses últimos sete anos e meio, com as contas em ordem e vigorosíssimo programa de desenvolvimento que, naturalmente, produz seus efeitos" -- afirmou Meirelles.

Para que a verdade seja instaurada, sem viés político-partidário: nos sete anos do governo Mario Covas-Geraldo Alckmin, completados em dezembro do ano passado, segundo dados oficiais, o Estado de São Paulo perdeu 3% de Valor Adicionado em termos absolutos e 12% de riqueza produtiva per capita, além de colecionar desempenhos erráticos entre as 15 regiões administrativas em que se divide, todas ou quase todas sem qualquer planejamento estratégico. Comparativamente ao desempenho nacional, São Paulo vem perdendo mais e mais participação absoluta e relativa do setor industrial. 

É tão verdadeira a perda de riqueza que o governador Geraldo Alckmin, no calor das comemorações da vitória de domingo, anunciou em entrevista que pretende -- finalmente!!!! -- estabelecer um projeto de desenvolvimento econômico regionalizado. Está descobrindo a pólvora que é a base do sucesso econômico dos Estados Unidos.

É por essas e outras deformações típicas de dar à raposa a responsabilidade de cuidar das uvas que uma das questões nucleares deste Capital Social Online e da revista LivreMercado é metabolizar as informações dos entrevistados sempre que estiverem contaminadas de interesses específicos. Jornalismo puramente informativo é o melhor instrumento para maus-tratos da verdade. 

Gata Borralheira também na Faculdade Anchieta 

Estive ontem à noite por mais de duas horas abrindo a II SEAD (Semana de Administração da Faculdade Anchieta). Falei para mais de 200 alunos e professores sobre a economia do Grande ABC, tendo o Complexo de Gata Borralheira como âncora obrigatória. É lógico que a eleição de Lula da Silva permeou a palestra seguida de debate. A inevitável pergunta sobre a falta de diploma universitário do presidente eleito foi respondida e será tema de uma das próximas edições deste Capital Social Online, agora que os ânimos se acalmaram e provavelmente o preconceito já não está mais exacerbado. 

É claro que distribuímos muitos exemplares de Gata Borralheira e também de Nosso Século XXI, que ainda temos em estoque. Sem contar dezenas de exemplares de edições históricas de LivreMercado que cantaram todas as caçapas da institucionalidade regional, enquanto as demais mídias derramavam-se em idiotices. Sai da Faculdade Anchieta, em São Bernardo, carregado de lembranças e com a consciência tranquila porque mais uma vez tive a oportunidade de enfatizar o que tenho escrito nesta newsletter e na revista LivreMercado. 



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