Política

Em quem devemos
votar no Grande ABC?

DANIEL LIMA - 05/07/2006

Com o terceiro colégio eleitoral mais numeroso do País, superado apenas pela Capital e Rio de Janeiro, o Grande ABC vive às vésperas de mais uma safra de votos em que a mensagem subliminar ou atrevidamente mais objetiva é quase que uma cobrança ao espírito de regionalidade lembrado geralmente apenas quando se trata de interesses específicos: prestigiem os candidatos da região para que seja possível compor a Bancada do Grande ABC tanto na Assembléia Legislativa quanto na Câmara Federal. 

Até que ponto essa quase ordem unida propagada de forma organizada a partir de 1994, quando da criação do Fórum da Cidadania, está afinada com pressupostos de fortalecimento dos sete municípios locais? 

Primeiro é preciso desmistificar uma idéia tão malandramente reprisada que aos incautos parecerá verdadeira: a Bancada do Grande ABC que para os triunfalistas é uma realidade histórica, não passa mesmo de falácia, uma bobagem. As diferenças partidárias, ideológicas e comportamentais jamais possibilitaram que o Grande ABC tivesse tido ao longo da história qualquer relação substantivamente produtiva de cooperativismo entre os deputados estaduais e entre os deputados federais. Portanto, não acredite em fraseologias de devoção regional. Tudo ou quase tudo que se explorou até agora com a chancela de integração regional não passa de cortina de fumaça. 

Pregações de fortalecimento conjunto dos municípios locais não faltaram entre quem já esteve ou está no Poder Legislativo. Entretanto, na prática, o território de mais de 800 quilômetros quadrados se esfarela no cotidiano do salve-se-quem-puder da atuação parlamentar. As exceções de raríssimos projetos de alcance regional confirmam a regra geral de individualismo que também pode ser interpretado como instinto de salvação política. 

Minorias quase desprezíveis tanto em São Paulo quanto em Brasília, deputados do Grande ABC praticamente desaparecem nas brumas dos históricos caciques de agremiações partidárias que frequentam seletivamente o noticiário da mídia mais poderosa. A burocracia das casas de leis os consome. Levadas por intermináveis demandas circunstanciais, assessorias parlamentares deslocam para outros terrenos e temários eventuais interesses de ações regionais. Os deputados acabam institucionalizados pelas demandas gerais, que consiste em tentar fazer de tudo um pouco. Como os eleitores da região repetem o ritual dos brasileiros e mal se lembram em quem votaram nas últimas disputas proporcionais, praticamente se dissolve qualquer possibilidade de cobrança de promessas ou de monitoramento de propostas. Onde falta cidadania sobra demagogia e disso se valem oportunistas de ocasião.

Como zumbis — Deputados estaduais e federais do Grande ABC repetem enredos de baixa produtividade como Carnaval na passarela da dispersividade. São autênticos zumbis a vagar entre as casas de leis que tanto ambicionaram mas onde se sentem praticamente inúteis, e seus redutos eleitorais, onde precisam manter bases de convencimento e sensibilização para as próximas eleições. Sentem-se nas alturas quando um ou outro industrializador de ilusões os colocam como componentes da Bancada do Grande ABC, algo tão abstrato quanto ilusionista. Chegam até a acreditar que esse devaneio de insones é verdadeiro, como se o domicílio regional que os une tivesse o condão de lhes conferir passaporte de regionalidade. Até exibem coleção de preciosidades assistencialistas para provar que de fato trabalharam pela região. Mas não falta quem esconda recursos orçamentários destinados a localidades distantes da região. Aqueles municípios são espécie de reservas naturais de votos menos politizados que os de regiões metropolitanas. Sobram conjecturas que estimulam a investir mais em votos menos suscetíveis ao poder crítico do morador metropolitano. Mais que isso: vistos em muitos casos como gatas borralheiras locais, travestem-se de cinderelas em outras plagas. 

Não bastassem as disputas por espaço político nas casas de leis de São Paulo e de Brasília, deputados eleitos sofrem com a ciumeira nos redutos eleitorais em que organizam campanhas. Quem estiver próximo do Paço Municipal, do governo do Estado e do governo federal poderá beneficiar-se da máquina pública. Principalmente se o passo mais próximo for a perspectiva de ocupar a cadeira do atual prefeito. Quem for hostil ao Paço Municipal, ao governo do Estado e ao governo federal vai ter de se virar para sustentar a possibilidade de reeleição. É nessa correria entre tentar legislar numa casa excessivamente atravancada pela burocracia e a necessidade de sobreviver eleitoralmente que os deputados se debatem. Por isso perdem o rumo de questões substantivas. Passam mais tempo articulando pontes que possam evitar isolamentos em nível municipal, estadual ou federal. Quem não tiver os pés pelo menos em uma dessas canoas, afundará. 

Em defesa da falta de compromisso com o futuro que caracteriza deputados eleitos no passado ou no exercício do mandato há o que se poderia chamar de vulgarização da pauta jornalística. A enfermidade consiste no distanciamento das mídias impressas e audiovisuais das questões realmente importantes para a sociedade. A pauta política que se origina nas redações de jornais é tão pobre e interesseira quanto a que os políticos fazem em mão inversa, para sensibilizar os jornalistas. Há um pacto surdo e mudo pelo aparecer de qualquer maneira. Nesse caso, geralmente, qualquer maneira significa a espetacularização.

Os temários que de fato poderiam alterar o rumo de uma metrópole como São Paulo, ainda recentemente assaltada pelo terrorismo do PCC (Primeiro Comando da Capital) viram pó diante da frequência com que ondas de denuncismos geralmente inconsequentes e intrigas partidárias assomam espaços de informação. Para não perder a onda, eventuais parlamentares menos sensacionalistas acabam por dobrar-se à maioria. Quem se apresentar como opositor cairá no esquecimento. 

Um exemplo irrepreensível do quanto a mídia e os parlamentares se juntam na prática de jogo político sem profundidade e compromisso com mudanças é o projeto de criação da Região Metropolitana de São Paulo. Quem recorrer às coleções de jornais ou a bancos de dados de emissoras de televisão constatará que essa que é uma condição elementar para retirar a área da zona do sombreamento social só de vez em quando e muito fortuitamente recebe atenção. Deveria ser prioridade diária para instaurar ambiente de resolutividade em vez de procrastinação contínua. 

Provavelmente se os deputados estaduais e federais da região — assim como de outros Estados da Federação — se dispusessem a declarar publicamente como se sentem como legisladores, expressando opinião com sinceridade que poucos reúnem até mesmo porque precisam sobreviver politicamente, o resultado seria preocupante para quem espera da atividade política objetividade e celeridade nas decisões. Ainda recentemente um deputado estadual do Grande ABC se confessou desiludido na Assembléia Legislativa. Resumidamente, ele se sentia um motorista cujo veículo não conseguia engatar sequer a primeira marcha. Nem por isso deixará de concorrer às próximas eleições. Até porque está de olho no Paço Municipal, sempre visto como prêmio maior para quem passa pelo purgatório legislativo. 

Fragmentação — Por mais que se pretenda transmitir a idéia de que a Bancada do Grande ABC é expressão em defesa da regionalidade do voto e, portanto, de prática que se confunde com aprendizado que, vista em projeção, poderia dar identidade política à região, a realidade histórica é que a nova versão de valorização do eleitorado dos sete municípios se comprovou uma fraude. Fosse o Grande ABC menos fragmentado politicamente, seria possível construir pauta única, concisa e vigorosamente comprometida com o adensamento do sentido central de integração regional. 

Mas essa perspectiva se desmancha quando se sabe que o Grande ABC é apenas uma figura de imagem, porque carrega muitas outras fragmentações típicas de bairrismos que emergiram dos movimentos emancipacionistas do século passado. Um teste? Há mais de uma década se fala da possibilidade de juntarem-se associações comerciais e industriais dos sete municípios e cada vez mais seus dirigentes se mantêm arredios. 

A formalização dessa macropauta poderia ser organizada, preparada e monitorada por instituições empresariais, sociais e acadêmicas realmente comprometidas com o Grande ABC do futuro. Entretanto, por mais terrível que possa parecer, principalmente porque já se invadiu o século XXI e a região sofre as consequências da década de horrores que foram os anos 1990, não há nenhuma entidade minimamente capaz, desperta e respeitada para esse empreendimento. 

Já imaginaram quão interessante seria se, por exemplo, 10 quesitos de sobrevivência regional fossem antecipadamente acordados entre candidatos a deputado estadual e a deputado federal que pretendem usufruir do diploma ainda fajuto de Bancada do Grande ABC? Mais que isso: que os eleitos fossem submetidos a sabatinas periódicas, em grupos, por representantes de instituições fiscalizadoras do decálogo, a prestar conta das atividades específicas da macropauta? 

Entre os problemas endêmicos do Grande ABC está a falta de compromisso com a regionalidade. As pautas dos parlamentares derivam de pressões geralmente erráticas das bases que os elegem, quando se confundem causas e efeitos. Uma macropauta regional colocaria o trem das prioridades nos trilhos da estratégia. 

É possível que não faltarão proteladores de plantão que enxerguem problemas irreversíveis onde há soluções palpáveis. Uma pauta de 10 itens que comporiam algo como a cesta básica de desenvolvimento econômico sustentado do Grande ABC não é um bicho-de-sete-cabeças. Pelo contrário. O obstáculo à construção dessa seleção de prioridades é a tendência de movimentos coletivos trocarem os pés do substancial pelo varejo do acessório. Por isso é indispensável que o eixo das ações seja exatamente a recuperação econômica da região, sem a qual todo o restante se esvai. Como está caracterizado no lento, gradual mas insidioso processo de empobrecimento da população regional.

Tudo isso, entretanto, beira a romantismo, sem dúvida, porque o Grande ABC vive os piores rescaldos dos abusos institucionais que patrocinou no passado. O Fórum da Cidadania foi o grande achado e o imenso pecado vivido pela região no final do século passado. A entidade aparentemente mobilizadora de lideranças diversas virou pó quando se deixou capturar pela política partidária, pelo estrelismo diretivo, pela dispersão temática e por tantos outros equívocos. 

O que surgiu como fonte equilibradora do jogo institucional acabou se convertendo em cadafalso dos ideais de regionalidade. Há pelo menos oito anos quem comanda o ritmo no Grande ABC é o Poder Público, maior beneficiário do cadáver ainda insepulto do Fórum da Cidadania. As representações econômicas (empresas e sindicatos) e os movimentos sociais perderam a disputa, amesquinharam-se em festejos sem relevância reformista. 

O tripé governo-mercado-sociedade está completamente manquitola. Os governos locais comandam galhardamente o espetáculo. Isso é muito ruim inclusive para seus representantes. Nada sobrevive com qualidade quando há distorções tão flagrantes. Os 10 mandamentos para o Grande ABC recuperar parte das riquezas perdidas, que balizariam a atuação dos deputados eleitos em outubro próximo, provavelmente já estariam definidos sob o conceito de desenvolvimento econômico sustentado se a comunidade regional não estivesse tão dispersa quanto desinteressada. 

Exatamente porque o Grande ABC não tem conseguido articular-se e mobilizar-se para propor medidas essenciais à reestruturação econômica, LivreMercado decidiu preparar pauta de 10 pontos que considera essenciais para o futuro. Na maioria dos casos os quesitos dessa listagem não formam novidade editorial. De alguma forma, ao longo de mais de uma década e meia de circulação, LivreMercado tem apresentado série de propostas para dinamizar a economia regional. Mesmo considerando a inapetência coletiva da região, LivreMercado tem insistido em oferecer cardápio de sugestões porque entende que é tão imperioso encontrar o caminho da rede da objetividade como a esperança de que mais dia menos dia haverá respostas às demandas cada vez mais latentes. 

Esta é a primeira vez, entretanto, que, sob mote de motivação ao voto regional com qualidade, apresenta-se agrupamento de idéias que convergem para um mesmo destino: a necessidade de instâncias políticas, empresariais, sindicais e sociais vislumbrarem com foco seletivo um norte de resoluções que possam virar medidas reformistas. 

Ovo de Colombo — O encaixe dos 10 pontos nucleares que LivreMercado analisa para degelar o ambiente de introspecção institucional do Grande ABC é aparentemente simples, mas, como o Ovo de Colombo, requereu estruturalmente o que pode ser chamado de conceito consolidado das expectativas do Grande ABC. 

A sensação que a região transmite, decorrente da atomização institucional, é que agentes públicos, sociais, empresariais e sindicais formam seleção cujos atletas vestem camisas de suas equipes de origem em vez do uniforme oficial. E como apresentam cores múltiplas, acreditam que possam ganhar o campeonato desprezando o coletivo. Mais que isso: não há quem deixe de ver o companheiro com desconfiança, travestido de adversário. O Grande ABC é o paradoxo de individualidades experientes e conhecedoras dos dramas sociais que, todavia, não conseguem trabalho coletivo direcionado para estancar a hemorragia de problemas decorrentes da decadência econômica. 

Por isso, os 10 pontos sugeridos por LivreMercado pretendem harmonizar os objetivos em comum que devem imperar num Grande ABC multifacetado. São espécies de sinalizadores que pretendem facilitar o itinerário que desembocaria numa autoestrada de tráfego intenso como a globalização impõe, mas com amplas condições técnicas, materiais e de recursos humanos para participar do jogo da competitividade internacional. Ou alguém tem dúvidas de que, exceto nas grandes corporações multinacionais cada vez menos empregadoras de mão-de-obra, o Grande ABC padece de condições básicas para colocar-se como protagonista de disputas que ultrapassam os limites nacionais por si sós constrangedores por causa do chamado Custo ABC? 

O quadro apresentado com condimentos básicos de um Grande ABC em busca de um futuro menos tormentoso será destrinchado na próxima edição de LivreMercado. A vitrine apresentada exibe produtos econômicos com elevado grau de entrelaçamento mas também reúne potencialidade de efetividade individual. Não há portanto, na pior das hipóteses, o menor risco de qualquer um dos pontos elencados imobilizar-se por causa de eventual paralisia dos demais. Como mostrará a próxima edição, os 10 pontos são ao mesmo tempo sinérgicos e autônomos. 

Resta saber até que ponto os atuais deputados estaduais e federais com vínculo no Grande ABC e que concorrem nas próximas eleições, e também os candidatos que pretendem chegar à Assembléia Legislativa e à Câmara Federal, estarão dispostos a assumir responsabilidades regionais explicitadas na agenda formulada por LivreMercado. Seriam eles, todos eles, suficientemente responsáveis, regionalistas e atentos ao novo desenho desenvolvimentista a ponto de assumirem compromisso público de que, eleitos ou não, atuarão em defesa daqueles objetivos? Sim, eleitos ou não eleitos, porque a massa crítica de que o Grande ABC precisa para resgatar o passado de crescimento econômico sustentado não deve concentrar-se apenas nos vitoriosos eleitorais. Eles são apenas uma fração da mobilização que o Grande ABC necessita para virar o jogo.   



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