Administração Pública

PT quer eficiência
da iniciativa privada

MALU MARCOCCIA - 05/11/1998

Melhorar serviços e atendimento, rever funções e descentralizar responsabilidades, motivar funcionários com treinamento, requalificação e ambiente de trabalho agradável. Mais: agilizar rotinas e eliminar papéis com a indispensável informatização, abrir programa de demissões voluntárias, reduzir salários, remanejar jornadas e aumentar a produtividade em 30% a 40%. 


Ações como essas há muito preenchem todas as horas da agenda de sobrevivência de empreendedores privados do Grande ABC desde que a universalização da economia jogou numa arena de famintos leões empresas de todos os portes. O inusitado é que o mais novo adepto da fórmula da maior eficiência e melhor capacitação da mão-de-obra é ninguém menos que o Poder Público de Santo André. Isso mesmo! A socialista Prefeitura do Partido dos Trabalhadores resolveu apostar nas virtudes da produtividade e do corte de custos pregadas pela nova ordem econômica mundial para competir pela conquista da simpatia e respeito do consumidor. No caso, dos 625 mil moradores que sustentam a máquina coletiva com impostos e querem ver o Poder Público prestar vários -- e bons -- serviços.


Não é outro o motivo sobre o qual se debruça há quase dois anos a secretária de Administração, Miriam Belchior, coordenadora do chamado Programa de Modernização Administrativa. Maior arquiteta da reformulação que está aprimorando a engrenagem da Prefeitura de Santo André, Miriam Belchior segue à risca uma das cinco prioridades de governo do prefeito Celso Daniel, economista e professor da Fundação Getúlio Vargas, nada menos que um dos templos de propagação da era da qualidade total. Veio de Celso Daniel e equipe o conceito básico que começa a contaminar desde o humilde pedreiro que toca as obras de reforma dos térreos do Paço Municipal até o próprio prefeito, que desde o mês passado presta publicamente contas dos atos via Internet: é preciso repensar as organizações públicas tomando-se como referência o modelo de administração gerencial. Bingo! Afinal, há ainda no PT uma aguda visão estatizante e centralizadora do Poder Público.


Do programa de modernização constam providências simples e de execução imediata, como refazer o layout nos primeiros três andares da Prefeitura com eliminação de guichês e abertura de uma grande praça de atendimento, até ações mais complexas como mudar a cultura corporativista do servidor público em geral. "O foco é o usuário dos serviços municipais, pessoas físicas e jurídicas. Além de intervir pela primeira vez em 30 anos nas instalações do Paço, com introdução de equipamentos e ambiente físico adequado ao funcionário, precisamos que ele assuma nova postura junto à comunidade. E mexer com pessoas significa motivá-las com treinamento e capacitação, de um lado, e participação no trabalho por meio de sugestões e críticas, de outro" -- conceitua Miriam. Paralelamente à carga inédita de treinamento foram criadas oficinas de trabalho para pintura, teatro e desenho, atividades de recreação indicadas pelos próprios servidores. Também estão sendo desenvolvidas ações em áreas como fotografia, dança e ginástica. "Tudo para animar o servidor a refletir seu papel como agente de mudança" -- resume Miriam, provavelmente fazendo o autocrático Joseph Stálin se revirar no túmulo.


Nova atuação -- Ao tomar emprestado alguns dogmas da gestão capitalista, o socialista PT não aposta só em economia de gastos, mas no ganho de qualidade com a nova forma de o servidor atuar frente à população. Um dos braços do projeto de modernização, o PCO (Programa de Cultura Organizacional), treinou cinco mil funcionários até agora, mais da metade dos 8,5 mil servidores públicos do Município, 2,5 mil dos quais da administração indireta que prestam serviços em autarquias como a de saneamento básico Semasa, a central de abastecimento Craisa, a de assistência à infância Faisa e à Caixa de Pensões, entre outros. Ninguém escapa do calendário de cursos. Diretores, gerentes, assessores e coordenadores se reciclam por intermédio do PDG (Programa de Desenvolvimento Gerencial), iniciado em janeiro. Como líderes de área, aprendem a comandar pessoas e a delegar responsabilidades. 


Servidores que estão no tête-à-tête com os munícipes passam pelo curso de Atendimento ao Público. O treinamento já enlaçou as secretarias de Saúde, Educação, Habitação, Finanças, Administração, Cidadania, Cultura e Serviços Municipais, além do Semasa. A área de saúde teve como reforço curso realizado em parceria com a USP (Universidade de São Paulo) sobre Capacitação e Atendimento à Mulher Vítima de Violência. A providencial informática está habilitando todos na área administrativa, enquanto unidades operacionais ganham treinamentos mais específicos, como o de Brigada Contra Incêndios que instruiu no ano passado 90 servidores que atuam no Paço e este ano abrange funcionários da Caixa de Pensões, Hospital Municipal, teatros e unidades da Secretaria de Cultura, Esporte e Lazer. Servidores da Garagem Municipal que lidam com mecânica repassaram conhecimentos em palestra sobre carburação, bombas de água e de combustível. 


Em setembro último o programa de treinamento atingiu seu ápice, com a criação da Efap (Escola de Formação em Administração Pública Paulo Freire). A Prefeitura agendou até dezembro cursos que vão do supletivo para dar escolarização básica a quem não concluiu a 4ª série do Ensino Fundamental até subespecialidades em informática. Windows/Word, Acces, Powerpoint e Excel são alguns dos cursos rápidos disponíveis, assim como temas mais básicos como Língua Portuguesa, Atualização para Secretárias, Direção Defensiva, Organização, Conservação e Limpeza. "São ferramentas que damos para que a Prefeitura funcione bem por dentro e sinais permanentes para que o servidor se sinta motivado. Bom lugar para trabalhar não é só ter bom salário. É também ter bom ambiente para que, na ponta final, o serviço saia com qualidade" -- sublinha a secretária de Administração, empenhada em desafiar a secular teoria de que Poder Público é um insucesso total como gestor do dinheiro do contribuinte. No caso de Santo André, algo como R$ 264 milhões este ano e previsão de orçamento de R$ 298 milhões em 1999.


É para acabar com essa pecha de descrédito nas instituições estatais que o prefeito Celso Daniel recomendou ousadia nas ações. Depois do polêmico projeto aprovado em junho pela Câmara que emagreceu os salários em 6,25% e cortou meia hora na jornada de estatutários e comissionados, nova experiência foi adotada em agosto na grade de horário dos servidores. Os departamentos de Parques e Áreas Verdes e de Limpeza e Conservação Viária passaram a trabalhar 6h15m por dia de segunda a sábado, em lugar das 7h30m anteriores, como resultado do remanejamento do almoço. Em setembro foi a vez dos departamentos de Manutenção de Equipamentos Urbanos e de Serviços de Trânsito se enquadrarem na nova grade, que agora atinge toda a Secretaria de Serviços Municipais. Os servidores passaram a trabalhar das 7h às 13h15 de forma corrida -- com 15 minutos de descanso às 9h30 --, voltam, batem o ponto, fazem a refeição e vão embora. Economizam-se tempo e combustível perdidos com uma ida-e-volta do local de trabalho ao refeitório, sem alterar salários e a carga de 37,5 horas semanais. "É questão de racionalização para a Prefeitura e melhor aproveitamento da jornada pelo servidor" -- justifica Miriam Belchior. Pesquisa que deu origem à mudança mostrou que algumas equipes de serviços municipais trabalhavam efetivamente 4h30m das 7h30m da jornada oficial. O resto era puro desperdício em deslocamentos.


Desde que Santo André decidiu fazer uma releitura do que é Poder Público no Brasil muito se avançou no Paço Municipal. O organograma do programa de modernização desemboca em seis frentes de combate. Além da melhoria da qualidade do trabalho, valorização do funcionalismo e intervenção no ambiente físico, estão na alça de mira a descentralização administrativa e de atividades de apoio, os postos de atendimento nos bairros e a informatização em rede de toda a máquina pública.  


Duas das primeiras providências do programa foram o corte de horas extras e a descentralização das licitações. Já em abril de 1997, ou seja, quatro meses depois de assumir, Celso Daniel pagou somente um terço do que havia sido gasto nesse item em dezembro de 1996. Hoje a conta das horas extraordinárias está reduzida a 5% da folha de pagamentos, informa Miriam Belchior. Com remanejamentos de jornadas e salários, as despesas da Prefeitura com o funcionalismo no primeiro semestre deste ano representaram 52,8% do orçamento, contra 59,2% em igual período de 1997. Em junho de 1997 os gastos com a folha salarial bateram em 79,1% das receitas, avançando o limite de 60% permitido pela Lei Camata. Em junho deste ano o gasto com pessoal recuou para 55,7% do orçamento. Além da tentativa de exercitar marcação cerrada no item folha de pagamentos, a Prefeitura viu crescer em 5% reais a arrecadação do primeiro semestre de 1998, o que acrescentou R$ 6 milhões na coluna de receitas.


As cinco principais secretarias conquistaram autonomia com comissões próprias de licitação: Saúde, Serviços Municipais, Educação e Formação Profissional, Cultura, Esportes e Lazer e, naturalmente, de Administração, que passou a englobar todas as demais. "Ganhamos agilidade e transparência porque as auditorias, que aconteciam somente no final da licitação, agora acompanham todo o andamento do processo. Cada comissão tem um advogado e um auditor exclusivos" -- explica Miriam. Sem falar que o prefeito deixou de ser o único responsável por assinar cada compra ou contratação de serviços. Agora as canetas dos respectivos secretários é que dão rapidez a esses processos, desde a abertura da licitação até a assinatura dos contratos.


A lição de casa no capítulo da descentralização também culminou com a criação do SIM (Serviço Integrado Municipal), espécie de posto avançado da Prefeitura e do Semasa nos bairros. Santa Terezinha e Parque das Nações fizeram o batismo dessa nova modalidade de atendimento e a Vila Luzita é a próxima da fila. Nos SIMs os moradores podem obter certidões e alvarás, pagar tributos, solicitar melhorias e acompanhar processos, entre outros serviços que até então exigiam deslocamento até o Paço Municipal, no Centro. 


Mão forte da informática -- Eliminação do atendimento segmentado nos acanhados e antipáticos 17 guichês, troca de piso, recuperação das paredes, pintura dos elevadores, reforma dos banheiros e instalação de bebedouros darão cara nova aos 1º, 2º e 3º andares da Prefeitura, por onde circulam 70% dos dois mil usuários que diariamente se dirigem ao Paço. A reforma do que se chamará praça de atendimento está orçada em R$ 630 mil e o usuário poderá conferir as melhorias a partir do início de 1999, quando as obras devem estar concluídas. 


Mas a verdadeira mão forte e invisível ao grande público que está permitindo saltos apreciáveis na qualidade de atendimento do Poder Público atende pelo nome de Intranet. Essa rede interna que encurtou distâncias e tempo com a informatização faz parte de outro campo de batalha do programa de modernização administrativa, o Projeto de Tecnologia de Informação. Um computador de grande porte e 150 terminais que nada faziam a não ser dar acesso às informações digitadas no equipamento central foram desligados e devolvidos à IBM, da qual eram alugados. Entraram em cena 507 microcomputadores e outros 250 estão em fase de aquisição para dar musculatura a uma rede que passou a interligar o prefeito e todo o primeiro e segundo escalões, o secretário da Educação e toda a rede de EMEIs (Escola Municipal de Ensino Infantil), a Pasta de Saúde e toda a estrutura do Hospital Municipal, para citar três exemplos revolucionários. 


São hoje mais de 300 pontos de rede interligando microcomputadores e computadores servidores da Prefeitura em seus vários níveis. Troca de documentos eletronicamente, convocação e marcação de reuniões que eliminaram contatos telefônicos e papéis, consulta e alimentação de dados na rede de forma automática, eliminando todo o moroso fluxo manual, são algumas das facilidades dos novos equipamentos. "A Secretaria de Serviços Municipais, por exemplo, que cuida de toda a infra-estrutura da cidade, passará a planejar e priorizar benfeitorias que antes, perdidas nas milhares de ordens de serviço manuscritas, caiam no buraco negro da burocracia. Será possível um controle quantitativo e qualitativo da demanda da população" -- cita Miriam Belchior, anunciando a novidade para o próximo mês.


Essa agilidade e precisão de informações chegarão ao público na praça de atendimento, cujas 20 mesas informatizadas terão a incumbência de abolir o tortuoso passeio de papéis e o incômodo vai-vem dos usuários em busca de informações. São 130 serviços sendo retrabalhados. "Todos os funcionários vão atender a todos os munícipes, que terão instantaneamente informações novas e arquivadas sobre tributos, segunda via de carnês, abertura de firma, entre outras demandas. Se não puder ser atendido no ato, ele volta para casa com a promessa de que será procurado assim que seu problema tiver solução ou receberá pelo correio o documento solicitado. Vamos acabar com o absurdo de um morador vir três vezes à Prefeitura só para obter uma certidão negativa de débito de tributo" -- sublinha a secretária de Administração, que anuncia: "Em breve, as informações serão fornecidas por telefone".


Em setembro último a Prefeitura agregou outro aliado à equipe de atendimento: site na Internet (www.santoandre.sp.gov.br) permite ao público usuário da rede mundial mandar e receber e-mail, acessar informações sobre serviços e projetos que o Poder Público desenvolve, consultar o mapa da cidade, obter dados sobre processos, certidões e pagamentos ao Semasa ou sobre qualquer dúvida legal sobre IPTU, ISS e lei de uso do solo. Ainda podem ser consultadas a pesquisa semanal de preços da Craisa e a Câmara de Vereadores. A Internet também foi democratizada ao público por meio de três computadores que acabam de ser instalados na Biblioteca Municipal, ao lado do Paço. Basta ao interessado agendar a hora do uso. A Web já era ferramenta utilizada internamente pelos sistemas corporativos do Poder Público.


As maravilhas da informatização estão chegando à Biblioteca Municipal, cujos 30 mil usuários mensais ainda se deparam com catálogos e procura manual de livros e temas, e já desembarcaram na Secretaria de Educação e na rede municipal de ensino. Matrículas, montagem automática das diferentes turmas, controle de frequência de alunos e professores e histórico escolar de cada um compõem o chamado Saed (Sistema de Automação Educacional). Cada escola tem um micro diretamente conectado aos computadores do Paço. Os micros também têm acesso à Internet para que os professores preparem suas aulas e servem de apoio em dois laboratórios pedagógicos para uso dos alunos.  Novos microcomputadores estão em licitação para içar a 10 os laboratórios pedagógicos.


É na área de saúde, entretanto, que o Poder Público de Santo André exibe com mais clareza o alto patamar tecnológico em que se instalou. No Hospital Municipal pacientes de urgência e emergência foram separados dos atendimentos mais simples de ambulatório, várias alas estão sendo reformadas e ampliadas, equipamentos novos estão sendo providenciados e todo o gerenciamento já está informatizado. Pelo sistema Wareline foi criado o prontuário eletrônico no atendimento ambulatorial. Futuramente, esse prontuário do HM estará disponível em todas as UBS (Unidades Básicas de Saúde) do Município, o que permitirá que o paciente, com uma carteirinha de identificação, possa ser atendido em qualquer unidade da rede, que terá seu histórico clínico na tela do computador. No Hospital Municipal já estão automatizados os registros de internação e alta, exames laboratoriais, banco de sangue, exames de raio-x, faturamento do SUS (Sistema Único de Saúde) e o controle de estoque de farmácia.


A engenheira Miriam Belchior, que pôs de lado temporariamente a tese de mestrado sobre Planejamento Estratégico na Administração Pública que pretende defender na FGV, resume a força-tarefa que monitora de seu QG no 10º andar do Paço como uma revisão dos processos de trabalho a partir da visão do usuário. Traduzindo, Santo André constatou que a máquina pública vive com o dinheiro do contribuinte para prestar-lhe serviços eficientes, idéia aparentemente simples que a maioria dos administradores brasileiros remete para escanteio. Para reforçar as credenciais de uma Prefeitura voltada aos interesses coletivos, a secretária da Administração anuncia para fevereiro a criação do ombudsman, um canal por onde entrarão críticas e sugestões diretamente da população, funcionando como espécie de Ibope qualitativo sobre o Paço Municipal. Coisas da iniciativa privada que continuam seduzindo a combativa secretária da Administração. 


A petista Prefeitura de Santo André, aliás, não demonstra alimentar qualquer preconceito contra o capital. No novo modelo de gestão pública em andamento consta com todas as letras o estabelecimento de relações de parceria com o setor privado e o setor público não-estatal para prestação de serviços e execução de obras. Foi assim com a reurbanização do entorno da estação ferroviária para acomodar o glamour do ABC Plaza Shopping. Assim também foi com a Itororó Empreendimentos-Aparecido Viana Imóveis para erguer na nobre Avenida Portugal um conjunto de flats e centro de convenções em troca da construção de uma casa-abrigo para o projeto Andrezinho Cidadão que abriga menores de rua. Está sendo assim com a Cidade Pirelli, um megacomplexo comercial, de serviços e entretenimento que a fabricante de pneus promete edificar com a contrapartida de remanejamento de áreas públicas e incentivos do Programa Seletivo de Incentivos, a Loto Fiscal do Grande ABC. 


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