Administração Pública

Muito além do
assistencialismo

DA REDAÇÃO - 05/03/1999

A São Bernardo que figura como segunda colocada no ranking estadual de arrecadação de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) talvez seja a cidade do Grande ABC onde a pobreza se alastra de maneira mais aguda. É um paradoxo tão possível quanto o Brasil, entre as 10 maiores economias do mundo mas recordista em desigualdade social. Premiada há quatro décadas por descomunal empuxo econômico alavancado pela centralização da indústria automobilística, São Bernardo sofre os efeitos colaterais das mudanças.

Por razões que vão de alterações macroeconômicas à mais recente descentralização geográfica da produção, excedentes populacionais deixaram de ser absorvidos pela indústria automobilística para reforçar quadro de miséria agravado pela cambaleante economia brasileira.

A migração desenfreada de muitos anos contribuiu muito para transformar São Bernardo num caldeirão em ebulição, mas não se pode afirmar que o Poder Público esteja de braços cruzados. Por intermédio da Sedesc (Secretaria de Desenvolvimento Social e Cidadania), comandado pela primeira-dama Laerte Soares, a Prefeitura vem promovendo série de ações para amenizar situação reconhecidamente preocupante. Durante 1998, mais de nove mil moradores foram assistidos gratuitamente em três programas distintos: Fazendo e Aprendendo, voltado para crianças e adolescentes entre sete e 14 anos; Formação e Iniciação Profissional, para jovens de 14 a 20 anos; e Programa de Profissionalização, que envolve público adulto. Os programas foram realizados nas 23 Emips (Escolas Municipais de Iniciação Profissional) e mobilizaram 66 professores municipais e 30 monitores de entidades como Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) e Sinduscon (Sindicato da Indústria da Construção Civil). Tudo se repetirá este ano com previsão de mais nove mil participantes.

Além das três atividades, a Sedesc atendeu a outros cinco mil adultos por intermédio do Programa de Requalificação, engrossado com verbas do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), e está intensificando ações em outra frente -- o Programa Juventude Cidadã, que visa a afastar jovens da marginalidade.

A atitude de alocar recursos próprios em programas sociais parte da constatação da primeira-dama e da equipe da Sedesc de que em vez de apenas dar o peixe com ações assistenciais, é essencial ensinar a pescar com conscientização e profissionalização. A Secretaria de Desenvolvimento Social e Cidadania, que desde dezembro ocupa instalações da antiga Agesbec (Armazéns Gerais de São Bernardo), é visitada diariamente por 150 moradores. As demandas são variadas. "Só de cestas básicas, a Prefeitura fornece cerca de duas mil por mês" -- comenta Laerte Soares. Da mesma forma que é quase impossível negar atendimento a carentes, seria negligência a prática de assistencialismo populista.

"Se o Poder Público não abrir os olhos para a necessidade de investir em promoção humana, em vez de cuidar exclusivamente de suprir necessidades circunstanciais, as atividades ficam cada vez mais inviáveis. O fardo econômico de corrigir, ao invés de prevenir, tende a ser mais pesado e insustentável" -- observa Laerte Soares. 

O Programa Fazendo e Aprendendo, que cadastra três mil participantes, é o que melhor exemplifica a preocupação com auto-sustentação. O programa é oportunidade de desenvolvimento extra-escolar por intermédio de múltiplas atividades intelectualmente estimulantes, ao mesmo tempo em que representa chamariz para tirar os participantes do foco das drogas e outros perigos da rua. Três vezes por semana, e durante três horas e meia por dia, crianças frequentaram 13 Emips infantis para se ocupar de atividades lúdicas, esportivas e culinárias, além de jogos, brincadeiras, orientação de estudos e atividades artísticas, como interpretação de pinturas de Monet e Van Gogh. O nível do trabalho é garantido com turmas reduzidas e homogêneas. São no máximo 20 alunos por turma e a faixa etária nunca excede dois anos de diferença.

"O Fazendo e Aprendendo foi promovido nos períodos matutino e vespertino porque quem frequenta a escola de manhã possa fazê-lo à tarde e vice-versa. É um complemento do ensino formal" -- explica Maria Ester Dalmolin Oneda, chefe da seção de Iniciação e Formação Profissional.

Embora cinco dos 13 núcleos infantis sejam equipados com oficinas de marcenaria, o principal objetivo do programa está no desenvolvimento intelectual, não técnico. Ester explica que a marcenaria é utilizada como ferramenta para exercitar a inteligência matemática, espacial e a coordenação motora. O conceito é o de semear um adulto com habilidades desenvolvidas, capaz de escolher com ponderação o que fazer, em vez de prepará-lo para trabalho urgente que gere renda no curto prazo. 

Apesar de direcionado a crianças e jovens de sete a 14 anos, o Fazendo e Aprendendo envolveu experimentalmente adultos porque interligou-se ao Projeto Viver Melhor, destinado à comunidade como um todo na Emip do Bairro Batistini. Dinâmicas de grupo para trocas vivenciais, palestras sobre saúde, atividades esportivas, além de oficinas de pintura, lingerie e panificação tiveram participação de mais de 600 adultos. "O Viver Melhor é fruto de ação intersecretarial, pois contou com parceria das secretarias de Esportes e de Saúde, entre outras" -- explica Marlene Zola, diretora do Departamento de Criança e Juventude. A intenção da Sedesc é que o Viver Melhor seja adotado em outros quatro núcleos infantis este ano. Outro plano é intensificar o Fazendo e Aprendendo em alguns núcleos com promoção de atividades diárias, em vez de trisemanal. 


Iniciação Profissional -- O Programa de Formação e Iniciação Profissional, que teve 2,5 mil participantes em 1998, prepara jovens de 14 a 20 anos para o desafio do primeiro emprego. Consiste de dois cursos -- rotinas comerciais e rotinas administrativas -- com duração bimestral e com aulas diárias de duas horas. "Não preparamos os alunos para ofício único, mas para o mercado de trabalho em geral. Damos ênfase a práticas como atendimento pessoal e telemarketing e destacamos o aspecto humano, de asseio, de auto-estima, de empregabilidade. Ensinamos, por exemplo, como preparar um currículo e a forma mais adequada de comportamento numa entrevista" -- explica Maria Ester. 

Além dos dois cursos nas Emips de Ferrazópolis, Taboão e Vila Rosa, o programa viabiliza emprego por intermédio do sistema de Bolsa Aprendizagem, centralizado na Emip Maria Adelaide Rossi. Após passar pelos cursos, alguns jovens são convidados a trabalhar na Câmara Municipal ou nas diversas secretarias da Prefeitura até completarem 18 anos. O Poder Público conta com 166 estagiários, dos quais cerca de metade admitidos no ano passado. "Como a quantidade de vagas disponíveis na Prefeitura está muito aquém da demanda, a Sedesc pretende fazer convênios com empresas para absorver parte do excedente" -- afirma Marlene Zola.   


Profissionalização -- O Programa de Profissionalização foi o campeão de demanda, com mais de quatro mil participantes no ano passado. O programa visa a dotar adultos desempregados de especializações que permitam trabalhar em empresas ou a abrir o próprio negócio. São seis Emips voltadas exclusivamente para a atividade, que abrange cursos de cabeleireiro, maquiagem, depilação, pedicure, estética, corte e costura empresarial e domiciliar, serigrafia, estamparia, embalagens e decoração de interiores e festas, além de assentador de tijolos, pisos e azulejos, elétrica, hidráulica -- entre outros na área da construção civil, em parceria com o Sinduscon. "É gratificante observar que, por exemplo, muitos dos que fizeram curso de cabeleireiro abriram salão na garagem de casa e já estão ganhando dinheiro com o que aprenderam" -- comenta Laerte Soares.

Além dos nove mil atendimentos nos programas realizados com recursos próprios, a Prefeitura de São Bernardo atendeu a outros cinco mil moradores em 1998 por intermédio do Programa de Requalificação, materializado com repasses do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), do governo federal, além de receitas municipais extraordinárias levantadas em eventos e doações, e também em parceria com entidades como Senai e Sinduscon. O programa ofereceu cursos de panificação, informática, pintura em tecido, garçon, embalagem, telemarketing, eletricista residencial, manutenção de automóveis e assentador de tijolos, entre outros. Todos rápidos, com carga entre 44 e 150 horas. 

O curso de informática liderou o atendimento com 400 participantes, quase 10% do total. As aulas foram realizadas em laboratórios de 30 computadores no centro de São Bernardo e também em três laboratórios móveis de ônibus doados pela ETC (Empresa de Transportes Coletivos). Outros dois ônibus serviram como unidades móveis do curso de cabeleireiro. "Os coletivos, equipados com oito micros cada, eram deslocados por guincho para atender a bairros carentes, porque não têm motores" -- explica Antonio Garcia de Moraes, coordenador técnico da Sedesc. 

A Prefeitura pretende duplicar a quantidade de participantes do Programa de Requalificação e atingir 10 mil moradores este ano. Para tanto, está investindo em infra-estrutura. O amplo espaço da sede da Sedesc será otimizado com construção de 10 salas de aula, oficinas de panificação, mecânica de autos e elétrica, além de área de 400 metros quadrados que acolherá cooperativa de corte e costura administrada por 25 costureiras selecionadas nos cursos do ano passado. "Já existe empresa de confecção industrial comprometida em absorver toda a produção da cooperativa" -- adianta Laerte Soares, animada por planos de criar novas cooperativas públicas, nas áreas de construção civil e panificação. "Uma cooperativa de panificação traria dupla vantagem porque abriria postos de trabalho e forneceria pães para escolas e autarquias municipais a preço de custo" -- comenta a primeira-dama.

Outras melhorias estruturais vão ser concretizadas nas próximas semanas. Um imóvel no centro de São Bernardo, que acolhia o Fundo Social, ganhará três laboratórios de informática com 33 micros, além de laboratório específico para montagem, manutenção e configuração de microcomputadores -- um dos novos cursos de Requalificação Profissional -- bem como espaços para cursos de eletricista residencial e panificação, entre outras áreas. A ETE (Escola Técnica Estadual) Lauro Gomes, o Senai Almirante Tamandaré e as Emips também são espaços utilizados no Programa de Requalificação.

Esse apetite por melhorias é compreensível porque, ao arregaçar as mangas para valer e fazer bom uso dos recursos oferecidos pelo governo federal, a Prefeitura de São Bernardo conquista credibilidade gerencial e avança sobre repasses cada vez mais polpudos. A verba liberada pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador no ano passado foi de R$ 218 mil. O total de recursos pleiteado para os projetos deste ano é de R$ 848 mil.


Juventude Cidadã -- Lançado em meados de 1997, o Programa Juventude Cidadã promove basicamente o Dia da Juventude Cidadã, com atividades nas áreas de saúde, educação, emprego, cultura e esporte. São ações voltadas a público entre 14 e 29 anos. "Os eventos visam a resgatar a auto-estima e afastar o jovem da marginalidade" -- afirma o coordenador Aílson de Genaro. 

Cerca de 50 mil jovens participaram das quatro edições do Dia da Juventude Cidadã no antigo Pavilhão Vera Cruz e escolas estaduais do Riacho Grande, Bairro Alvarenga e Vila São Pedro. Os eventos duram o dia todo e os jovens são atendidos gratuitamente com a emissão de carteira de identidade, CIC, carteira profissional e título de eleitor, além de terem os cabelos cortados por equipe de profissionais e receberem orientação jurídica especializada sobre temas como violência familiar e adoção, entre outros serviços.

As atividades nas áreas de saúde, educação, esportes, cultura e emprego são promovidas por cinco grupos de trabalho. Cada grupo é formado por integrantes da Sedesc, por jovens da comunidade e por membros das entidades parceiras do programa -- Delegacias de Ensino, Senais Almirante Tamandaré e Mário Amato, Sesi, Esan, Uniban, Metodista, Sebrae, Ciesp, pastorais católicas, igrejas evangélicas e espíritas, sociedades amigos de bairro, escoteiros, polícias Civil e Militar, além da Entidade Assistencial Mei-mei. 

O grupo de trabalho sobre emprego reuniu 400 jovens em setembro do ano passado no Senai Almirante Tamandaré. Eles ouviram palestras com consultores do Sebrae e da ONU (Organização das Nações Unidas), participaram de atividades culturais e de workshop com 16 profissionais de áreas que foram da estética à engenharia. Em novembro, o grupo de trabalho sobre educação atraiu três mil jovens com palestras no Riacho Grande. Aílson de Genaro afirma que há 13 ações programadas para este ano, das quais 10 são de grupos temáticos e três do Dia da Juventude Cidadã.


Todos por um -- A Secretaria de Desenvolvimento Social e Cidadania foi criada em outubro do ano passado por meio de projeto de lei. A nova pasta foi concebida para racionalizar esforços ao centralizar, numa mesma estrutura, todos os segmentos ligados à área social até então pulverizados.

A Sedesc integra órgãos como o Grupo de Planejamento Setorial, Conselho Municipal de Assistência Social, Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, Comissão do Desenvolvimento e Cidadania, Comissão Intersecretarial Criança e Adolescente Prioridade 1, Comissão Coordenadora do Programa Juventude Cidadã, Conselho Deliberativo do Fundo Social de Solidariedade, além de conselhos tutelares. O custo de manutenção da Sedesc é reduzido, já que os 17 novos cargos são resultado de remanejamento de profissionais. 


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