Administração Pública

Lambança do IPTU pode
gerar lambança do ITBI?

DANIEL LIMA - 03/12/2018

Para que não integre o catálogo de mais um prefeito que faz do mercado imobiliário o que as empreiteiras fizeram com a Petrobras no escândalo da Lava Jato, Paulinho Serra precisa prestar esclarecimentos à sociedade. É pouco provável que o faça e, em fazendo, satisfaça a curiosidade dos metidos a besta, a inteligência dos bem informados e a seriedade dos cautelosos. 

O prefeito de Santo André precisa, portanto, agir com relativa rapidez para não ser engolfado por eventual conotação maledicente. 

Ignorar o que vou expor seria muito pior porque soaria descaso ou fuga. Principalmente depois das lambanças do aumento abusivo do IPTU desta temporada, retirado a toque de caixa da linha de receitas municipais extorsivas de uma sociedade em contínuo processo de empobrecimento. 

A crise do IPTU em Santo André, que sustentou a maior audiência da história deste site, com mais de quatro dezenas de matérias em cadeia, mostrou a força das redes sociais nutridas de informações profissionais. 

Nada assegura que a explosão da democracia da comunicação, sem o prevalecimento da síndrome da metida de mão, não se manifeste nas próximas eleições municipais. 

Qual é a explicação? 

Feita essa breve vaselinagem argumentativa, vou aos finalmentes preliminares, ou seja, ao assunto propriamente dito exposto de forma a identificar o mote deste artigo: como o prefeito de Santo André explica a redução em 50% dos custos cartoriais das transações imobiliárias entre dezembro agora e março do ano que vem se até outro dia, até a crise do IPTU, a justificativa do tucano para o assalto deliberado era que o imposto em questão estava defasado em valores (algo que não se sustentou jamais, como expliquei em várias matérias)? 

Por que Paulinho Serra decidiu encaminhar ao Legislativo sempre servil a proposta de reduzir à metade o custo de transações consolidadas no IBTI (Imposto de Transmissão de Bens Imóveis)? 

Alega o prefeito de Santo André que, por conta do impasse do IPTU em consequência das mexidas na Planta Genérica de Valores (duas patetices administrativas que paralisaram temporariamente a regularização de imóveis em Santo André) a Prefeitura não arrecadou no tempo certo recursos que agora, com a proposta de desconto, poderão ser recuperados. Ao menos, sugere-se que sejam. 

Traduzindo: os proprietários de imóveis que regularizarem documentação cartorial vão gozar de abatimento monetário típico de fim de feira. Está certo que Santo André caiu dramaticamente no ranking de geração de riqueza, mas ainda não chegou ao extremo de entregar publicamente a rapadura do empobrecimento irreversível. 

Sugiro aos leitores que não percam o fio da meada destas observações. Atentem às circunstâncias que levaram o prefeito tucano a oferecer aos contribuintes um desconto extraordinário no custo de transações imobiliárias. Até parece que a suspensão cartorial durante algum tempo comprometeu todo o tempo do ano. 

Sugestão de alguém? 

Sei lá quem soprou aos ouvidos do prefeito que a medida poderia ser tomada da forma que foi porque poderia elevar o prestígio em baixa de uma Administração fadada à mesmice entre outras razões porque é mesmo difícil Santo André sair do encalacramento histórico em que se meteu. 

Longe de mim imaginar que tenha sido Milton Bigucci, megaempresário do setor imobiliário, quem tenha sugerido a proposta ao pé do ouvido. Eles se encontraram recentemente num evento do Clube dos Construtores. Pareciam tão íntimos, coladinhos, lado a lado, na plateia. Devem ter trocado ideias sobre o time que os une, cujas glórias veem do passado.  

Não custa lembrar que Milton Bigucci tem contratempos empresariais que não o garantiriam jamais entre os mais recomendáveis para conciliar espaço abertos com um administrador público. O Ministério Público do Consumidor de São Bernardo o elegeu campeão regional em abusos contra a clientela e o Ministério Público Estadual o relacionou entre os envolvidos na Máfia do ISS da Capital. Outros incidentes de percurso o tornam figurinha carimbada de prestígio abalado no setor. 

A ideia de usar o mercado imobiliário como plataforma de uma decisão que cheira a populismo tributário não é uma estupidez política. Distante disso: no fundo, a grande maioria dos contribuintes vai adorar a medida, porque enquadra o custo de transações locais de imóveis no nível de decadência do preço do metro quadrado livre de especulações. Ou seja: Paulinho Serra confessaria publicamente com a medida que cometeu duplo equívoco ao cobrar no começo do ano os tubos dos proprietários de imóveis, quando elevou a Planta Genérica de Valores à estratosfera, cuja repercussão de custos chegou ao IPTU.

Cadê a transparência? 

Reiteramos aos eleitores que se mantenham atentos, porque a situação presente ignorada pela mídia regional não é simples como parece. O que estaria faltando à aprovação da medida do chefe de Executivo de Santo André? Muitas, mas muitas explicações. Mas, sobretudo transparência. 

O que não é novidade para governos municipais que zombam da sociedade ao dar vez aos chamados ouvidores, gente que não passa de correias de transmissão à bajulação oficial, disfarçada de fiscalização. Os ouvidores não vão se meter nesse angu porque os ouvidores gostam mesmo é de praticar relações públicas com o chefe do Executivo. 

Pergunto ao prefeito Paulinho Serra sobre os limites desse festival de desconto. Vou ser mais direto: imóveis adquiridos anteriormente à temporada atual também entram no balaio de gatos de descontos? 

A razão da indagação é simples: é de conhecimento geral que em muitos casos os negócios imobiliários, principalmente os grandes negócios imobiliários, mas não apenas os grandes negócios imobiliários, só se oficializam nos cartórios de registro tempos depois de efetivados. Têm-se documentação suficiente à legalidade do negócio, mas em determinados casos uma sobrecarga no padrão de custos leva os compradores a protelar os respectivos registros.   

A justificativa do prefeito Paulinho Serra para contemplar os proprietários de imóveis com desconto especialíssimo (e ao mesmo tempo a confissão tácita de que fizera bobagem ao aprovar no Legislativo uma Planta de Valores absurda que gerou um IPTU inconsequente) não poderia, portanto, estender benesses a negócios imobiliários distintos do período em questão. A temporalidade foi completamente esquecida. Sabota-se deliberadamente ou não a premissa do descompasso provocado pela revolta dos contribuintes no caso do IPTU.  O preceito de correção ganha cores de proteção generalizada, em detrimento dos cofres públicos. 

Golpe de mestre

Tenho toda a razão do mundo para dar credibilidade a fontes de informação que me alertaram sobre a probabilidade de a medida contemplar interesses de gente graúda selecionada a dedo. Desconfia-se que Paulinho Serra estaria dando um golpe de mestre, que tornaria menos problemática a imagem que desfruta na praça. Aliás, uma imagem que não é exclusividade dele, porque toda a classe política anda mergulhada numa crise sem tamanho. 

O golpe de mestre consistiria em dar a mão direita aos contribuintes em geral que não são alcançados pela tipologia de negócios imobiliários no sentido empresarial da expressão e a mão esquerda aos médios e grandes players do setor, ou seja, àqueles que atuam no mercado de casas, apartamentos, estabelecimentos comerciais, terrenos e tudo o mais. Nesse caso, mais que a mão esquerda, teríamos algo como sexo ético explícito. 

Paulinho Serra não pode nem mesmo argumentar que a desconfiança é um acinte e que é mais acintoso ainda quem dá suporte jornalístico às reclamações. 

Para mostrar que não se trata de um golpe de mestre, Paulinho Serra poderia montar um comitê de transparência (composto por gente independente da estrutura da Administração, quem sabe até com um representante do Ministério Público) de modo a que se identifique cada um dos negócios imobiliários seduzido pelo rebaixamento dos valores cartoriais. 

Sugeria também que desse comitê participasse pelo menos dois representantes da oposição ao prefeito, gente insuspeita, gente que quer vê-lo pelas costas. Todos nós temos gente que quer nos ver pelas costas, não é verdade? Dessa forma, a transparência não sofreria nenhum abalo. 

Escala de descontos 

Vou mais longe na proposta ao prefeito: bem que poderia enviar ao Legislativo alguns adendos sobre a medida, incluindo grades de desconto de acordo os valores dos imóveis negociados exclusivamente nesta temporada. Os 50% já deliberados seriam o limite máximo, destinados a imóveis mais populares. Já os imóveis de valores elevados, sobretudo terrenos que viraram ou vão virar condomínios residenciais, teriam descontos muito menos generosos. 

Tenho todo o direito, como interlocutor dos contribuintes de Santo André, muitos dos quais leitores deste site a partir da crise do IPTU, de usar quantos pontos de interrogação me der na telha ao me referir a essa medida do prefeito Paulinho Serra. Não só pelas razões expostas como também porque, logo após voltar atrás no aumento do IPTU na esteira do Planta Genérica, Paulinho Serra prometeu montar uma comissão especial para tratar do uso e da ocupação de terra em Santo André. Pena que não levou adiante a iniciativa. 

Nos escaninhos da Prefeitura afirma-se que a intenção de o Ministério Público Estadual de Santo André monitorar grupo selecionado pela própria Prefeitura teria demovido Paulinho Serra da iniciativa. Seja qual for a explicação, a comissão especial entrou para o salão de descartes do prefeito. 

Quem tem obrigação de tirar a interrogação do título deste artigo é o prefeito Paulinho Serra. Não acredito que o fará. As grandes empreiteiras urbanas que sobrevivem à Operação Lava Jato seguem praticamente intocáveis. Vejam, por exemplo, o caso da Máfia do ISS na Capital: seis anos depois, a Justiça condena praticamente apenas um lado do balcão de falcatruas, os servidores públicos que, em conjunto com empresários do setor, se refestelaram. O processo contra os empresários caminha em ritmo de cágado. 

Paulinho Serra está perdendo uma grande oportunidade de mostrar que não faz parte dessa tradição delituosa de chamegos. Mais que isso: estimula o erro da sociedade desorganizada que, desinformada, imagina que o tucano está praticando política desenvolvimentista com rebaixamento do custo de uma das esferas do Estado.  Até prova em contrário, é melhor acreditar nas informações que situam agentes imobiliários mais próximos do Poder como festeiros beneficiários. 



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