Os cerca de 80 mil eleitores de São Caetano têm este ano a oportunidade de discutir o futuro de uma das poucas cidades do Brasil que apresenta índices sociais de Primeiro Mundo. O fórum? As urnas. O desafio nada tem de módico, já que propor melhoria para o que se mostra bom pode parecer capricho dos mais supérfluos se comparado às necessidades regionais e nacionais. Apesar da fachada urbana impecável e indicadores sociais de fazer inveja, a realidade econômica do Município demanda preocupação dos mais atentos. Lideranças interessadas na trajetória da cidade constatam dia após dia, a necessidade de planejar os passos para horizonte de no mínimo mais 10 anos.
Em xeque não está apenas a exuberância de São Caetano, mas o equilíbrio do jogo entre a atual riqueza agregada do ativo social e os flancos econômicos expostos à percepção de uma comunidade de alto poder de consumo com renda per capita de US$ 2,2 mil por mês e padrão educacional capaz de acolher 5,62 mil crianças em escolas públicas infantis. Mas das sete cidades da região, São Caetano é a que mais fundo sentiu a fuga de grandes organizações produtivas. Com isso, sustenta-se sobre a solidez de dois tótens empresariais: a General Motors, que em 1997 respondeu por 42,7% do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), e a Petrobrás, que assinou 12,06% do tributo em 1998 graças ao maior terminal de dutos de distribuição de combustíveis do País que mantém no Município.
Nesse quadro em que o debate mostra-se cada vez mais indispensável, o deputado federal Jair Meneguelli, do PT, promete balançar a hegemonia política de Luiz Tortorello. O pré-candidato petista sabe que enfrentar o prefeito não é tarefa fácil, principalmente porque São Caetano maquia problemas residuais do desenvolvimento estabanado da vizinha metrópole. Além disso, não dá para negar que a rejeição dos eleitores locais ao PT agravou-se desde 1982. Na primeira eleição municipal que disputou, o partido de Meneguelli conquistou pouco mais de 19 mil votos. Ultrapassou a barreira dos 20 mil votos em 1988, mas a partir de 1992 imprimiu curva preocupante e caiu para 10 mil.
O espírito de luta cultivado pela experiência sindical de mais de 20 anos empolga Meneguelli ao combate. "Temo por São Caetano. O atual modelo administrativo descarta a integração e conduz a cidade ao isolamento. Não dá para fingir que o Município é o paraíso se o inferno mora ao lado. Um dia essa ilha de excelência será tomada de assalto" -- dispara o deputado. A principal missão de Meneguelli é convencer os 150 mil moradores de São Caetano de que trabalho integrado não significa abrir mão de benefícios já conquistados. "O Grande ABC nunca voltará a ter os mesmos postos de trabalho, produção e receita do passado e as cidades precisam de soluções conjuntas" -- diz o deputado.
A descentralização e o fomento de parcerias são estratégicos para a sustentabilidade do desenvolvimento -- defende Meneguelli. O movimento mundial em favor dessas conexões, afirma o candidato, parece não seduzir Tortorello, que insiste em centralizar o poder. Meneguelli não economiza farpas ao estilo do prefeito. "Um governante tem de obrigatoriamente ouvir quem mora e também quem investe na cidade" -- pondera. Livre do ranço gerado pelos dilemas entre capital e trabalho, o ex-sindicalista se diz pronto para sentar com empresários e executivos para discutir São Caetano. As raízes com a cidade até agora não refletiram em sucesso nas urnas. Nas eleições gerais de 1998, Meneguelli computou três mil votos em São Caetano contra 20 mil em São Bernardo, onde ganhou fama como liderança sindical ao lado do atual presidente de honra do PT, Luiz Inácio Lula da Silva.
Campo de guerra -- "A política de Tortorello não é a de vencer; é de eliminar. Se pudesse transferir esse estilo para o futebol, mataria os adversários e ganharia por WO" -- afirma o deputado. Ele garante que São Caetano tem medo. "A população não expõe insatisfações porque teme represálias". O deputado relata que os contatos com moradores e empresários são feitos à noite, às escondidas. Como nos tempos da mais feroz ditadura militar. "A realidade política é o que mais distancia São Caetano da modernidade" -- diz. O exercício do tipo de poder praticado pelo prefeito é tão eficaz, segundo Meneguelli, que, para alugar um salão de festas para lançar a campanha a deputado federal, teve de dizer que se tratava de aniversário; caso contrário, levaria mais uma negativa. "O grupo político de Tortorello controla pelo medo as escolas, os clubes, o comércio, toda a cidade" -- insiste Meneguelli.
Afora o nítido confronto ideológico, o deputado sugere reorganização administrativa e revisão do direcionamento das receitas municipais. Além disso, propõe alternativas para decisões sobre prioridades administrativas. A peça orçamentária para este ano soma, entre arrecadação e repasses, R$ 170 milhões. "Como o prefeito pode saber se o que a população precisa é de jardins floridos ou de habitação popular? Instituir o Orçamento Participativo é a maneira mais progressista de ouvir as necessidades dos cidadãos" -- sugere o deputado petista.
Segurança, proliferação de cortiços e saúde ilustram plataforma de críticas do deputado. Mesmo sem miséria escandalosa, São Caetano esconde feridas sociais. Cadastro da Pastoral da Moradia aponta que três mil famílias moram em 400 cortiços. A violência também está presente e comprovada nos altos números de furtos e roubos de veículos: 2,33 mil em 1999. Com frota de 102,2 mil veículos, ou um para cada 1,5 habitante, a cidade conferiu aumento de 19,4% no índice desse tipo de crime. A rede pública de atendimento médico-hospitalar é saudável, mas não condiz com o perfil urbano. Conta com o Hospital Infantil Márcia Braido, dois prontos-socorros conveniados com o SUS (Sistema Único de Saúde), nove ambulatórios, um Centro de Saúde do Estado, um centro de prevenção ao câncer e um laboratório de análises clínicas. Em contrapartida, comporta mais de 50 clínicas e sete hospitais da iniciativa privada. "Sabemos que 60% da população paga convênio médico e que não há respaldo para os outros 40%" -- afirma Meneguelli.
Os 3,3 mil filiados do PT de São Caetano já estão escalados para levar as propostas do partido para todos os cantos dos 15,2 quilômetros quadrados da cidade. Carregam na manga ícones de sucesso administrativo: Porto Alegre, Santos, Diadema e Santo André. Esse exercício já rendeu mais que ânimo aos militantes. Meneguelli sublinha que pesquisa interna do partido revela números surpreendentes. A maioria das apurações será mantida no mais absoluto segredo, pois são vetores estratégicos para a campanha eleitoral. LivreMercado procurou o prefeito Luiz Tortorello para comentar as opiniões de Meneguelli. Primeiro solicitou à Assessoria de Imprensa entrevista com o prefeito. Depois enviou fax com perguntas detalhadas. A única resposta da assessoria foi que Tortorello se negava a falar sobre o assunto.
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19/11/2024 PESQUISAS ELEITORAIS ALÉM DOS NÚMEROS (24)