Política

Russomanno defende guerra
fiscal no Grande ABC. É possível?

DANIEL LIMA - 05/02/2000

O deputado federal Celso Russomanno, anunciado candidato a prefeito em Santo André, colocará o Município na chamada guerra fiscal caso venha a ocupar o Paço. Transmitindo conhecimento rudimentar sobre os efeitos dessa competição em que a ética tem a mesma importância de um capacho, Russomanno afirmou à Radio ABC AM, de Santo André, às vésperas do último Natal, ser plenamente favorável a essa estratégia que, a pretexto de corrigir históricas distorções da falta de macroplanejamento econômico do País, agrava o quadro de desigualdades sociais. Afinal, submete Estados e municípios a babel tributária cujos benefícios a alguns custam prejuízos a outros. O balanço final em nada contribui para o desenvolvimento sustentável.  

Surpreendentemente lançado candidato à Prefeitura de Santo André pelo PPB, numa operação cuja finalidade inicial seria tirar votos do prefeito Celso Daniel e forçar a realização do segundo turno entre o atual comandante do Paço Municipal e o deputado federal Duílio Pisaneschi, Celso Russomanno já está em plena campanha eleitoral. Antes, evidentemente, providenciou domicílio eleitoral no Município que conhecia apenas superficialmente, de rápidas pregações político-eleitorais para cargos do Legislativo estadual e federal. 


Generalidade -- Na entrevista à emissora de rádio, Russomanno afirmou que tem feito incursões pela periferia e pelo Centro: "Quando a gente anda pelo Centro, vê uma Santo André bonita, com árvores e coisa e tal, mas acho que isso não resolve o problema da cidade com a violência porque a periferia está abandonada. Se se quer melhorar a qualidade de vida de quem está morando no Centro e conta com maior poder aquisitivo, tem de melhorar também a qualidade de vida de quem está morando na periferia. Dar qualidade de vida para quem mora na periferia, para que não venha a ser o assaltante que venha a fazer com que o morador do Centro, das classes mais altas, seja obrigado a se trancar numa cadeia. Hoje a gente vive dentro de uma cadeia, com grades nas portas, nas janelas. Com medo de sair à noite. Não adianta enfeitar o Centro e abandonar a periferia. Com o pessoal de lá sem o mínimo de decência, de condições de higiene, vai uma hora acabar no Centro" -- disse Russomanno.

A explícita dificuldade de aprofundar uma análise sobre Santo André, a ponto de ancorar a qualidade de vida à segurança pública e de sugerir superficialmente suposto fosso de tratamento administrativo destinado ao Centro e à periferia, só foi atropelada em conteúdo pela argumentação favorável à guerra fiscal. A declaração do candidato: "Sou sim favorável à guerra fiscal. Tem de dar mais para a indústria ficar no Município. Quem der mais, a indústria fica no Município. Vai empregar gente da cidade, que vai comprar no comércio da cidade. É uma bola de neve. É bom para todo mundo. E se como prefeito tenho de dar incentivo para a empresa vir para cá e também para não sair, eu vou fazer isso. Tenho de cuidar da cidade, não posso deixar todo mundo ir embora, abandonar a cidade e eu ficar aqui sem arrecadação, sem indústria, sem empregos e o pessoal morrendo de fome e sem condições de dar nada para a cidade. Então eu sou um péssimo administrador se estiver fazendo isso. E não é esse o caminho". 


Conceito é outro -- O enfraquecimento econômico do Grande ABC, e particularmente de Santo André, Município que mais perdas industriais acumulou nos últimos 25 anos, não está exclusivamente relacionado à guerra fiscal conceituada pelo deputado federal. Como a Região Metropolitana de São Paulo, Santo André sofreu com o processo de desconcentração industrial em direção ao Interior do Estado e também de Minas e Paraná, principalmente. Além de benefícios tributários e de infra-estrutura -- redução de impostos municipais, cessão de terrenos e de galpões, compensação da quota-parte do ICMS --, entre outros ingredientes do coquetel de vantagens, os municípios fora do eixo da Grande São Paulo beneficiaram-se de deliberada política de descentralização econômica dos governos federal e estadual.

A parcela de responsabilidade dos administradores públicos que comandaram as prefeituras do Grande ABC nas três últimas décadas, e não exclusivamente de Santo André, está consolidada principalmente na empáfia de acreditarem na invulnerabilidade geoeconômica local. Descuidaram-se individualmente e também coletivamente de políticas voltadas para o setor. Entretanto, a proposta de guerra fiscal alardeada por Celso Russomanno é impraticável. Simplesmente porque guerra fiscal é erva daninha que cresce em municípios que buscam gerar empregos no curto prazo e arrecadar impostos no médio prazo.

Em cidades sem histórico industrial, a guerra fiscal apresenta vantagens socioeconômicas em detrimento de localidades vitimadas pela deserção de empreendedores -- caso específico dos municípios da Grande São Paulo. Já onde existe tradição e consolidação industrial, a aplicação de guerra fiscal seria tempestuosa. Uma indústria metalúrgica que venha a se instalar no Grande ABC gozando de benefícios tributários competiria deslealmente com unidades do setor já instaladas aqui e cujo mix de impostos -- e custos de produção -- é mais elevado.  Equalizar a carga de tributos com o rebaixamento de alíquotas de todas as empresas do setor significaria sensível queda de arrecadação; portanto, algo impensável. Quando se sabe que o setor industrial ainda é o que mais arrecada impostos no Grande ABC, muito acima da média nacional, é possível imaginar o tamanho do rombo nos cofres municipais caso um administrador público ousasse radicalizar em nome da guerra fiscal.  Em municípios que se industrializaram tardiamente foi possível estabelecer política tributária diferenciada, bem como benefícios locacionais diversos, porque se estabeleceu equilíbrio de tratamento a partir da concepção do projeto de desenvolvimento industrial e da lógica acaciana de que, por mais que oferecessem vantagens, nada estariam perdendo pela simples razão de que partiram de receitas absolutamente inexistentes até então. 

Por essa e outras razões, o reducionismo do deputado federal Celso Russomanno à recuperação econômica do Grande ABC, vinculando-a à farra da guerra fiscal, não tem sustentação. Quem conhece bem o assunto sabe que entrar na guerra fiscal a partir do zero de ocupação industrial é tão seguro como subir num trem parado na plataforma de embarque. Já engajar-se na guerra fiscal depois da consolidação de um parque industrial é tão arriscado como tentar subir no mesmo trem a 100 quilômetros por hora e tendo como apoio um veículo em alta velocidade. Enfim, está mais para encenação cinematográfica. No caso de Russomanno, de encenação radiofônica. 


Por que candidato? A candidatura de Celso Russomanno à Prefeitura de Santo André está relacionada à possibilidade de tirar votos de Celso Daniel na periferia. O perfil do eleitorado desse misto de deputado e apresentador de programas de televisão está concentrado nas classes sociais mais suscetíveis à sua pregação eletrônica. Os votos obtidos por Russomanno em Santo André há 16 meses como candidato vitorioso a deputado federal embalaram os opositores de Celso Daniel a criar uma espécie de terceira via provisória para provocar a realização de segundo turno em Santo André. Russomanno contabilizou 4.986 votos em Santo André, classificando-se em sexto lugar entre os mais prestigiados pelos eleitores. Atingiu 1,22% dos votos, muito abaixo do candidato apoiado por Celso Daniel, o também eleito Luiz Carlos da Silva, que somou 66.134 votos, ou 16,23% do total de comparecimento. 

Também se comparados à votação de Duílio Pisaneschi, segundo deputado federal mais votado em Santo André, com 59.166 sufrágios, ou 14,52% do total de comparecimento, os números de Russomanno são residuais. Os terceiro e quarto colocados mais votados em Santo André também estão relacionados ao prefeito Celso Daniel, porque são ambos deputados federais do PT: Aloizio Mercadante teve 14.592 votos e José Genoíno, 9.189. O quinto mais votado em Santo André, e que também se elegeu, não tem base eleitoral na região, a exemplo de Mercadante e Genoíno: é o pastor evangélico Vandeval dos Santos, que somou 9.110 votos. 

Em termos de região, Celso Russomanno classificou-se em quinto lugar entre os candidatos a deputado federal sem base eleitoral em qualquer um dos sete municípios. Ele conseguiu 14.799 votos, abaixo de Aloizio Mercadante (49.346), Vandeval dos Santos (35.311), José Genoíno (30.405) e Michel Temer (20.044).


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