Ainda faltam 19 meses para as eleições municipais do ano que vem e há quem pergunte sobre a possibilidade do ex-prefeito Luiz Marinho superar o prefeito Orlando Morando em São Bernardo. Tenho série de ponderações a fazer, como o fiz em agosto do ano passado.
Naquele mês assegurei que Luiz Marinho seria adversário do tucano, enquanto a mídia em geral caia na conversa mole de que o candidato seria o deputado estadual Luiz Fernando Teixeira ou algum sindicalista. Teríamos um exemplo de fim da picada se Marinho, candidato a governador, admitisse que seria candidato a prefeito dois anos depois. Assinaria o atestado de burrice, porque confessaria publicamente que perderia o Palácio dos Bandeirantes.
Agora, diante da evidente confirmação da candidatura do petista numa entrevista mencionada pelo Diário do Grande ABC na edição de ontem, o resumo da ópera para satisfazer a curiosidade sobre o título é a seguinte: não é muito provável que Luiz Marinho volte ao comando do Paço de São Bernardo, mas é possível que Orlando Morando deixe o comando do Paço do São Bernardo. Como dormir com um barulho desses, trafegando que estou numa banda que só é aparentemente apertada, porque de fato é larga?
Um governador parceiro
O que salvou a pátria de Orlando Morando na perspectiva de entrar como favorito na disputa de outubro do ano que vem foi o resultado das eleições ao governo do Estado em outubro do ano passado. Caso o tucano João Doria houvesse sido derrotado pelo socialista Márcio França, a situação seria periclitante. Sem Geraldo Alckmin em Brasília e sem Dória no Palácio dos Bandeirantes, Orlando Morando ficaria órfão duplamente. Teria de jogar com as próprias cartas. O peso de França em favor de Marinho seria maior que o apoio quase irrelevante de Jair Bolsonaro a Orlando Morando. A proximidade tem preferência.
É claro que insumos municipais da Administração de Orlando Morando têm maior relevância que qualquer vetor macropolítico, mas essa é apenas uma parte de enredo de definição de voto. Sobretudo quando o adversário é o PT. Um PT cuja recomposição da imagem, que jamais será como antes, está em sintonia com os desarranjos mais nacionais que estaduais. Como economicamente o governo Bolsonaro não estará bombando, porque as condições macrofiscais são péssimas, possivelmente o ambiente nacional no que mais interessa aos eleitores, ou seja, o bolso, terá menor influência do que muitos que estão na situação gostariam.
Meta restauradora
Há múltiplos e contraditórios ângulos à análise pré-eleitoral em São Bernardo. Por isso é impossível destrinchá-los agora. Mas um que me parece suficientemente preocupante para Orlando Morando: o PT vai investir todas as fichas num candidato com viabilidade de sucesso para reconquistar a cidadela simbolicamente mais importante do País. São Bernardo, a manjedoura petista, será objeto de adoração eleitoral dos avermelhados.
Sei que o PT e todos os demais partidos não têm mais a mesma embocadura de financiamento eleitoral de tempos pré-Lava Jato. O cerco é geral e irrestrito. Muita coisa ainda passa pela catinga da fumaça de alquimias colaborativas, mas o receio de virar estatística de criminalidade eleitoral e, principalmente, de conhecer certos endereços prisionais torna o jogo eleitoral menos monetizado, por assim dizer. O dinheiro anda mais curto. E a credibilidade da classe, nem se diga.
Por isso que o fator campo vai influenciar no fator torcida. Fator campo são os ingredientes que tornam os candidatos à reeleição menos intensamente financiáveis que os opositores. Fator torcida é o resultado nas urnas. Antes da Lava Jato prefeito minimamente competente nadava de braçadas na caminhada à reeleição. Hoje é preciso acertar muito e rezar para que não apareça um adversário que faça das redes sociais um campo de batalha coerente com o imaginário popular.
Peso de Alex Manente
No caso específico de São Bernardo, há um componente especialíssimo no território de votos da região: Alex Manente, deputado federal, é espécie de terceira força cuja proximidade com Luiz Marinho vem do passado, já foi lucrativa nas urnas e também destruidora sob os efeitos da Lava Jato. PT e Alex Manente são parceiros senão inseparáveis, mas convenientes.
Agora mesmo o deputado federal armou-se nas redes sociais com uma peça de publicidade em que ataca tanto o prefeito Orlando Morando quanto o Diário do Grande ABC, a propósito de suposto recebimento irregular de dinheiro reservado à moradia funcional. Não me lembro de algum político ter avançado tanto no confronto com o Diário do Grande ABC.
Haverá vários pontos do espólio de Luiz Marinho, prefeito durante oito anos em São Bernardo, sobre os quais tanto o petista como o tucano vão traçar operações estratégicas junto ao eleitorado.
Morando deverá metralhar as obras inacabadas de Luiz Marinho, colhido no contrapé do segundo mandato desajustado e incompleto de Dilma Rousseff.
Marinho deverá colocar na linha de frente de argumentos o segundo mandato de Lula da Silva, quando o Brasil registrou (a custo de comprometimento fiscal posterior) o maior crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) desde a redemocratização.
Além disso, provavelmente Marinho procurará capitalizar as obras concluídas ou em fase de conclusão por Orlando Morando como obrigação do sucessor ante a enxurrada de investimentos que deixou.
Intermediários decidem
O eleitorado de São Bernardo que não está enraizadamente doutrinado pela esquerda e tampouco pensa como os direitistas terá peso decisivo na definição do vencedor em outubro do ano que vem. Essa porção que flutua entre os dois extremos (e que é semelhantemente expressiva no País como um todo) será convocada a interpretar os duelos de esgrimistas políticos.
Visto, portanto, do ponto de vista de macroanálise municipal, o embate em São Bernardo tem fundamentos que parecem bastante específicos.
Orlando Morando exibirá a musculatura de um prefeito operário, de fazer de pequenas obras, mescladas de obras maiores deixadas em algum estágio inconcluso pelo antecessor.
Luiz Marinho tentará capitalizar para os anos de gestão um apanhado de ações deflagradas a partir de um planejamento em sintonia com uma preparação engendrada com o governo federal. Uma iniciativa cujos frutos seriam colhidos ao longo de novas gestões.
Estoque de 25%
Por fim (e muito longe de encerrar uma série de avaliações que se darão até outubro do ano que vem, porque a política é dinâmica e o que parece definitivo hoje improvável é amanhã), convém lembrar que Luiz Marinho começa a disputa eleitoral de 2020 com um estoque acabado, gestado, sólido, de 25% dos votos válidos. Não é pouco coisa.
Distante disso. Chegar a esse percentual de votos numa disputa ao governo do Estado (esse é o caso) contra João Doria, Márcio França e Paulo Skaf, tendo-se como fator preponderante a ainda mesmo que não tão intensa demonização do PT e o endeusamento de Jair Bolsonaro, não é algo que se deva minimizar.
Luiz Marinho contabilizou em São Bernardo o dobro dos votos válidos alcançados no Estado de São Paulo. Sua derrota foi cantada por quem tem juízo no lugar, inclusive e provavelmente pelo próprio candidato. Entretanto, como escrevi aqui, aquela disputa foi apenas um teste de avaliação da temperatura petista no Estado e, principalmente, na cidadela mais importante do partido.
A reconstrução do Partido dos Trabalhadores na região e no Estado de São Paulo passará provavelmente pela disputa municipal do ano que vem. Luiz Marinho é espécie de candidato à redenção. Por isso mesmo Orlando Morando trabalha intensamente para superar a barreira que um emaranhado cultural de São Bernardo lhe impõe.
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19/11/2024 PESQUISAS ELEITORAIS ALÉM DOS NÚMEROS (24)