Santo André ainda é uma cidade em busca do tempo perdido. Maior vítima regional da desindustrialização, o Município corre atrás de prosperidade em cenário bastante adverso. O desafio que Celso Daniel se propôs a enfrentar quatro anos atrás, quando assumiu a Prefeitura pela segunda vez em 1996, mudou muito pouco. Apesar das explícitas intenções de promover a reconversão econômica do Município, ainda não foi possível encontrar o equilíbrio entre ações sociais e desenvolvimento econômico, dilema de muitos administradores públicos. Se não for assim, os governos locais estarão condenados a passar a maior parte do tempo correndo atrás do prejuízo.
Aos 49 anos, Celso Daniel está em mais uma campanha eleitoral. E os 625 mil moradores de Santo André à espera de que o próximo prefeito os conduza de vez ao caminho certo. A tarefa é inglória. Por isso mesmo, seria ingênuo negar que inúmeras iniciativas do último mandato trouxeram um pouco mais de alento para a população. Pega no contrapé pelo implacável efeito das transformações macro e microeconômicas, índices indesejáveis de desemprego, queda na arrecadação e consequente empobrecimento da população, a cidade continua com pressa. Saber direcionar prioridades em momentos cruciais é o grande dilema do administrador, que só tem duas alternativas: fazer ou fazer.
Não é por acaso que o desenvolvimento local faz parte da agenda mundial já há algum tempo. Quem não inserir o próprio quintal em modelos de desenvolvimento pós-moderno corre o risco de resvalar na própria retórica. O economista e professor Celso Daniel, participante assíduo de eventos mundiais e contumaz observador das experiências internacionais, sabe bem disso. Identifica pontos falhos e relaciona ações que considera imprescindíveis para os próximos anos. Em busca do terceiro mandato e polido ao comentar o fato de não ter concorrentes tradicionais, o prefeito licenciado descartou a hipótese de Santo André estar carente de lideranças políticas. Mesmo com folgada margem nas pesquisas em relação à inusitada candidatura do segundo colocado Celso Russomanno, Celso Daniel dedica tempo integral à campanha porque conhece muitos exemplos de quem apostou no já ganhou e teve surpresas no último voto.
O senhor é candidato à reeleição e, diferentemente do que acontece nas outras cidades da região, não tem adversários com tradição política no Município. O que levou Santo André à escassez de lideranças políticas?
Celso Daniel -- Não vejo assim. Santo André tem lideranças expressivas. Certamente o deputado estadual e ex-prefeito Newton Brandão e o deputado federal Duílio Pisaneschi resolveram não concorrer porque consideraram o momento não oportuno. Temos também vários vereadores do PT com atuação bastante positiva e naturalmente o deputado federal Luiz Carlos da Silva e o deputado estadual Vanderlei Siraque não se puseram em campanha por causa da minha candidatura.
Até quando Santo André e região continuarão a sofrer da síndrome da falta de peso político?
Celso Daniel -- Não é de hoje que se discute o assunto. Nossas lideranças não conseguem projeção porque ainda somos vistos como subúrbio de São Paulo. Ainda temos pouca expressão para a mídia, à exceção das tragédias. É claro que temos lideranças que conseguem destaque pela qualidade do trabalho individual e neste exemplo se encaixa o Lula, seguramente um dos nomes do Grande ABC com maior projeção dentro e fora do País. Mas no conjunto, ainda não conseguimos nos destacar pelo papel subalterno que o Grande ABC tem desempenhado no âmbito da Grande São Paulo.
O senhor obteve 52,38% dos votos válidos em Santo André na eleição de 1996 para prefeito e 18,15% para deputado federal, dois anos antes. Levada em conta a peculiaridade de cada pleito, são percentuais que o colocam no seleto grupo dos políticos bons de votos. O próximo degrau na sua escalada política é o Senado?
Celso Daniel -- Isso está reservado ao futuro. Não arriscaria falar sobre isso no momento. O degrau que me interessa agora são as eleições municipais. Quero me dedicar integralmente à campanha, por isso me desincompatibilizei do cargo. Eleição numa cidade do porte de Santo André exige dedicação integral.
Com a desincompatibilização, o senhor ganha tempo e evita que eleitores associem a campanha ao uso da máquina pública. Num país repleto de histórias de favorecimento do poder estabelecido, separar reeleição e administração não é mais um problema para os candidatos?
Celso Daniel -- A reeleição é uma medida contraditória no Brasil. Ao mesmo tempo em que permite a continuidade político-administrativa, a cultura política brasileira joga muito no sentido do uso da máquina. Isso talvez não seja tão importante em regiões mais expostas à mídia. Mas com certeza é danoso em locais onde esse controle não seja tão efetivo.
Que comparação o senhor estabelece entre seus dois mandatos. Foi mais fácil governar pela segunda vez?
Celso Daniel -- Parece lógico que o segundo mandato tenha sido menos penoso, porque a experiência política adquirida na primeira gestão permitiu, sobretudo, aprender com os erros.
O senhor está querendo dizer que o segundo mandato foi mais flexível e menos atrelado às amarras do Partido dos Trabalhadores?
Celso Daniel -- Houve o mesmo estilo de entendimento com o partido nas duas gestões. Da mesma forma como tive autonomia para montar minha equipe de governo na primeira vez, tive também na gestão atual. O PT de Santo André tem me ajudado a governar e acredito que essa relação está diretamente ligada à maneira como o político se incorpora à militância partidária e à gestão pública.
Os pontos debatidos no Projeto Cidade Futuro devem nortear uma possível terceira administração sob o comando de Celso Daniel?
Celso Daniel -- O Cidade Futuro não deve ser confundido com plano de governo para os próximos quatro anos. São instrumentos diferentes, embora complementares. Enquanto o primeiro traça diretrizes a médio prazo, o segundo exige ações imediatas e mais detalhadas. Mas é claro que alguns pontos básicos estão entrelaçados.
Esses pontos básicos já estão identificados?
Celso Daniel -- São quatro eixos. O primeiro é o combate à violência urbana, que não pode mais ser de responsabilidade única do Estado. O governo municipal precisa interagir com as polícias e comunidade porque a repressão à marginalidade é fundamental para valorização do espaço público. Depois vêm a continuidade dos programas de inclusão social, o aprimoramento da qualidade do serviço público e a participação cidadã.
Já existe sinergia suficiente entre os Municípios do Grande ABC?
Celso Daniel -- As experiências do Consórcio Intermunicipal, da Câmara Regional e da recém-criada Agência de Desenvolvimento Econômico são exemplos claros da sinergia que começa a se estabelecer no Grande ABC. Discordo da nota seis que o prefeito Maurício Soares dá à integração regional. Cito apenas dois exemplos que mostram ações concretas e nos colocam em posição de vanguarda no Brasil: o plano conjunto de combate às enchentes e o Mova (Movimento de Alfabetização de Adultos). Falta para a região aprimorar e sedimentar uma fonte permanente de captação de recursos para investimentos regionais.
Sob esse ponto de vista, a transformação do Grande ABC em região metropolitana não faria diferença?
Celso Daniel -- Não importa o nome, vale o conteúdo. Acredito que se o Grande ABC se tornasse região metropolitana, os sete municípios se isolariam ainda mais da solução de determinados problemas, como o sistema viário e o transporte coletivo. É absolutamente ingênuo imaginar que conseguiríamos resolver a questão dos engarrafamentos e do trânsito apenas no Grande ABC.
Seu governo cortou salários e promoveu demissões, questões historicamente combatidas pelo PT. Foi um momento de desconforto e de conflitos ideológicos?
Celso Daniel -- O ajuste fiscal promovido no início do mandato não escapou das impopulares e sempre traumáticas demissões e cortes de salários. Não havia saída e o processo foi imprescindível para obter um mínimo de fôlego financeiro e governar a cidade. Sem essas medidas não seria possível quase duplicar os leitos do Hospital Municipal, triplicar o número de vagas nas creches e implantar o Programa Andrezinho Cidadão, para crianças e jovens carentes.
O caso, que levantou suspeitas de licitação direcionados em limpeza urbana, Rotedalli foi outro momento embaraçoso?
Celso Daniel -- Não é a denúncia propriamente dita que incomoda. Denúncias são instrumento importante para o controle do setor público brasileiro. O que incomoda é o fato de os contratos objetos da denúncia serem favoráveis ao interesse público. Todos, sem exceção, tinham valores mais baixos que os serviços praticados anteriormente. Acredito que contrariamos interesses econômicos anteriormente constituídos e sempre há reação quando isso acontece.
O orçamento de R$ 407 milhões este ano deixa Santo André em situação financeira confortável?
Celso Daniel -- Temos R$ 390 milhões de dívidas ainda não equacionadas. Do total, R$ 290 milhões se referem a precatórios e R$ 100 milhões são débitos com a Sabesp. Essas dívidas não estão equacionadas porque nos dois casos os valores foram questionados judicialmente. O Semasa já perdeu uma das ações, portanto continua devedor.
A situação parece complicada diante do fato de Santo André ter perdido dois terços da arrecadação de ICMS nos últimos 25 anos.
Celso Daniel -- Há outros problemas. Perdemos indústrias e, consequentemente, arrecadação e estamos assumindo cada vez mais responsabilidades. Dos 16% do orçamento que Santo André gasta com Saúde, apenas 3% vem de Brasília. É assim também com Educação e outros setores que paulatinamente estão se incorporando aos gastos municipais, como já citei o caso da segurança pública.
É fato que o debate sobre o desenvolvimento econômico de Santo André apenas foi iniciado. Uma das razões seria o atraso na criação da Secretaria de Desenvolvimento Econômico?
Celso Daniel -- Reconheço que Santo André e o Grande ABC atrasaram suas secretarias de Desenvolvimento Econômico e concordo com as críticas de LIVRE MERCADO sobre o assunto. Mas existem outros pontos. Enfrentamos a crise do emprego industrial e as transformações produtivas das últimas décadas que obrigaram a mudanças radicais nos conceitos de produção. Se há um desafio que Santo André apenas começou a enfrentar é o do desenvolvimento econômico e a secretaria é o principal suporte institucional.
O senhor praticamente internacionalizou a administração. Além de contar com apoio de urbanistas franceses e espanhóis para definir traçados do ousado Eixo Tamanduatehy, percorreu o mundo para conhecer projetos de desenvolvimento. Detectou alguma experiência que possa ser aplicada em Santo André?
Celso Daniel -- No norte da Itália está o modelo de desenvolvimento local que mais me impressionou. A região se desenvolveu com base nos pequenos empreendimentos e na economia tradicional. Não há gênios produzindo computadores ou softwares. São indústrias do vestuário, da construção civil e de calçados que utilizam tecnologia de ponta e estão reunidas em distritos industriais interativos, complementares e cooperativos. Ali pode-se compreender o verdadeiro sentido da palavra cluster.
Como o senhor imagina ser possível promover a reconversão econômica de Santo André?
Celso Daniel -- É preciso que os desafios sejam assumidos por parcelas expressivas da comunidade. Os passos que demos nos últimos anos foram decisivos porque conseguimos extrapolar o terreno das idéias. É preciso acabar com a idéia de que Santo André está se tornando uma cidade de serviços. Apesar da desindustrialização, é fundamental que as empresas aqui instaladas continuem a se modernizar e a fazer investimentos. Isso é perfeitamente possível em Santo André, mas não é fácil porque envolve mudança de postura do Poder Público e da iniciativa privada.
O senhor pretende promover essa revolução no seu possível próximo mandato?
Celso Daniel -- Claro que isso não acontecerá em apenas quatro anos e é preciso enxergar esses prazos com clareza.
O empresariado aproximou-se como deveria do Poder Público?
Celso Daniel -- É necessário avançar muito ainda. Boa parte do empresariado de Santo André ainda não conseguiu estabelecer relações com o poder municipal. Ou melhor, sequer estabeleceu relações entre si. O aprimoramento dessas relações é fundamental para criar o espírito de cooperação que ainda não existe na cidade. Queremos um empreendedorismo que seja baseado não apenas na iniciativa individual, mas na combinação entre o individualismo e as ações conjuntas com outros empresários e o Poder Público. Creio que já demos um salto de qualidade.
O petista Celso Daniel considera o capital privado um aliado do Poder Público?
Celso Daniel -- Sem dúvida. Sem parceria não chegaremos a nenhum lugar.
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10/05/2024 Todas as respostas de Carlos Ferreira