Ao final de mais uma eleição acompanhando forçosamente os sorrisos tipo estúdio fotográfico grudados em tudo o que pudesse dar notoriedade aos candidatos, sabemos daqueles que continuam a rir. O misterioso é descobrir do que riem? Esperamos que não seja da boa-fé, da fragilidade política nem dos pagadores de impostos. Muito menos de promessas que duram tanto quanto uma bolha de sabão.
Estudos mostram que absorvemos 1% através do paladar, 1,5% pelo tato, 3,5% através do olfato, 11% pela audição e 83% através da visão. Não é por outra razão a importância estratégica dos chamados marqueteiros que tão profissionalmente têm vendido o produto chamado candidato para nós, consumidores amadores. A vitória do marketing eleitoral esconde algo mais importante: o controle das informações. Durante a campanha eleitoral ganha importância, como sempre, o apelo ao social, repetido à exaustão (especialmente questões como o desemprego e a segurança), cumprindo apenas papel simbólico.
Acompanhando o dia a dia do Grande ABC, participando de câmaras, comitês e do Raio X das Câmaras do Diário do Grande ABC, podemos refletir sobre a gestão pública municipal focando, por exemplo, nossas câmaras municipais e seus vereadores. Vale ressaltar três pontos:
A região oferece cardápio internacional de problemas a serem superados nas áreas de segurança, desenvolvimento econômico, saúde, meio ambiente, educação, tributos, transporte e circulação, cultura, saneamento, habitação e planejamento, além de constantes indagações quanto ao uso dos recursos públicos e o funcionamento adequado da máquina administrativa no trato e na prestação de serviços à sociedade.
Temos na região desde 1991 o Consórcio Intermunicipal e, a partir de 1997, a Câmara Regional do Grande ABC e o Subcomitê de Bacia Billings/Tamanduateí, com trabalhos desenvolvidos, grupos de trabalho, pesquisas, dados e agendas regionais acima de tudo abertas à participação de vereadores.
Para desenvolverem trabalhos, vereadores da região contam com aproximadamente 600 assessores, compondo uma folha de salários de R$ 3,5 milhões mensais, ou R$ 45,5 milhões por ano, ou ainda R$ 182 milhões por mandato, sem contar outras verbas ou ajudas de custo.
Se conjugarmos esse três pontos teremos condições humanas e materiais para escolher demandas das mais variadas a enfrentar e canais auxiliares como os fóruns de participação. Dos quase 3.768 projetos avaliados pelo Raio X das Câmaras, 2.679 valeram pontos. Dos 192 considerados relevantes, 113 foram aprovados pelas câmaras e nenhum foi implementado pelo Executivo. A produção de apenas 3% de projetos considerados relevantes mostra, graças a Deus, que existem exceções entre vereadores e vereadoras. Verificamos ao longo do mandato de quatro anos que a Câmara Municipal que produz melhor entre os sete municípios tem cerca de 40% de projetos inconstitucionais. A pior, cerca de 60%. Ou seja, mais da metade vai para o lixo, embora tenha consumido horas de trabalho, papel, energia etc.
Outro traço rotineiro foi o número de projetos inócuos (que não servem pra nada), mal formatados, mal estruturados, mal redigidos e até irônicos como o Dia Mensal do Corte de Cabelo, apesar da presença dos assessores incontáveis. Não é de se admirar que o Poder Executivo vem assumindo papel tirânico em relação ao Legislativo: quanto pior, dependente de cargos, favores e mais fragilizado for, melhor para os tratores turbinados da administração.
A fragilidade aumenta quando CPIs contra vereadores, processos por improbidade administrativa, peculato (delito de funcionário público que se apropria de valor ou bem em proveito próprio), loteamentos clandestinos em área de manancial, licitações duvidosas, entre outras pérolas não dão em nada. A dose fica mais crítica quando se ouve pelos corredores que vereadores aprovam projetos sem sequer lê-los.
Os vereadores perdem com isso? Certamente, mas a sociedade perde muito mais com a desmoralização de instância de poder tão importante como é o Legislativo. Em três anos de instâncias regionais, pouquíssimos foram os vereadores que deram o ar da graça nesse debate. Porém, equivocadamente, desenvolveram projetos em seus municípios interferindo negativamente na vida regional com leis de uso do solo e de incentivos a atividades setoriais da economia, por exemplo.
Em pesquisa recente sobre a percepção pública da função dos vereadores, o Imes de São Caetano entrevistou 1,2 mil pessoas com idade de 18 a 60 anos. Destacamos o seguinte:
90% lembram-se em quem votaram, porém apenas 23% sabem o que o vereador faz;
50% têm simpatia por vereadores que transportam doentes;
43% consideram os que arrumam vagas em escolas;
Do que se alimenta esse maldito e retrógrado assistencialismo no novo milênio? Se alimenta da precariedade dos serviços públicos e suas políticas sociais. Em outras palavras, torce por falta de vagas nas escolas, por hospitais lotados e pela burocracia cancerosa da máquina pública, amarrando o pobre cidadão ao curral da próxima eleição.
A visibilidade como Casa de Leis e Fiscalização das câmaras municipais há muito foi trocada por agência de despachos, de transportadora, intermediária de serviços, quebra-galhos, office-boy, entre outros. Quer dizer: o discernimento das funções de vereador foi para o espaço. A continuar com essa prática, os Legislativos sofrerão seu golpe de misericórdia e a democracia ficará doente. Democracia doente é igual cidadania fraca.
Esta eleição apresentou praticamente o mesmo índice de renovação da anterior. Alguns vereadores que estavam no inferno, segundo o Raio X das Câmaras, queimaram de vez; outros estão chegando. O que podemos esperar?
Estamos dentro do Fórum da Cidadania discutindo com entidades para lançar o movimento cívico Valorização do Cargo Público. Se queremos saídas, se queremos superar obstáculos e consolidar a democracia, precisamos fortalecer instâncias e instituições governamentais. De saída, podemos conclamar prefeitos e vereadores eleitos a registrarem em cartório os planos de governo. Caso os vereadores não tenham planos de ação, que desenvolvam programas de atuação até dezembro, dando exemplo de compromisso com o eleitor, com a instituição que representam e também um rumo ao próprio trabalho. Tenho certeza de que, ao invés de maus exemplos, poderão inaugurar novo momento político, mostrando sinais de vitalidade e projetando a região para o restante do País.
Outra questão chave agregada à anterior é a dos assessores. É fundamental para recuperarmos e qualificarmos o Legislativo a necessidade de vivenciar a ética e a transparência, dando o exemplo na relação com familiares e com cabos eleitorais nos gabinetes ou na máquina. Em outras palavras, por que não começar enxugando o número de assessores pessoais e criando assessoria técnica conjunta que dinamize e dignifique os trabalhos da casa, fundamentando os projetos e interferindo na vida local e regional de maneira consistente e transformadora? Quem tem coragem de dar esses bons exemplos?
Temos na região pelo menos 40 conselhos municipais, além dos fóruns regionais, com a participação da sociedade civil envolvendo voluntariamente cerca de 400 pessoas. Quantas vezes as Câmaras Municipais conversaram entre si, embora tenham questões em comum? Quantas audiências públicas foram realizadas e o que se explicitou e aperfeiçoou? É hora de dar esse passo para a frente.
Resgatar a importância do Legislativo é redescobrir sua identidade, é qualificar o diálogo com o Poder Executivo exercendo sua correta fiscalização e dos seus atos administrativos, é criar vínculos de verdade com a população a partir da dignidade, da competência e do compromisso com o desenvolvimento da cidade e o fortalecimento da cidadania. Quem sabe na próxima eleição teremos o verdadeiro significado daquele sorriso de estúdio!
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19/11/2024 PESQUISAS ELEITORAIS ALÉM DOS NÚMEROS (24)