Administração Pública

Secretarias municipais
não pesam o quanto valem

MALU MARCOCCIA - 05/12/2000

Estreantes no organograma das Prefeituras do Grande ABC nesta gestão que se encerra, as Secretarias de Desenvolvimento Econômico não conseguem sair do prefácio de uma longa trajetória de atividades que, por sinal, deveriam ser aceleradas para resgatar o passado perdido. Com orçamentos de fome programados para 2001, as SDEs continuam impedidas de dar respostas eficientes às fissuras econômicas da região, tamanho o desprestígio dessas Pastas nas verbas e na infra-estrutura humana para preparar planejamentos estratégicos, pesquisas e forte assessoria aos empreendedores. A maioria dos orçamentos das SDE não alcança um dígito sequer em relação à previsão orçamentária de 2001, como se desenvolvimento econômico não fosse o salvo conduto para fazer prosperar as demais atividades de um Município.

É inacreditável como as SDEs não entusiasmam administradores públicos do Grande ABC. Durante a última campanha que reelegeu cinco dos sete prefeitos da região, a identidade econômica local esteve mais uma vez em discussão. Pela primeira vez Celso Daniel, por exemplo, colocou a nu em palanques a perda de dois terços do ICMS de Santo André nas duas últimas décadas como resultado da evasão industrial e da reestruturação do parque que restou. Em Diadema José de Filippi Júnior chegou a declarar que vai priorizar conversas com autopeças, plásticos e cosméticos para que gerem pelo menos 500 empregos por mês na cidade. Em São Bernardo o prefeito Maurício Soares voltou a bater na tecla da implantação de um megacentro de feiras e eventos, até já batizado de Espaço Qualidade Empresarial.  Como fazer tudo isso se as SDEs, principais animadoras do processo, continuam tão mal posicionadas no organograma municipal? Que lógica de gestão política e administrativa é essa que dispensa um aparato portentoso de programas de desenvolvimento econômico?


Objetivos estratégicos -- Em campanha, George W. Bush e Al Gore puseram o livre comércio e a tecnologia -- as duas principais grifes dos Estados Unidos -- como ferramentas de crescimento econômico futuro dos norte-americanos no mesmo patamar de prioridade do orçamento de Defesa, que em 2001 terá US$ 300 bilhões. É essa visão de objetivos estratégicos imediatos que garante a supremacia militar e econômica mundial dos EUA, cujo PIB chega a astronômicos US$ 10 trilhões, quase 20 vezes o Produto Interno Bruto brasileiro de US$ 555 bilhões. O México, considerado emergente como o Brasil aos olhos internacionais, vai exportar US$ 165 bilhões neste 2000 porque investe todas as energias nesse segmento. "Comércio exterior no México é política de Estado para o desenvolvimento econômico e social" -- cita Alberto Pfeifer, executivo da Cepal (Comissão Econômica para América Latina e Caribe) que recentemente retornou do México impressionado com o que chamou de mobilização, profissionalismo e comunicação fluída entre governo e setor privado naquele país.

Na fronteira da indigência orçamentária, as Secretarias de Desenvolvimento Econômico do Grande ABC longe estão de centrar o foco na estruturação de economias municipais dinâmicas, competitivas e integradas. Continuam devendo iniciativas coordenadas para estimular uma ordem industrial estabelecida e um pólo versátil de serviços, comércio e entretenimento. Mauá e Diadema estão se atracando pelo título de pólo do plástico, São Caetano promove guerra fiscal particular de ISS reduzido para salvar a arrecadação por meio de micro e pequenos empreendimentos que não definem qualquer vocação estratégica, enquanto Santo André segue sozinha no colo do ambicioso Eixo Tamanduathey para tirar das trevas um pedaço urbano de galpões abandonados, ferrovia e rio mal-conservados que atravessam outros dois municípios da região.

Salta aos olhos que o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), gerado pelo parque econômico, ainda é a principal fonte de renda das prefeituras. Em Diadema deve reforçar com R$ 95 milhões o orçamento de R$ 239,9 milhões previsto para 2001. Mas a Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Turismo de Diadema, interlocutora do Poder Público junto aos fabricantes e prestadores de serviços responsáveis pela bolada tributária, foi contemplada com esquálidos R$ 466 mil, ou 0,19% do total do exercício. Em Santo André, cuja previsão orçamentária bate em R$ 478,2 milhões, a Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Emprego é lanterninha entre órgãos de primeiro escalão, com verba de R$ 1,091 milhão em 2001, ou 0,22% do bolo. A SDEE de Santo André perde para a Secretaria de Assuntos Jurídicos, contemplada com R$ 3,8 milhões ou quatro vezes mais que a área econômica, e leva uma goleada da verba reservada para o Gabinete do Prefeito, que vai poder trabalhar com folgados R$ 18,7 milhões.

Em Mauá a SDE terá de se contentar com R$ 621,5 mil (0,36%) do orçamento previsto de R$ 172,6 milhões. A Pasta só está à frente da rubrica Reserva de Contingência, de R$ 300 mil. Dona da arrecadação mais invejada do Grande ABC e com território ainda grandemente forrado de indústrias, nem a Prefeitura de São Bernardo foi generosa com sua Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Turismo: destinou-lhe R$ 7,017 milhões, ou 0,79% do orçamento de R$ 883,8 milhões montado para 2001. A secretaria econômica mal encosta em Assuntos Jurídicos (0,86% do total) e perde para a Guarda Municipal, que será aquinhoada com R$ 16,2 milhões, ou 1,8% do orçamento. 

Somente a estância de Ribeirão Pires demonstra visão sobre a importância de fomentar estratégias e apoiar o parque produtivo e de serviços, até porque concentrou o facho de luz no turismo: a Secretaria de Desenvolvimento Sustentado terá R$ 2,3 milhões para arquitetar ações em 2001, ou 4,3% do orçamento de R$ 52,6 milhões. Na pequena Rio Grande da Serra, que também decidiu fazer do turismo uma âncora de arrecadação, a Secretaria de Desenvolvimento Sustentado e Turismo sequer consta do organograma orçamentário de R$ 11 milhões. Em São Caetano nem secretaria há. A Diretoria de Desenvolvimento Econômico, que tem status de secretaria ligada ao Gabinete do Prefeito, tem uma verba de ação prevista em R$ 200 mil, o preço de um apartamento no Município. O valor cobre basicamente gastos com pessoal e manutenção, já que para projetos não há um tostão aprovado. O Município, que tem metade do ICMS dependente exclusivamente da General Motors depois da forte debandada de grandes empresas, contemplou a diretoria com residuais 0,09% do orçamento de R$ 210 milhões. O desenvolvimento econômico em São Caetano foi colocado ao lado de rubricas como SOS Criança e Fundo Social de Solidariedade.

A grande questão é achar que o Grande ABC depende exclusivamente de macrocondições econômicas ditadas pelo governo federal ou mercados externos, já que suas principais matrizes -- veículos e petroquímicos -- são commodities mundiais. Se as condições lá fora estão vantajosas, ótimo. Se não, vamos fazer figa. Independente do humor federal e das conjunturas externas adversas ou cor-de-rosa, o problema é que dentro dos sete municípios continua o equívoco de um passado que se deu ao luxo de menosprezar o empreendedorismo. O capital foi fustigado pelo sindicalismo raivoso e simplesmente ignorado pelo Poder Público inerte. 


Desunião -- A criação das Secretarias Municipais de Desenvolvimento Econômico somente há quatro dos 40 anos de industrialização foi uma mistura de realidade e otimismo. A realidade é que a globalização atingiu em cheio a obsoleta indústria brasileira e o Grande ABC, como principal pólo fabril, levou um direto no estômago. O otimismo referia-se ao fato de que a vida econômica, finalmente, começaria a mudar para melhor a partir de discussões regionais sobre revitalização das cadeias tradicionais e ordenamento de novas vocações, já que a riqueza fácil dos anos de mercado fechado virou pó. O que se tem posto à mesa, entretanto, é um cenário retalhado, de ações desunidas e até concorrentes entre secretários das sete cidades. 

Já a região de Marília, no Interior Paulista, acaba de articular o Gead (Grupo de Entidades de Apoio ao Desenvolvimento) entre 13 representações da iniciativa privada, comunidade e Poder Público com objetivo declarado de atrair empresas. O Ciesp local e a Fundação de Ensino Eurípedes Soares da Rocha realizaram entrevistas com bateria de 39 perguntas junto a 250 empreendedores para traçar o perfil industrial da região, a partir do qual o Gead começou a desenvolver um projeto de cluster. Três clusters estão na alça de mira, justamente para fortalecer os três maiores segmentos da região: metalurgia, alimentício e químico. Enquanto isso, a sonhada central de compras do setor químico-plástico do Grande ABC não sai do papel por falta de adesão. Mais de 300 questionários foram enviados pelo subgrupo de plásticos da Câmara Regional e o retorno não chegou a 10%. Um improvisado ensaio de compras conjuntas está em andamento por iniciativa de 18 pequenas empresas com intuito de sensibilizar e interessar mais organizações da cadeia.

No Oeste Paulista, Bauru está criando o quarto distrito industrial, com capacidade para 100 empresas. Os outros três distritos abrigam 150 indústrias. A Região Metropolitana de Campinas, que decidiu ser o Vale do Silício brasileiro, responde por 30% da produção científica e tecnológica do País porque soube potencializar a inteligência e as pesquisas a partir de núcleos como Unicamp, CPqD (Centro de Pesquisa e Desenvolvimento) e IAC (Instituto Agronômico de Campinas), sem contar os laboratórios mantidos por logomarcas célebres em tecnologia avançada, como Compaq, Lucent Technologies, Bosh, Shell, entre outros. A Prefeitura de Campinas mantém desde o início da década de 90 estrutura exclusiva para captação de investimentos estrangeiros com status de Secretaria de Cooperação Internacional. Em 2001 essa secretaria contará com R$ 819 mil só para trâmites burocráticos, que se somarão a outros R$ 7,6 milhões reservados propriamente à Secretaria de Planejamento, Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente, que cuida basicamente do desenvolvimento econômico do Município. As duas estruturas somam 1,1% do orçamento de R$ 764 milhões previsto para 2001. Guarulhos, próximo ao ABC, acaba de tirar de São Bernardo o bastão de maior arrecadação do Estado depois da Capital porque diversificou o parque fabril e está sabendo potencializar a área de eventos e serviços hoteleiros em torno do Aeroporto Internacional de São Paulo. Bingo! A arrecadação de Guarulhos cresceu 12% nos últimos dois anos, segundo a Comissão Central de Orçamento, e a Sica (Secretaria de Indústria, Comércio e Abastecimento) acaba de ser rebatizada Secretaria de Desenvolvimento Econômico. A Pasta será contemplada em 2001 com invejáveis R$ 29,2 milhões, ou 4,17% do orçamento municipal, previsto em R$ 701,5 milhões. 

Muitos dirão que o Interior cresceu à sombra da guerra fiscal, doando terrenos e impostos. Mas essa é parte da verdade. O Interior foi comendo pelas beiradas a Região Metropolitana de São Paulo porque costurou estratégias de valorização da qualidade de vida, da massa acadêmica e das vocações locais para se colocar no mapa dos investimentos que varrem o mundo.  Faltam originalidade e ousadia ao Grande ABC. A consequência é que os ditos orçamentos sociais -- que nada mais fazem do que remendar a exclusão diante da pobreza, do analfabetismo, do desemprego e da violência -- vão continuar sorvendo mais da metade dos recursos públicos. Os prefeitos continuarão enxugando gelo enquanto não enxergarem que sem desenvolvimento econômico que movimente riquezas, e não microrrenda de subsistência, não haverá prosperidade social. E São Caetano não precisaria aportar em 2001 R$ 2,015 milhões de complementação salarial para a Polícia Militar combater a criminalidade no Município, nem São Bernardo alocar R$ 19,1 milhões para a Sedesc (Secretaria de Desenvolvimento Social e Cidadania) resgatar crianças e jovens à margem da sociedade. 


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