Administração Pública

Santos de casa
fazem milagres

TUGA MARTINS - 05/01/2001

O desenvolvimento ecologicamente sustentável de Santo André começa a se mostrar possível e principalmente viável. Há exatamente um ano, o Semasa (Serviço Municipal de Saneamento Ambiental) iniciou projeto de alternativas econômicas e sociais de preservação ambiental com a população residente em áreas próximas à Represa Billings a partir de quatro experiências: piscicultura, apicultura, hortas comunitárias e minhocário. Por meio de financiamentos do Banco do Povo, pequeníssimos empreendedores compraram a briga para estancar a degradação do meio ambiente ganhando dinheiro. As atividades são simples, requerem baixo investimento, geram emprego e criam legião de guardiães de uma das mais importantes fontes de abastecimento de água da Grande São Paulo: a Billings.

Hoje o Semasa tem claro que o projeto vale a pena e que tem de ser difundido em larga escala pelo menos a médio prazo para que seja possível perceber os efeitos benéficos. A tarefa de alastrar a idéia não é das mais fáceis. Nada menos que 54% dos 174,38 quilômetros quadrados de Santo André estão em região de mananciais protegida por lei estadual. Cerca de 20 mil pessoas habitam chácaras, sítios e outras moradias nem sempre em conformidade com a legislação. A política adotada pelo governo municipal está longe de retirar as famílias da área, mas tem endurecido os impedimentos de ocupação com fiscalização feita até por helicóptero. 

Ao mesmo tempo, o Semasa promove educação ambiental quase que de porta em porta nos cinco mil domicílios cadastrados na área e arregimenta novos aliados à preservação do meio ambiente. O trabalho envolve estratégias de geração de renda, gestão ambiental e saúde pública. É um pool de gestões interfaceadas entre a Prefeitura e sua autarquia ambiental. "Implantamos projetos pilotos para mostrar a viabilidade aos demais moradores" -- conta o diretor do Departamento de Gestão Ambiental do Semasa, João Ricardo Caetano.

O desafio agora é convencer outros moradores a adotar uma das atividades. Sob a mira estão as comunidades ligadas a igrejas, clubes e sociedades amigos de bairro. Além de orientação técnica, o Semasa fomenta microcrédito junto ao Banco do Povo e acompanhamento periódico dos empreendimentos. "Organizamos visitações nos locais dos projetos pilotos como forma de despertar o interesse de novos parceiros" -- afirma João Ricardo. Além de piscicultura, apicultura, hortas e minhocário, o Semasa pretende desenvolver em 2001 projetos de criação de escargots e cultivo de cogumelos comestíveis.

O criador Murilo Alberto Pereira, dono de 23 mil metros quadrados encravados no meio da mata no Parque das Garças, trocou porcos por minhocas. Ficou apenas com os bovinos. A criação de suínos, além do sustento da família, causava sérios danos ao meio ambiente e dor de cabeça quase que mensal por conta das notificações e multas. Os efluentes da pocilga atingiam o subsolo, contaminando terra e córregos que desembocam na Billings. As 11 cabeças de gado que Murilo cria são a fonte de matéria-prima para sua segunda atividade: o minhocário. Os 330 quilos de fezes bovinas diários são misturados a palha, resultando em ambiente mais que propício para criação de minhocas. Além de iscas para pesca, o minhocário produz húmus (adubo orgânico). Ou seja, o esterco que a minhoca come se transforma em matéria de primeira qualidade para plantações.

Para quem chegava a pagar 500 Ufirs de multa por causa dos porcos, Murilo Pereira não tem como reclamar dos baixos custos de instalação dos minhocários. Tem três tanques de alvenaria com cerca de três metros cúbicos, de onde saem quatro toneladas de húmus a cada dois meses. Cada tonelada é vendida a R$ 300, dinheiro mais que bem-vindo ao orçamento da família. Para começar o novo negócio, o sitiante teve de comprar 30 litros de minhoca -- um litro acomoda cerca de 700 minhocas -- do tipo Vermelha da Califórnia, boa para pesca e que também digere melhor o esterco para produção de húmus. A multiplicação da espécie se dá a cada 50 dias. Murilo Pereira separa um lote para novo ciclo e o excedente vende para pesqueiros. "Pretendo crescer no mercado de isca e de húmus ao mesmo tempo" -- adianta. A pretensão nada tem de sonhadora. O sitiante se prepara para construir mais seis tanques. "Nada é difícil em São Paulo. Tendo coragem de trabalhar, há mercado para comprar" -- profetiza.

A empolgação com as alternativas de geração de renda levou Murilo Pereira a acreditar em outra atividade promovida pelo Semasa: a apicultura. Sem muito tempo e jeito para cuidar de abelhas, ele liberou área do sítio ainda coberta por mata nativa para instalar cinco colméias experimentais, manejadas pelos engenheiros do Semasa. A produção de mel fica para Murilo, cerca de 125 quilos por ano.

A idéia da direção do Semasa é instalar colméias ao longo de toda a área de manancial de Santo André e promover pesquisa apícola no Município. Acordo com a Solvay Indupa parte da colocação de três colméias num pedacinho dos 14 quilômetros quadrados da empresa. "Por enquanto a Solvay está só permitindo a colocação das caixas de abelha" -- atesta o engenheiro Luiz Mazini. Já o profissional na arte de seduzir abelhas, Pedro Fazza, é parceiro da autarquia com 40 colméias em dois apiários: nos parques Andreense e América. A produção de mel chega a quase dois mil potes de um quilo do produto por ano. Cada colméia exige investimento de R$ 120. "A região é excelente para a apicultura por causa da diversidade botânica das áreas remanescentes de mata nativa" -- explica o engenheiro agrônomo do Semasa, Luiz Carlos Mazini.


Hortas comunitárias – Desempregado por mais de ano, o ex-metalúrgico Tarcizo Farias ainda espera a prosperidade da horta que divide com três famílias. Ele sabe que o retorno da lavoura comunitária não aparece a curto prazo, pois a terra precisa ser trabalhada e cultivada várias vezes para aumentar a produção de hortaliças. O novo local de trabalho de Tarcizo é resultado de acordo entre Semasa e Furnas Centrais Elétricas, que permite a utilização das faixas de terra sob a rede de transmissão elétrica. 

Em dois mil metros quadrados, Tarcizo Farias e os parceiros cultivam couve, alface, beterraba, cenoura, mostarda, coentro, salsa, cebolinha, escarola e ervas aromáticas sem qualquer adição de agrotóxicos. "Desenvolvemos técnicas de controle de pragas sem química" -- garante o engenheiro agrônomo Luiz Carlos Mazini. A produção sob as torres de Furnas ainda não extrapola os limites do consumo local, mas se revela como fonte de recursos complementar e ainda enriquece a mesa de quatro famílias assoladas pelo desemprego.

A experiência incentivada pelo Semasa não se atém apenas a famílias excluídas da nova ordem econômica do País. Chacareiros e sitiantes promissores também são beneficiados pelo acordo com Furnas. A diferença está no processo de instalação do plantio. No caso das hortas comunitárias, o Semasa fornece subsídios técnicos constantes e fomenta os microcréditos junto ao Banco do Povo. No caso de empreendedores não-comunitários, a responsabilidade sobre as hortas cabe ao proprietário da terra. Esses empreendedores também podem utilizar a área de Furnas, o que formou verdadeiro tapete produtivo sob a rede de transmissão elétrica.

O experiente mecânico Antonino Roccella, ex-funcionário da Mercedes-Benz que se declara expert no conserto de carros de passeio da marca, não teve de encarar aviso prévio, mas enfrentou o sinal vermelho do tempo de serviço. Com a aposentadoria, montou um pesqueiro às margens da Billings sem noção de que poderia obter mais benefícios financeiros se se tornasse aliado da natureza. Foi na chácara de Antonino que o Semasa instalou projeto piloto de criação de peixes confinados em tanques à moda oriental.

Trata-se de estrutura simples de cerca de um metro cúbico construída com tela plástica sustentada por sarrafos de madeira atrelados a tubos vazios de PVC, que permitem que essa espécie de gaiola flutue nas águas da represa. Nesse tanque vazado são colocados em média 600 alevinos de tilápia, alimentados diariamente. Quatro meses depois chegam a dois quilos e estão prontos para comercialização. "Ao criador cabe a tarefa diária de alimentar os peixes com ração" -- incentiva o engenheiro agrônomo Luiz Carlos Mazini. Os investimentos nessa atividade são de R$ 135 por tanque de um metro cúbico, mais cerca de R$ 200 com mão-de-obra e ração por mês.

Antonino Roccella está animado com a nova profissão, principalmente porque os rendimentos estão lhe fazendo cócegas no bolso. O lucro médio chega a R$ 1,20 por tilápia vendida. "A vantagem da criação em tanques é que os peixes são padronizados e isso anima os pesqueiros" -- afirma o piscicultor. Para quem garantiu o bom funcionamento do motor do Mercedes de Roberto Carlos e outros famosos, o futuro reserva a Antonino a responsabilidade da preservação ambiental. Ele nem pensa na possibilidade de alguém poluir as águas da Billings. Para descartar a hipótese, sai à caça de quem degrada o ambiente ao redor de seu pesqueiro. 

Antonino Roccella é hoje um fiscal voluntário da área. Afinal, seu negócio depende da qualidade da água. Já pensa em construir quatro tanques bem maiores, com cerca de 13 metros cúbicos cada. Para isso, espera a restabelecimento do nível de água da Billings, drasticamente reduzido neste inverno por conta do bombeamento para a Represa de Guarapiranga. A piscicultura, além de ajudar na purificação da água, ajuda a repovoar a Billings. Dentro do tanque-gaiola as tilápias acabam se reproduzindo e alguns alevinos escapam pelos vãos da tela. Além disso, Antonino se compromete a soltar percentual de peixes adultos, contribuindo para o habitat da represa.

A atuação do Semasa se estende até Paranapiacaba, onde mantém estufa de cultivo de mudas de árvores nativas da Mata Atlântica utilizadas em programas de reflorestamento. Também coordena curso às segundas-feiras de Monitor de Turismo. Nas carteiras improvisadas no escritório da autarquia na Vila Inglesa, cerca de 30 alunos são preparados para monitorar eventos ecológicos.


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