O advogado Ademir Spadafora, ex-presidente da CTBC (Companhia Telefônica da Borda do Campo), concorda com o posicionamento expresso por LIVRE MERCADO já há algum tempo: faltou mobilização da sociedade regional para dar formato administrativo diferenciado à empresa cujo histórico tem forte vínculo com o desenvolvimento econômico do Grande ABC. Mais que isso: para Spadafora, não havia dificuldades para a CTBC manter-se independente da privatização da Telesp. A empresa foi fundada nos anos 50 por empreendedores da região e seu controle acionário foi adquirido junto com a privatização da Telesp pelo Grupo Telefónica, da Espanha.
Mesmo depois de consumada a privatização há mais de dois anos, a partir de quando a planta de telefones fixos praticamente duplicou o número de terminais para um milhão de unidades, Ademir Spadafora acha possível criar o que chama de um conselho de usuários ou mesmo ouvidoria para aproximar a antiga CTBC da comunidade. Tanto o conselho quanto a ouvidoria não seriam fato novo no organograma da companhia, já que os dois modelos de interação com o público foram utilizados em períodos diferentes da empresa. Ademir Spadafora trabalhou durante 36 anos na CTBC. Antes de assumir a presidência exerceu os cargos de tesoureiro-geral, chefe do Departamento de Auditoria Interna e gerente do Departamento Jurídico, além de secretário-geral da diretoria e do Conselho de Administração. Ele não nega os aspectos negativos que marcaram a trajetória da CTBC depois do chamado processo de redemocratização do Brasil, a partir de 1985, quando a empresa se tornou moeda de troca eleitoral. Spadafora faz restrições à qualidade do atendimento de clientes e usuários e também ao tratamento dispensado aos quadros profissionais desde a privatização.
O balanço do desenvolvimento das telecomunicações nos últimos três anos no Brasil aponta alguns números insofismáveis. Por exemplo: desde novembro de 1997 a rede nacional de telefonia fixa cresceu 96%, passando de 18,8 milhões para 37 milhões de linhas. Em números absolutos, foram instalados no período 18,2 milhões de novas linhas. A taxa de digitalização passou de 68% para 91%, enquanto a chamada teledensidade saltou de 11,7 para 20,9 linhas por 100 habitantes. Esses números são suficientemente fortes para dizer que a privatização é um sucesso no Brasil ou você entende que há modelos mais interessantes no mundo?
Ademir Spadafora -- Se fôssemos discutir o papel do Estado e sua intervenção na ordem econômica, veríamos que, pela história recente, o País tem oscilado entre extremos: a um tempo, defendia-se a estatização sob o forte argumento da necessidade de atender aos imperativos da segurança nacional e, a outro, a privatização ampla, parecendo, por vezes, esquecer-se das atividades essenciais do próprio Estado. Nesse contexto, há que se ter presente que o Sistema Nacional de Telecomunicações era, do setor governamental, o mais rentável e o mais independente do ponto de vista econômico e financeiro, com geração própria de recursos, embora sofresse os entraves do excesso de burocracia que, infelizmente, é o grande mal do modelo estatal brasileiro. Agora livre das amarras burocráticas -- e se não houver ingerências governamentais na gestão empresarial sob o rótulo de controle e fiscalização dos serviços --, o processo de privatização permitirá, como resultante, velocidade cada vez maior no atendimento pleno da demanda e na oferta de serviços modernos e de novos produtos.
Dá para discutir o sucesso da privatização da CTBC quando se tem números como o total de terminais telefônicos instalados em dois anos: foram 590 mil acessos em 1998 para os 18 municípios abrangidos pela empresa, contra um milhão de agora?
Ademir Spadafora -- O registro histórico da CTBC possui dados peculiares. Posicionava-se entre as melhores no ranking das operadoras nacionais, seja pela qualidade dos serviços seja pela rentabilidade financeira que apresentava. Apesar das dificuldades que enfrentava na aprovação dos seus limites orçamentários, porque existiam recursos mas não autorização de gastos, as contratações e os estudos técnicos realizados em 1997 previam expansões sequenciais auto-sustentadas e já projetavam atingir exatamente essa marca de um milhão de telefones em 2000, para atendimento da demanda reprimida cadastrada e do mercado potencial conhecido. Portanto, dentro da nossa região, o que deve ser analisado hoje é a qualidade com que esses serviços estão sendo prestados. Aliás, preocupação da própria Anatel em nível nacional, que vem divulgando que as metas de qualidade não estão sendo observadas pelas atuais operadoras.
Como você observa do ponto de vista institucional e político a desregionalização da CTBC, isto é, o processo que culminou com a compra acionária da empresa fundada por empreendedores da região pelo espanhol Grupo Telefónica? Que comparação você faz entre a CTBC dos tempos de estatal, em que interesses políticos e eleitorais sempre atrapalhavam a gestão do negócio, e agora, com a privatização sem compromisso regional, mas apenas de mercado?
Ademir Spadafora -- A privatização da Telebrás deve ser tida e aceita como fato irreversível. Acontece que a extinta CTBC ainda hoje é lembrada pelos usuários como parte da região, como parte da vida de cada um. Isso se deve não por bairrismo ou saudosismo, mas porque foi muito marcante o seu desempenho empresarial e social. A região toda sustentou, por muito tempo, o orgulho de possuir uma empresa prestadora de serviço essencial do porte da CTBC, porque desde sempre esteve voltada para o atendimento da demanda do mercado. Teve períodos, sim, de fortes pressões e influências políticas negativas que provocaram reação até judicial de diversas entidades representativas de nossa sociedade. Só não houve grandes desvios na condução administrativa e gerencial de seus negócios graças à competência do corpo técnico e operacional na manutenção da qualidade na prestação dos serviços.
Se a sociedade regional tivesse se mobilizado para introduzir mecanismos de monitoramento aos planos estratégicos da antiga CTBC, você acredita que o enredo teria sido outro? Que além dos resultados numéricos se poderiam acrescentar outras conquistas? Pelo menos mais informações sobre a companhia em relação aos interesses coletivos da região?
Ademir Spadafora -- O modelo brasileiro de privatização do setor talvez tenha levado em excesso algumas preocupações, até regionais, na fase inicial do processo. Acabou, de certa forma, acomodando uma divisão de mercado, tal como se depreende do processo de criação das empresas-espelho. Poderia ter sido pertinente uma participação aberta e efetiva das entidades representativas e dos políticos locais exatamente com vistas aos interesses maiores da coletividade, por se tratar de serviço público. Mesmo agora, fato consumado, convém registrar que no processo de interação de oferta de produtos, atendimento da demanda e qualidade de serviços há que se enfocar, antes, o respeito às necessidades dos usuários. Nesse aspecto, acredito que resultaria altamente positiva, no relacionamento empresa/mercado, a existência de um órgão do tipo conselho de usuários ou mesmo de uma ouvidoria, como se cogitava implantar (o primeiro) e como existia (a segunda) no tempo da CTBC.
Qual sua avaliação como funcionário de carreira da CTBC durante 36 anos sobre a trajetória da companhia em três diferentes etapas diretivas: a criação por empreendedores locais em meados dos anos 50, a administração pelos governos militares e a gestão durante a chamada Nova República, a partir da vitória de Tancredo Neves em 1985?
Ademir Spadafora -- A CTBC foi criada em 1954 e, do ponto de vista administrativo, manteve-se com a mesma direção até meados de 1973, quando passou a integrar o Sistema Telebrás. Foi um período de gestão patronal e, como tal, de mando centralizado, forjando profissionais voltados para a excelência do resultado: o erro era inadmissível. De 1973 até 1985 a CTBC viveu período de administração profissional, com delegação de autoridade, cobrança de responsabilidades e, principalmente, com melhor capacitação e formação de técnicos em todas as áreas e em todos os níveis. De 1985 até a privatização do sistema, viveu período de administração política, no qual, infelizmente, em muitos casos, nenhuma importância se dava à falta de um currículo profissional, técnico ou gerencial. Do ponto de vista empresarial, até 1973 a CTBC conseguiu implantar-se com o que de mais moderno existia no plano tecnológico. Foi pioneira na implantação de rotinas de trabalho e sistema contábil que serviram de modelo para o próprio Sistema Telebrás. Superou, em muito, a qualidade dos serviços então prestados pela antiga CTB, empresa privada de capital canadense que desprezava as necessidades crescentes da nossa região, e chegou a desenvolver o primeiro estudo de telefonia móvel. No período do governo militar, ou seja, até 1985, a CTBC atravessou uma fase de grandes expansões. O Brasil todo deu grande salto para o desenvolvimento, tendo nas telecomunicações o grande elo de interligação plena do País, principalmente no setor de telefonia pública, sob as mãos do comandante Quandt de Oliveira e do general Alencastro. A partir de 1985, a CTBC sofreu grandes pressões políticas, teve que adiar projetos e retardou o atendimento da demanda, porém conseguiu manter-se em direção ao seu rumo graças à luta, ao empenho e às respostas do corpo técnico e de entidades representativas da sociedade local.
Houve denúncias de que a privatização da CTBC, bem como de outras companhias, provocou fissuras de qualidade nos recursos humanos porque houve enxugamentos sem maiores cuidados. No caso específico da CTBC, qual foi o saldo da privatização quando se consideram o aproveitamento e a valorização dos profissionais de carreira?
Ademir Spadafora -- É consenso a aceitação do processo de privatização. O que se discute hoje, já foi dito, é a qualidade dos serviços e a forma de atendimento de clientes e usuários. No caso da CTBC poderia, ainda, ser discutida a forma como a nova operadora tratou o corpo técnico-gerencial, no que se pode até definir como contrária ao sistema moderno de gestão empresarial, principalmente na fase que o País atravessa. A preservação da CTBC como empresa independente da Telesp em nada mudaria o processo de privatização. Mantê-la separada da Telesp, como unidade independente gestora de negócios, também não afetaria o processo de privatização ou o controle soberano da Telefônica. Ao contrário: manter-se-ia o corpo técnico-gerencial identificado com as necessidades dos clientes da nossa região, com autoridade decisória para agilizar os procedimentos, com evidente ganho de qualidade nos serviços. Parece que o caminho adotado não foi o mais adequado. Incorporou-se a CTBC, despediram-se técnicos e gerentes de reconhecida capacidade e transferiram-se outros que aqui ainda residem para diversas localidades de São Paulo. Se assim foi, como consta, evidentemente que não se trata de valorização dos profissionais de carreira. Com isso, perderam mais os clientes da nossa região, que vivem nas filas diárias que se formam na porta da extinta CTBC, onde ainda se conserva inexplicavelmente a antiga logomarca no alto do prédio. O pior é que não se dispõe de nenhuma instância superior para recorrer às reclamações.
Como observa o desenvolvimento econômico do Grande ABC? Você faz parte do grupo que vê um céu de brigadeiro ou acha, como outros, que há nuvens carregadas demais?
Ademir Spadafora -- Acho que está um pouco nublado, com perspectivas de melhora. A região está descobrindo novas vocações, já absorve seu novo perfil e conhece bem suas potencialidades. Acredito que a região nasceu para liderar e por isso sabe encontrar caminhos para contornar eventuais obstáculos. É importante a união das entidades representativas da sociedade e a constante cobrança dos nossos políticos. Somos fortes na criação de propostas e na luta pelos interesses maiores da nossa coletividade. O que não podemos nunca, e às vezes parece que acontece, é largar a bandeira no meio da batalha.
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10/05/2024 Todas as respostas de Carlos Ferreira