Administração Pública

Educação, saúde e esporte,
o segredo de São Caetano

WALTER VENTURINI - 05/02/2001

São Caetano está de bem com a vida. Nenhuma outra cidade do Grande ABC conseguiu desbravar tanto espaço positivo na mídia nacional para uma região marcada nos últimos anos por cicatrizes sociais e econômicas. A escalada do Azulão, como ficou conhecido o furacão chamado São Caetano, vice-campeão da Copa João Havelange de Futebol de 2000, foi um chamariz para a descoberta nacional desse Município de apenas 15,2 quilômetros quadrados fincado no meio da mais rica e assustadora região metropolitana do País. São privilegiados 130 mil habitantes em meio a 17 milhões que formam as 39 cidades da Grande São Paulo, espaço que concentra perto de 20% do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro.


Claro que nem toda a população de São Caetano deve ser contabilizada como incluída nessa ilha de Primeiro Mundo cercada de terceiromundismo por quase todos os lados. Terceiromundismo? Basta percorrer os olhos nas favelas de Heliópolis, Tamarutaca, Palmares e de Vila Prudente, todas pegadas à divisa com São Caetano, além de bairros marcantemente operários. É difícil descaracterizar o fundo contraste com o Município onde o juiz aposentado Luiz Tortorello exerce o terceiro mandato, depois de arrebatar 79% dos votos válidos nas últimas eleições, pelo PTB.


O fato é que a qualidade de vida que São Caetano exibe, e que só mesmo o surpreendente futebol do Azulão poderia fazer brilhar nas proporções que a Nação inteira acompanhou, não é atributo comum no Brasil. Num paradoxo que provavelmente se transformou em desafio aos oposicionistas do Partido dos Trabalhadores, a São Caetano do conservador Luiz Tortorello e de sequência anterior de prefeitos igualmente conservadores está mais próxima do Estado do Bem-Estar Social do que as demais cidades do Grande ABC, a maioria pincelada pela vermelhidão petista. Simplesmente porque, entre outras variáveis, São Caetano ficou praticamente imune ao inchaço demográfico e consequente desajuste social do restante de uma região órfã de políticas desenvolvimentistas. O Município ancorou-se no tripé formado por educação, saúde e esporte, três dos mais sólidos vértices do equilíbrio social sonhado por partidos de esquerda. 


Menos retumbante e duradouro que o barulho provocado pelo time comandado por Jair Picerni sob uma estrutura diretiva empresarial que tem o prefeito Luiz Tortorello apenas como torcedor símbolo, São Caetano já havia dominado manchetes de jornais e revistas antes que o furacão Adhemar enfiasse gols em atônitos goleiros. Foi quando o Unicef divulgou, em dezembro, seu relatório sobre assistência à criança. Unicef é o Fundo das Nações Unidas para a Infância que produz o Índice de Desenvolvimento Infantil, um conjunto de indicadores de atendimento social que define o grau de infra-estrutura e de preocupação prática dos administradores públicos. São Caetano chegou em primeiro no Brasil entre municípios com mais de 10 mil habitantes. No ranking nacional, está atrás apenas de Águas de São Pedro (SP) e Nova Olímpia (PR), duas minúsculas cidades distantes dos centros nervosos do País. 


Se é verdade que o futebol do Azulão em primeiro plano e os estudos do Unicef de forma menos festejada são o porta-estandarte da descoberta de São Caetano pela mídia nacional, o que infla a auto-estima da população, isso é pouco diante da infra-estrutura que o Município do Grande ABC montou em qualidade de vida. Dentro do desafiador cenário socioeconômico da metrópole onde se insere, nascer em São Caetano tem o mesmo significado de nascer em berço esplêndido. 


A infra-estrutura material e de recursos humanos do Município no esporte e na educação está muito acima da média nacional. Não é por outra razão que a cidade trouxe no ano passado mais um título dos Jogos Abertos do Interior, a principal competição do Estado mais rico da Federação e na qual administradores públicos costumam apostar todas as fichas para lustrar a imagem de preocupação social. Uma réplica menos visível e menos intensa, mas inquestionável, dos tempos em que o mundo se dividia em duas partes, de capitalistas e socialistas, e a guerra fria encontrava nos Jogos Olímpicos uma forma de afirmação do bloco soviético e de seus satélites. Para os municípios brasileiros, ganhar os Jogos Abertos do Interior é a consagração máxima no esporte, só superada por conquistas do futebol, paixão de todo brasileiro.


Entretanto, mesmo num Município que chega ao requinte de pagar adicional de salário para policiais militares e professores da rede estadual de ensino existem críticas. A mais contundente é a de que, em meio a indicadores de excelência, alguns números revelam que parcela da população mais carente da população não acessa os serviços públicos. Pesquisadores e especialistas de áreas sociais consideram os critérios do Unicef ainda incompletos para retratar chagas sociais do País e que não deixam de atingir o Município.


Numa escala de 0 a 1, o relatório do Unicef que coloca a cidade do Grande ABC em terceiro lugar nos estudos sobre a infância pontuou Águas de São Pedro, no Interior de São Paulo, com 0,831. Em segundo lugar vem Nova Olímpia, no Interior do Paraná, com 0,799, seguida de perto por São Caetano, com 0,792. "Estamos numa complexa região metropolitana e mesmo assim conseguimos esse posicionamento" -- afirma o prefeito Luiz Tortorello, que já comandou a cidade de 1989 a 1992 e de 1997 a 2000. 


100% de vacinas -- Para produzir o relatório, o primeiro em todo o mundo com o cruzamento de diferentes estatísticas sociais, o Unicef levou em conta cinco critérios: índice de escolaridade dos pais, índice de vacinação tríplice e contra sarampo, atendimento das gestantes, matrículas de crianças em creches e matrículas de crianças na pré-escola. No primeiro critério, São Caetano registrou apenas 4,55% das mães e 18,12% dos pais com escolaridade abaixo da 4ª série do Ensino Fundamental, o que contou pontos positivos na avaliação. Outros dois aspectos que valorizaram o ranking: 100% das crianças foram vacinadas e matriculadas na pré-escola, além da performance do atendimento pré-natal, em que 63,24% das gestantes têm registradas mais de seis consultas. O único índice que destoa é o de crianças matriculadas em creches: 3,25%, bem distante dos indicadores europeus que costumam emoldurar a imagem de Primeiro Mundo que acompanha São Caetano.


O baixo índice de matrículas em creche pode ter retirado do Município o primeiro posto nacional no ranking do Unicef e abre uma polêmica sobre se a cidade é de fato uma ilha de excelência num mar de miséria metropolitano. "Esse índice foi corretamente assinalado porque as EMIs (Escolas Municipais Infantis) não podem ser consideradas creches, já que funcionam das 8h às 17h, ficam três meses do ano fechadas e isso não atende às necessidades da mãe trabalhadora" -- espeta o vereador Hamilton Lacerda (PT). O prefeito Tortorello não concorda com a nota baixa. "O início das aulas é às 8h, mas se a mãe chegar com a criança às 7h, é atendida. Eles fizeram o levantamento sob a ótica do pagamento do professor" -- rebate o prefeito.


Mário Volpi, oficial de projetos do escritório do Unicef em Brasília, participou da pesquisa e relata que os indicadores apontam prioridades e deficiências dos municípios. "São Caetano resolveu bem problemas como vacinação, tem boa escolaridade dos pais, mas não tem creches públicas" -- afirma. Volpi esclarece que os números foram obtidos junto ao IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Ele reafirma a premissa de que a criança deve receber boa estimulação nos primeiros três anos de vida para as fases seguintes ficarem mais resolvidas. "Estou convencido de que temos de combinar duas coisas: a escolaridade dos pais e o número de creches" -- fala o pesquisador. 


É a primeira vez que as Nações Unidas utilizam em todo o mundo o cruzamento de estatísticas sociais para elaborar o Índice de Desenvolvimento Infantil. Como toda ação pioneira, a pesquisa pode ter lacunas com a ausência de dados mais completos. "A área social carece de indicadores mais precisos por ser preocupação muito recente. As políticas públicas de proteção voltadas para a área de assistência social têm pouquíssimos dados" -- opina Marlene Zola, coordenadora executiva do movimento regional Criança e Adolescente Prioridade 1, e que conta com a experiência de vários anos na Secretaria do Bem-Estar Social do Estado de São Paulo.


A preocupação em medir a situação social no Brasil e em especial das crianças começou com a Constituição de 1988 e foi reforçada a partir de 1990, com a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente. Marlene Zola sugere, para um retrato mais fiel das políticas de desenvolvimento infantil, a incorporação de critérios que envolvam questões como o trabalho infantil, o menor infrator e outras situações de vulnerabilidade social que atingem crianças e adolescentes, principalmente nas explosivas áreas metropolitanas. "Às vezes, até mesmo o repasse de recursos não leva em conta o risco social nas cidades" -- lembra a coordenadora, sugerindo alterações na própria estrutura fiscal do País para priorizar problemas sociais mais graves. 


Para municípios com bolsões de miséria, compensações fiscais para buscar soluções seriam uma forma mais justa de distribuir o dinheiro público. "Qualidade de vida não é só vacina e escola" -- opina a vereadora Vera Severiano (PT), para quem o Unicef deveria utilizar outros indicadores. "Precisamos saber como nossas crianças estão morando e em São Caetano parcela significativa vive em cortiços" -- aponta a vereadora com certo exagero, já que os cortiços são uma franja na estrutura urbana do Município. Vera Severiano, também professora, considera grave a carência do que se convencionou chamar de creches públicas. "As crianças passam um período sozinhas em casa e estão à mercê de uma série de coisas" -- preocupa-se.


A falta de creches -- um dos cinco critérios analisados pelo Unicef -- pode abrir o debate sobre o grau de excelência na assistência à infância. Mas é pouco diante dos demais serviços públicos que associam a imagem de São Caetano à qualidade de vida. Mesmo nas EMIs, cujo horário de atendimento prejudicou o Município no ranking, a situação se mostra privilegiada em relação a outras cidades. "Atendemos crianças a partir dos quatro meses e os bebês não ficam confinados em berços ou cadeirões, mas em espaços livres" -- explica a diretora de Educação, Maria Helena Cadioli. 


Ao todo, são 11 EMIs e três creches conveniadas para as quais a Prefeitura fornece material. São Caetano também conta com 25 escolas de educação infantil, as chamadas Emeis, que atendem crianças na faixa de seis anos. No total, EMIs, Emeis e creches conveniadas recebem 6,2 mil crianças. Outro indicador da qualidade da rede municipal de ensino é que 70% dos professores têm nível universitário. A Prefeitura mantém ainda a Fundação das Artes com cursos de música, dança, artes plásticas e teatro para 1,4 mil alunos, a Escola Municipal de Bailado para 450 alunos e a Escola Municipal de Informática para 390 alunos. Há também a Escola de Línguas, com cursos de inglês, português, francês, italiano e alemão que acomodam 1.662 alunos. 


Mesmo sem municipalizar a rede estadual das escolas de Ensino Fundamental, São Caetano mantém a Escola Municipal de Ensino Fundamental Angelo Pelegrini, com 1,7 mil alunos, além da Escola Municipal de Ensino Médio Alcina Dantas Feijão, com outros 1,8 mil jovens. Outra iniciativa do Poder Público é a Fundação Anne Sullivan, que oferece educação básica para surdos, além de atender casos de autismo, paralisia cerebral e surdos e cegos. Cerca de 500 crianças portadoras de deficiências têm atendimento clínico na Fundação. Ao todo, são 190 alunos regulares. Alguns chegam a custar R$ 4 mil mensais à Administração Municipal.


Merenda in natura -- Mas é a rede municipal de ensino que conta com maiores recursos da Prefeitura em capacitação e formação profissional e em merenda in natura, feita na própria escola com arroz, feijão, bife, frango e outros alimentos quase sempre ausentes na dieta dos alunos da rede estadual, isto é, de responsabilidade orçamentária do governo do Estado. São duas refeições diárias nas escolas de meio período, como as Emeis e as do Ensino Fundamental e Médio, e cinco refeições nas de período integral. O custo da população escolar da rede municipal chega a R$ 3 milhões anuais. A diretora de Educação ressalta que o valor não entra no cálculo dos 35% do orçamento destinado à atividade.


Entre os investimentos na área educacional ainda são contabilizados o Projeto de Alfabetização de Jovens e Adultos. São 11 núcleos espalhados pela cidade que alfabetizam em média 500 pessoas por ano, numa parceria com o Instituto Mauá de Tecnologia, responsável pelo pagamento dos professores. O governo do Estado cede as salas de aula e a Prefeitura garante orientação, material e acompanhamento pedagógico. São Caetano tinha 3.188 analfabetos em 1997. Se o programa de alfabetização conseguir manter o desempenho anual, em sete ou oito anos a conta de iletrados estará zerada no Município. 


Escola da Vida é o nome de outro programa -- de requalificação e qualificação profissional -- que a Prefeitura mantém em parceria com a CGT (Central Geral dos Trabalhadores), o Sindicato de Processamentos de Dados e o Senai. Numa cidade que muda rapidamente o perfil industrial para prestadora de serviços, o programa já capacitou cinco mil alunos em três anos. 


Dos R$ 210 milhões de previsão orçamentária em 2001, a Prefeitura pretende aplicar R$ 26 milhões no Ensino Fundamental, a maior parte nas escolas estaduais. A municipalidade custeia para as escolas do Estado 130 funcionários, entre serventes, inspetores de alunos, merendeiras e vigias. Também complementa o salário dos professores, diretores e outros funcionários da rede estadual com 20% a mais do que vem no holerite do Estado. Na gestão passada de Luiz Tortorello (1997/2000) foram montados 22 laboratórios de informática nas 21 escolas estaduais, num total de 411 computadores, 64 impressoras e 22 scanners. Aparelhos de TV, de vídeo e de som também equipam cada estabelecimento. É ainda a Prefeitura que compra carteiras, geladeiras, fogões e ventiladores e paga as linhas telefônicas.


A atenta oposição questiona o investimento na rede estadual. O vereador petista Hamilton Lacerda afirma que a Prefeitura está mais preocupada em construir prédios escolares caros do que em custear a formação dos professores. "Quem governa voltado para a forma e não para o conteúdo corre o risco de, em alguma situação de instabilidade econômica, colocar o serviço público em perigo" -- alfineta Lacerda.


"Tivemos de investir recursos nas áreas mais prejudicadas, pois o Estado se omitiu na Educação. Se diminuímos o investimento na área municipal, foi para suprir o Estado" -- se defende o prefeito Tortorello. Para Hamilton Lacerda, não há mérito em investir 35% do orçamento em Educação, mas sim uma contingência contábil e financeira. "O prefeito não tem como escapar de investir essa quantia pois tem arrecadação e receita própria altas" -- devolve o vereador. 


Pela emenda 14 da Lei de Diretrizes e Bases, as prefeituras têm de destinar 25% de receitas próprias para a Educação, isto é, basicamente a arrecadação de IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) e ISS (Imposto Sobre Serviços). No ano passado, essa parcela foi de R$ 23,3 milhões. A legislação determina que desse total sejam aplicados 40% na Educação Infantil e 60% no Ensino Fundamental. "Se a Prefeitura municipalizasse a rede estadual, teria de arcar com a folha de pagamentos dos professores e aposentados e não sobraria nada para pintar e reformar escolas" -- contextualiza Hamilton Lacerda, para quem o volume de recursos e as condições favoráveis de São Caetano estão à disposição de qualquer administrador, seja de que partido for. Mas o parlamentar oposicionista não faz só críticas. Pondera sobre a estabilidade das contas municipais. "Este governo teve o grande mérito de não endividar o Município" -- admite o petista, embora ressalte, implacável, que manter as finanças públicas saudáveis é obrigação de governantes.


Professora da rede estadual em São Caetano, a vereadora Vera Severiano também não economiza farpas. A começar pelo pró-labore que a Prefeitura paga aos funcionários da rede de ensino do Estado. "Tenho 22 horas de aula no Ensino Fundamental e recebo R$ 79 de pró-labore" -- cutuca. A vereadora entende que para São Caetano fazer jus à fama de Primeiro Mundo deveria, por exemplo, garantir na rede estadual de ensino atendimento com pedagogos, psicólogos e outros especialistas que pudessem acompanhar a atividade escolar e familiar dos alunos. Por isso, Vera Severiano prefere se excluir da quase unanimidade de que o Município tenha bem-estar social de países desenvolvidos. "Se existisse boa estrutura de ensino, não haveria filas nos gabinetes de vereadores de pessoas que pedem bolsas de estudo e mesmo vagas nas melhores escolas". A oposicionista entende que há um mecanismo cruel na Educação de São Caetano: as melhores escolas para Ensino Fundamental e Médio são as municipais, mas são apenas duas, o que incentiva a romaria pelos gabinetes da Câmara de Vereadores em busca de vagas. 


Para a parlamentar, o maior problema no Município é o acesso da maioria da população às ilhas de excelência nas áreas de Educação, Cultura e Esportes. Vera Saveriano aponta a matrícula de R$ 70 na Fundação das Artes como fator limitador aos mais carentes que, além disso, precisam passar por exame prévio, pois a escola não dá conta de toda a demanda. "O Município vive do clientelismo e na dependência dos vereadores para garantir creche ou escola" -- critica. O prefeito não se abala e garante que o projeto Educação Igual para Todos está no rumo certo e com ótimos resultados. "A oposição não acredita no que está vendo em nossa administração e fica atônita" -- ironiza Luiz Tortorello.


Usina de atletas -- São Caetano transborda em números e fatos para seduzir quem duvide da assistência a crianças e adolescentes. A menina-dos-olhos da administração é o programa de esportes, uma área que, além de dividendos como o vice-campeonato de futebol profissional da Copa João Havelange, contabiliza o título dos Jogos Abertos do Interior em 2000 e também o fato de ter dois atletas entre os melhores na equipe brasileira nas Olimpíadas de Sydnei, na Austrália, no ano passado. O Município se deu ao luxo de não considerar como conquista a medalha da equipe brasileira de revezamento quatro por 100 metros. Apesar de treinarem em equipes de São Caetano, os atletas deram a volta olímpica com a bandeira de Presidente Prudente.


"Da pré-escola ao Ensino Médio, temos um programa que atende todas as modalidades esportivas para 28 mil crianças" -- exibe Luiz Tortorello. No total, a Prefeitura calcula que cerca de 68 mil pessoas participem dos programas esportivos municipais, isto é, quase metade da população tem o que o prefeito chama de saudável mania por esportes. 


Walter Figueira Júnior, diretor municipal de Esportes, estima que os jogos das seleções municipais de basquete feminino e masculino e de handebol masculino reúnam, em média, 1,5 mil pessoas, público que faz inveja a muito dirigente esportivo do País. As três equipes têm boa razão para atrair torcedores aos ginásios esportivos: foram campeãs em suas modalidades nos Jogos Abertos. São Caetano esbanja títulos como o de campeão brasileiro de atletismo, conquistado seguidamente desde 1997, campeão brasileiro de xadrez, no mesmo período, e de inúmeras outras modalidades -- desde pugilismo (campeão paulista em 1999 e 2000) até malha (bicampeão brasileiro em 1998 e 1999).


A mania por esporte começou em 1986, quando foi criado o PEC (Programa Esportivo Comunitário), que reunia oito professores de Educação Física em trabalho com jovens de nove a 14 anos. Três anos depois, Tortorello assumiu o primeiro mandato e percebeu que o PEC poderia ser ferramenta para ganhar corações e mentes. O prefeito transformou a antiga Comissão Esportiva em Diretoria de Esportes. Agora são 82 professores envolvidos no PEC, mais de 10 vezes o número original. 


Nos anos 80, ainda sem os títulos, o diretor de Esportes Walter Figueira Júnior tinha de gastar muito tempo atrás de patrocínio. "Ficava horas em ante-salas de empresários, tomando cafezinho e água. Agora são as empresas que nos procuram" -- comemora. Para o dirigente esportivo, afinadíssimo com o discurso e a prática do prefeito Tortorello, esporte é conceito exemplar de cidadania e de qualidade de vida.


O Programa Esportivo Comunitário foi inicialmente organizado em três subprogramas: o PEC 1, de iniciação esportiva para a faixa entre oito e 15 anos, o PEC 2 é o caça-talentos, com escolinhas específicas para crianças de seis a 15 anos que já demonstram habilidade esportiva, e o PEC 3 de Educação Física para adultos. Depois vieram o PEC 4, programa de Educação Física para a Terceira Idade, e o PEC 5, Projeto Qualidade de Vida que abrange todas as modalidades esportivas destinadas à comunidade. Engloba desde competições como Jogos Escolares até a tradicional Prova de Reis, corrida realizada todos os anos no começo de janeiro no Bairro Barcelona. O Departamento de Esportes desenvolve ainda o PEC 6, para atividades de lazer tanto entre a comunidade como nas EMIs e Emeis, e o PEC 7, projeto de Educação Física no Ensino Fundamental que atinge da 1ª à 4ª série da rede estadual de ensino. O investimento em esporte pela Prefeitura e seus parceiros alcançou R$ 7,1 milhões no ano passado. O Departamento de Esportes calcula que houve investimento per capita de R$ 99,36 se forem levados em conta tanto o PEC como o esporte competitivo, conveniado ou não. Em 1997, o investimento per capita ficou em R$ 157,57, com custo total de R$ 5,6 milhões.


Walter Figueira participa desde o início do projeto esportivo que levou São Caetano à condição de potência no esporte de competição, como são chamadas todas as modalidades fora dos domínios do futebol já tradicionalmente profissional. Professor de Educação Física há 30 anos, Walter Figueira acompanhou de perto as primeiras investidas da cidade no setor, como a célebre seleção de basquete feminino que reunia entre as atletas a atual técnica Heleninha e uma jogadora que iria se projetar em outra área: a cantora Simone. "Nunca iria imaginar que a menina que animava as concentrações com seu canto e violão iria ser cantora famosa" -- lembra o diretor de Esportes.


A consolidação de São Caetano no esporte de competição deve-se à criação do Fundo de Apoio ao Esporte, Cultura e Turismo, que normatiza convênios e permitiu à Prefeitura maior dinâmica administrativa. O fundo, cuja receita atual soma R$ 5,8 milhões, gerou maior confiança nas empresas que poderiam contribuir com patrocínios. "O esporte não pode ficar só às custas do Poder Público" -- faz questão de lembrar o diretor. 


O profissionalismo que já injetava eficiência no esporte brasileiro, principalmente nas grandes equipes de futebol, passou também a ser exercido como política para a área esportiva em São Caetano. Os convênios determinam claramente quais as metas que Prefeitura e seus parceiros devem atingir, estabelecendo no papel a objetividade necessária para os bons resultados. "Houve uma mudança comportamental na cultura esportiva do Município" -- analisa Walter Figueira Júnior.


Um dos pontos polêmicos do esporte de competição em São Caetano é a chamada importação de atletas. Para o diretor municipal, além do fato de jogadores de renome atraírem crianças e jovens para a prática esportiva, esse tipo de política é normal em outras partes do mundo. "Tão normal que nossos maiores adversários hoje são a cidade de Santos, que disputa atletas conosco para os Jogos Abertos do Interior, e o Vasco da Gama, que fez verdadeiras loucuras para contratar nossos atletas e depois deixar de pagá-los assim que acabaram as Olimpíadas". Figueira só não considera correto trazer para a cidade atletas com menos de 18 anos. "Desde 1990 não trazemos para São Caetano jovens menores de idade para não fazer como a Itália, que levou oito garotos brasileiros para o basquete e só aproveitou dois. Os outros voltaram arrasados" -- censura.


Foi o futebol profissional, entretanto, que catalisou as qualidades do Município e rendeu visibilidade suficiente para até o festejado publicitário Washington Olivetto se oferecer à produção de peças publicitárias para o Azulão. Não por acaso, foi às vésperas das finais da Taça João Havelange, entre o Azulão e o sempre rival Vasco da Gama, que o prefeito Luiz Tortorello deu entrevistas para rádios e jornais de todo o País para falar de futebol e, de carona, também da cidade. São Caetano apareceu com destaque no conceituado jornal espanhol El País por causa do futebol. TVs da Espanha, Itália e Alemanha também falaram da cidade do Grande ABC que soube unir qualidade de vida com bola no pé. O time do São Caetano completa o quadro de projeção do Município, mas não está diretamente relacionado com a Administração Municipal. Um grupo de empresários está por traz da estrutura profissional do Azulão. O prefeito, um dos fundadores e ex-presidente do clube, faz sua parte além de torcer: colocou o Estádio Anacleto Campanella estruturalmente à altura do crescimento da equipe, elevando a capacidade para 30 mil espectadores.


Mortalidade -- À margem da fama que divulgou São Caetano para o mundo ficaram os números da Fundação Seade. Entidade de pesquisa ligada ao governo do Estado, a Fundação Seade fez convênio com a Secretaria Estadual de Saúde para produzir estudo sobre a mortalidade infantil em São Paulo. O resultado indica que em São Caetano houve aumento de 30,3% no número de mortes entre crianças com até um ano de vida entre 1999 e 2000. A Prefeitura contesta a pesquisa, divulgada no final do ano passado. De acordo com a Secretaria de Saúde e Vigilância Sanitária, o problema está na forma de medição do índice. A Prefeitura não tem como interferir em partos e outros tratamentos que não aconteçam em hospitais da cidade. No primeiro semestre de 1999, São Caetano registrou índice de 12,1 mortes para cada grupo de mil crianças nascidas vivas. No ano seguinte, o número passou para 15,7 por mil, ainda dentro de padrões europeus de 12 por mil. No Brasil, a média é de 35,2 mortes a cada mil nascidos. 


"Em São Caetano, os leitos públicos não atendem à demanda e força parte da população a buscar atendimento em outras cidades" -- afirma o vereador Hamilton Lacerda. Para o parlamentar, tanto o aumento da mortalidade como o baixo índice de creches públicas verificado pelo Unicef podem ser indício de debilidades que acabam na sombra de outros indicadores mais positivos. Para o prefeito, os números poderiam ser bem mais promissores caso São Caetano não tivesse de atender à demanda da população periférica, principalmente de núcleos de favelas e de bairros carentes de São Paulo como Vila Prudente, Vila Califórnia e Vila Mello, além da Vila Palmares em Santo André. "Se as crianças de fora não estivessem nas minhas creches, teria pelo menos 100 leitos vazios e até 500 vagas disponíveis" -- informa Tortorello.


O diretor de Comunicação da Prefeitura, Aleksandar Jovanovic, é mais didático para a contradição dos números. Diz que é impossível bloquear os efeitos da contaminação estatística da população carente que espreme São Caetano porque qualquer cidadão goza dos serviços públicos do Município como morador local, sem discriminação, assegura. "Com isso, os registros de óbitos acabam naturalmente acrescidos. Como a pesquisa da Fundação Seade não leva em conta a origem do domicílio dos pacientes, acabam aparecendo números que misturam filhos de parturientes de São Caetano, que passam por até nove exames de pré-natal, com filhos de parturientes absolutamente desassistidas nas periferias de São Paulo e Santo André, principalmente" -- expõe. 


A vocação para atrair populações de áreas próximas faz parte da história de São Caetano. "Desde o início do século XX o Município atrai a população do entorno. Só que agora a cidade oferece mais do que ganha porque tem um padrão de excelência" -- considera o diretor Aleksandar Jovanovic, jornalista veterano na região que reteima atividade profissional, depois de presidir a Fundação Pró-Memória de São Caetano nos últimos quatro anos. Para Jovanovic, São Caetano não tem apenas 130 mil habitantes: é uma cidade que atende população de 400 mil pessoas. "É como se tivesse alta temporada de 12 meses por ano, com uma superpopulação usando seus equipamentos públicos" -- afirma.


Mais do que uma cidade de Primeiro Mundo que tem de se defender do assédio de vizinhos pobres, São Caetano não é poupado de um lado subdesenvolvido, segundo a dura avaliação da professora e vereadora Vera Severiano. Para provar que não está exagerando, dá o próprio exemplo de quando tentou se eleger como conselheira tutelar da Infância e Adolescência. Antes de participar da eleição, teve de ser submetida a exame de seleção, no qual conseguiu índice de 100% de acertos. "Mas quando fui para a fase da eleição descobri que havia decreto municipal que proibia pessoas filiadas a partidos políticos de participar do pleito. Isso é coisa de quinto mundo" -- considera a vereadora petista.


O exemplo do Primeiro Mundo pode ter sido adotado em outra área, como na Segurança Pública, cuja influência no bem-estar coletivo é decisiva. Uma inovação foi acrescentar R$ 400 aos salários pagos aos policiais pelo Estado. Outra é o SOS Cidadão, sistema de comunicação que permite a uma viatura estar de três a cinco minutos no local da chamada. A PM em São Caetano fez outra parceria com a Prefeitura para um programa de prevenção às drogas entre crianças na faixa de 10 anos. É o Proerd (Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência), um curso de 17 semanas ministrado por policiais militares às crianças da 4ª série do Ensino Fundamental baseado em experiência semelhante desenvolvida pela Prefeitura de Los Angeles, Estados Unidos. "É nessa idade que a criança consegue assimilar as idéias e aprender a dizer não às drogas" -- explica o capitão da PM Luiz Antonio Dantas Valente, comandante da 4ª Companhia do 6º Batalhão de Polícia Militar Metropolitana. 


O desafio de uma criança ou adolescente resistir ao assédio dos traficantes está tanto na eficiência do Proerd como na resolução dos problemas de segurança para os quais não existe a blindagem territorial à qual recorrem os condomínios que se multiplicam no cinturão da Capital. São Caetano é uma ilha de bem-estar que não escapa aos estilhaços de uma periferia tipicamente metropolitana.


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