Administração Pública

Mauá resolve pôr
minhoca na cabeça

VANILDA DE OLIVEIRA - 05/06/2001

Com dinheiro dos governos italiano e brasileiro, know-how nacional e muita necessidade local, a Prefeitura de Mauá começa a pôr em prática este mês programa de inclusão social e primeira renda para atender 200 jovens carentes e desempregados do Município. Batizado de Oficina de Cultura da Terra Urbana e Cooperativismo, o projeto-piloto será desenvolvido na Casa da Juventude do Bairro Feital e mais três Cajus ainda não definidas. É apenas uma ponta de um macroplano bem mais ambicioso que prevê três projetos de desenvolvimento sustentável a serem garantidos por empréstimo de R$ 4 milhões, a fundo perdido, vindo da Itália. Nas oficinas, o ponto final desse novo caminho que começa a ser traçado pelo Município contra o desemprego e a exclusão são as famílias de jovens entre 14 e 18 anos e a comunidade onde vivem. O elo entre os três tem nome: cooperativa. E também objetivo: melhorar o orçamento familiar. O governo federal aprovou em 25 de maio último liberação de recursos para cobrir metade do projeto, ou seja, 100 jovens.

Das oito Cajus de Mauá que oferecem cursos semiprofissionalizantes gratuitamente, seis terão ao longo deste ano uma novidade para garantir o elo e o objetivo: os minhocários. Sim minhocários, pois é justamente na criação de minhocas e no que produzem, o precioso húmus que serve de adubo e já virou artigo de exportação, que a administração pública do PT aposta as fichas para garantir emprego e renda a parte dos 34 mil desempregados da cidade. Segundo a PED (Pesquisa de Emprego e Desemprego) da Fundação Seade, Mauá tem População Economicamente Ativa de aproximadamente 200 mil pessoas, 17% oficialmente sem emprego registrado em carteira.

São estatísticas negativas como essas que levaram a Prefeitura, segundo o secretário da Criança, Família e Bem-Estar Social, José Alfonso Klein, a considerar idéias inovadoras que aproveitassem o que a administração considera vocação rural da cidade para gerar empregos com os minhocários e, futuramente, com hortas comunitárias e de ervas medicinais. O projeto quer ir além da produção de minhocas e húmus e desenvolver nos jovens habilidades de autogestão, através do ensino de métodos de trabalho, organização, noções de administração, gerenciamento e cooperativismo. Todo esse aprendizado será repassado às famílias e à comunidade para gerar empresas familiares e as tão sonhadas cooperativas. A tarefa não é nada fácil num País com 18% de analfabetos e que ocupa o 19º lugar no ranking mundial de Matemática e Ciências realizado para classificar alunos de 13 anos em 20 países -- o Brasil disputa o título de pior desempenho com Moçambique, na África.

Imprescindíveis numa cidade com alta taxa de desemprego, as Casas da Juventude tentam fazer sua pequena parte ao ensinar profissões a menores de famílias de baixa renda que, segundo o secretário Alfonso Klein, raramente encontram emprego formal e até mesmo informal. Com essa consciência, Mauá resolveu apostar nos minhocários. Algo que Santo André faz dentro de outro contexto e formato na Subprefeitura de Paranapiacaba e Parque Andreense, também focando alternativas econômicas e sociais de desenvolvimento sustentável com a população próxima às margens da Represa Billings. Klein garante, porém, que nos moldes do que está sendo feito em Mauá, o trabalho é inédito no Estado.

Gestação -- A Prefeitura começou a pensar nos minhocários em agosto do ano passado, aproveitando pesquisa e experiência da assessora técnica da Secretaria de Desenvolvimento Econômico Maria Aparecida Zacarelli, ex-consultora da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos), órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia. Segundo a técnica, o solo de Mauá é propício à minhocultura em função do clima úmido, o que favorece a iniciativa inclusive nas 100 favelas da cidade onde mora boa parte da população, e de estar em área de mananciais. 

Num quintal de 40 metros quadrados é possível fazer canteiro de tijolos (1,5 x um metro de largura e 40 centímetros de profundidade), colocar 3,5 mil minhocas e produzir 600 quilos de húmus por mês. Essa produção garante lucro de R$ 300 e a projeção é que futuramente cada quilo de húmus gere R$ 1 de lucro no varejo, de acordo com o secretário Alfonso Klein. Nas Cajus, os minhocários e hortas serão custeados por dinheiro dos governos italiano e brasileiro, menos no Bairro Feital, que ficará por conta da Prefeitura. Depois, cada jovem poderá reproduzir em casa, em formato de empresa familiar, o que aprendeu de graça nas Casas da Juventude. 

A produção do húmus terá custo zero porque deriva das fezes das minhocas e do lixo orgânico doado por feiras livres e supermercados. Mas o investimento inicial para os kits é de R$ 300. Alfonso Klein e o secretário de Desenvolvimento Econômico de Mauá, Paulo Eugênio Pereira, acreditam que o projeto será auto-sustentável em um ano. A Prefeitura espera passar a produção do canteiro de tijolos para caixas de amianto, procedimento que também barateará o processo. "Já estamos em contato com técnicos da Unesp (Universidade Estadual de São Paulo) sobre o assunto" -- conta Klein.

O projeto está orçado em R$ 297,6 mil. Desse total, R$ 141,8 mil foram oficialmente solicitados ao governo italiano e servirão para garantir o projeto nos 12 meses de duração. Nesse período, os meninos vão aprender na teoria e na prática a lidar com as minhocas, revirar a terra, ver surgir o húmus. Aprenderão também como escoar a produção; enfim, vender o que produzirem. Depois de adquirirem know-how, vão repassá-lo a pais, irmãos e vizinhos. Aprenderão o que é cooperativismo e como trabalhar sob esse sistema para poder juntar o pouquinho de cada e somar o suficiente até para exportar. Por que não? 

"Já há interessados no produto, como a Cooperativa de Minhocultores de Jundiaí, na região de Campinas, e a Usina de Processamento de Piracicaba. As duas processam farinha de minhoca para exportação" -- antecipa o secretário da Criança, Família e Bem-Estar Social. A Prefeitura estima que 70% dos canteiros instalados nas residências dos jovens que integrarem o programa vão contribuir com a renda familiar. Nas contas do Poder Público, esses 200 estudantes das Cajus vão reproduzir o que aprenderem e beneficiar no total pelo menos mil pessoas diretamente.

A Argentina é prova de que minhoca e húmus dão lucro. A empresa Worms, sediada em Rosário, fechou acordo em março deste ano para exportar 100 toneladas de minhocas ao Oriente Médio por US$ 1,5 milhão. Em 2000, já havia exportado 300 mil minhocas. No Irã, minhocas serão usadas para reciclar 28 mil quilos de resíduos orgânicos gerados em dezenas de currais de gado leiteiro da Capital Teerã. "Em Mauá, já temos a tecnologia e o projeto-piloto consolidado para a produção" -- afirma o secretário de Desenvolvimento Econômico, Paulo Eugênio, que sonha em transformar a cidade numa grande exportadora de húmus e minhocas. Segundo ele, a França é bom mercado importador.

As Casas da Juventude de Mauá, que anualmente atendem três mil jovens de 14 a 18 anos, foram escolhidas para o projeto porque têm espaço físico adequado ao desenvolvimento dos minhocários e dos cursos teórico e prático. Dados da Prefeitura indicam que a maioria dos moradores da cidade é formada por migrantes vindos de Minas Gerais e que já tem alguma afinidade em lidar com a terra. A Caju do Bairro Feital foi escolhida para projeto-piloto também porque fica na rota dos pesqueiros da região. A matéria-prima para os minhocários virá do lixo orgânico das feiras livres e dos supermercados.

Para garantir a implantação da Oficina de Cultura da Terra Urbana e Cooperativismo, a Prefeitura também investirá em capacitação de pessoal -- os chamados educadores sociais --, organização de seminários e cartilhas de orientação, além de cursos de Técnicas de Vendas e Contabilidade ministrados nas Cajus. "Queremos despertar o jovem para seu potencial de trabalho. Ele terá oportunidade de aprender na teoria e na prática como mexer com a terra, fazê-la produzir. Com isso, queremos gerar emprego e renda" -- conceitua o secretário do Bem-Estar Social, Alfonso Klein. Ele confia na disposição e vitalidade dos meninos que profissionaliza e já imagina o húmus nos contêineres de aeroportos internacionais. "É um sonho para quem lida com jovens que, além de não ter emprego, correm constante perigo nas ruas. A maioria dos homicídios que ocorrem no Município atinge pessoas na faixa dos 15 aos 25 anos. Queremos chegar justamente a esse pessoal que é vítima da violência e as cooperativas são o caminho, porque vão garantir emprego, renda e também cidadania" -- aposta Klein.

Oficialmente Mauá não tem área rural nos seus 67 quilômetros quadrados, mas se a Secretaria da Criança, Família e Bem-Estar Social vê nos minhocários caminho para inclusão social, o secretário de Desenvolvimento Econômico, Paulo Eugênio, têm olhos ambiciosos voltados para futuro mais distante. 

A Prefeitura quer bem mais do que os R$ 141,8 mil do governo italiano para desenvolver a produção de minhocas e húmus. Foram pedidos R$ 4 milhões, divididos em três projetos já protocolados no Ministério das Relações Exteriores. O destino do empréstimo a fundo perdido são projetos de recuperação ambiental e opção de renda para famílias carentes. A administração pública espera que até setembro o dinheiro esteja liberado para dar andamento aos programas, um dos quais o de Recuperação Ambiental e Usos Públicos das Nascentes do Rio Tamanduateí e seus Entornos, que inclui o estímulo ao centro de produção de conhecimento e de educação ambiental. Reflorestamento com Árvores Nativas (Mata Atlântica) também é projeto na lista para receber parte desses R$ 4 milhões, sempre sob a ótica do desenvolvimento da atividade econômica em sinergia com conservação e preservação dos mananciais, flora e fauna locais.

A Prefeitura prevê ainda o desenvolvimento de técnicas para produção de lenha, carvão vegetal, extração de plantas medicinais e de madeiras para diversos fins, o que deve garantir a geração de no mínimo cinco empregos diretos por 10 hectares de área cultivada. A experiência é similar a trabalhos preservacionistas já pensados em outras localidades para extração sustentável de palmito e plantas medicinais. O terceiro projeto protocolado no Ministério das Relações Exteriores já saiu do papel e foi literalmente para o chão: é justamente o das Oficinas de Cultivo da Terra que vão dar origem aos minhocários.


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