Administração Pública

Pacto ou fim da
ilha da fantasia?

WALTER VENTURINI - 05/07/2001

O modelo de empresa pública de transportes coletivos vive momentos decisivos em Diadema, onde a Prefeitura está prestes a decretar o fim da experiência iniciada pelo Partido dos Trabalhadores nos anos 80 com a criação da ETCD (Empresa de Transportes Coletivos de Diadema). A única possibilidade de a empresa continuar a funcionar não foi aceita pelos 460 funcionários nem pela Justiça do Trabalho: nada de reajuste salarial de 6% e aumento da jornada de trabalho de seis horas e 40 minutos para sete horas e 20 minutos. O presidente da ETCD, William Chaim, não vê saída senão adequar a estatal à realidade do mercado. Do contrário, as linhas que opera serão repassadas à iniciativa privada através de licitação e a Prefeitura cuidaria apenas da gestão e fiscalização, como já fizeram as também socialistas prefeituras de Santo André e São Bernardo.

A medidas propostas pela ETCD representam revisão completa das relações trabalhistas -- espécie de pacto social, bandeira frequentemente hasteada sempre que surge ou se agrava uma crise econômica. O mais famoso modelo mundial de pacto social foi o chamado Pacto de La Moncloa, feito nos anos 70 entre o governo socialista da Espanha e as centrais sindicais daquele país. Trabalhadores reclamavam dos direitos que tiveram de abrir mão, enquanto os que defendiam a economia de mercado afirmam que foi La Moncloa que possibilitou o desenvolvimento econômico da Espanha nos anos que se seguiram. 

Agora em Diadema estão em jogo um dogma do PT e toda a administração pública, pois o prefeito petista José de Filippi Júnior propõe redução salarial de 6,25% a todo funcionalismo municipal para cumprir os limites de gastos impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal e ficar com as contas da Prefeitura em ordem. Na ETCD é a mesma coisa, com a proposta de mais trabalho e menos salário. 

O pacto social da ETCD quer garantir viabilidade à empresa pública, que hoje acumula dívida de cerca de R$ 22 milhões. "A grande questão para se alcançar o equilíbrio financeiro é repactuar as relações de trabalho. Se isso não acontecer, não tem milagre: vamos ter de fechar e privatizar. Hoje a ETCD é uma ilha da fantasia" -- declara William Chaim, que já recolheu a frota estatal aos sábados, domingos e feriados como medida de economia, liberando os trajetos para as duas permissionárias particulares -- Triângulo e Riacho Grande. A ETCD transporta metade dos cerca de três milhões de passageiros/mês.

Para Cleuber Ferreira de Moura, diretor do Sindicato dos Condutores Rodoviários do ABC, a ameaça de fechar é ato de terrorismo. "Dizer isso é terrível, porque, a exemplo da saúde e educação, a Prefeitura também deveria investir em transporte para a população" -- declara o sindicalista. Cleuber Moura chega a propor que a Prefeitura assuma parte da dívida da ETCD com a Previdência Social e alega que durante anos a contribuição de seguridade social foi apropriada indevidamente pela direção da empresa. William Chaim descarta e lembra que no ano passado a Prefeitura absorveu cerca de R$ 30 milhões referentes a débitos com o INSS. O presidente afirma que a grande distorção da ETCD é a folha de salário, que consome cerca de 90% da receita. Cleuber Moura, diretor do sindicato, avalia que a redução salarial terá pouco impacto sobre a dívida.

A Justiça do Trabalho concedeu este ano aos trabalhadores das empresas de ônibus do Grande ABC reajuste salarial de 6%. William Chaim entregou ao Tribunal Regional do Trabalho documento com cerca de mil páginas onde reivindica que os trabalhadores da ETCD não recebam o reajuste para ficarem equiparados com funcionários das viações particulares, além de aumentar a jornada de trabalho, cortar pela metade os 100% da hora extra paga nos dias de semana e reduzir o valor do tíquete-refeição de R$ 7,50 para R$ 6,08. A Justiça do Trabalho costuma dar ganho de causa aos trabalhadores em disputas como a da ETCD. Na primeira reunião de conciliação, a Justiça afirmou o reajuste de 6%. A decisão final do TRT deverá ocorrer ainda este mês. Mesmo assim, William Chaim não acredita que a decisão seja previsível. "É difícil avaliar porque é uma questão nova sob a vigência da Lei de Responsabilidade Fiscal. Trata-se de empresa pública criada antes da lei" -- argumenta o presidente da ETCD. Com problema velho e lei nova, os juízes é que terão de desatar o nó da ETCD.


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