Empresas são organismos vivos. São denominadas, aliás, pessoas jurídicas perante a lei. No terreno da espiritualidade, essas pessoas jurídicas têm mente (dirigentes), emoção (empregados) e físico (patrimônio). "O problema é que a chamada alma do negócio é confundida com sua materialidade, o produto, e não com os seres que permeiam a empresa" -- protesta a advogada e consultora na área de administração pública Liliam Ramos da Silva, que há anos se dedica ao crescimento da espiritualidade nas pessoas e empresas. Liliam Ramos chama a tudo e a todos de seres com luz. É o desenvolvimento dessa energia que falta à humanidade, daí as guerras, as crises, o crescimento da miséria nos países periféricos e os fracassos empresariais.
Até o símbolo máximo do materialismo, o dinheiro, tem energia espiritual, afirma essa mestra em Direito pela PUC de São Paulo e voluntária da Fraternidade Pax Universal. Dinheiro, como define, é uma energia materializada na forma de valor de troca. Se é retido por poucos, a energia positiva que contém deixa de circular -- sejam nos países, nas empresas e nas famílias. Voz suave, fala pausada, Liliam Ramos afirma que não sai de casa sem fazer oração e um tubo de luz (mentalização das cores que iluminam o planeta). Sempre convocando Deus e os anjos para explicar a trajetória dos homens, confessa que está contente com o despertar da espiritualidade no mundo dos negócios, algo que enxerga a partir do engajamento de empresas em movimentos ecológicos, em ações voluntárias junto à comunidade e no crescimento de palestras para profissionais de recursos humanos. Um dos encontros sobre essa que está sendo chamada de terceira inteligência do homem -- ao lado da inteligência emocional e do quociente intelectual -- ocorreu no mês passado a convite do Grinape (Grupo Informal de Administradores de Pessoal), que atua no Grande ABC:
Espiritualidade tem a ver com religião? Como se manifesta nas pessoas e como, principalmente, as pessoas a descobrem?
Liliam Ramos -- Se compreendermos que todos somos seres espirituais independente de crenças, vamos entender que religião é apenas um meio de experienciar a espiritualidade. A propósito, religião vem da palavra religare, do latim, que significa ligar-se a algo, no caso, ligar-se ao divino ou à sua divindade. Todas as religiões foram trazidas para que a humanidade mantivesse um elo com o divino. Variam de acordo com a cultura e a época em que se difundiram, mas a essência é uma só. Hoje não faz muito sentido manter essa imagem sectária.
Com todo respeito, devemos entender a opção religiosa como um meio de aprendizado da escolha de cada um por seu estágio de alma, mas sem preconceito sobre este ou aquele segmento. Somos todos luz. Aliás, os cientistas, através da física quântica, têm comprovado isso. Toda matéria é luz condensada. Nesse aspecto, somos todos da mesma origem. Essa realidade é que precisa estar clara para todos que buscam um caminho de evolução espiritual. Seja budista, católico, espírita, judeu ou muçulmano... todos são luz! É essa energia que devemos considerar. A partir dessa conscientização, tudo muda. Não existem diferenças de raça, credo ou condição social que nos separem. A vida ganha outro sentido. O mundo tem outro significado. Pessoas que se abrem para essa experiência são transformadas e passam a ser transformadoras do mundo em que vivem. Isso é vivenciar a espiritualidade 24 horas do dia.
Como o desenvolvimento da espiritualidade pode contribuir para o crescimento profissional?
Liliam Ramos -- Quando você se reconhece como ser de luz, a energia passa a ser trabalhada em todos os sentidos. Pensamentos, sentimentos e ações estão impregnados pela energia que a pessoa empresta a tudo, seja na vida familiar, social ou profissional. Todo trabalho é parte e, portanto, resultado da energia. Para exemplificar: a simples tarefa de preparar comida pode ser um ato de amor ou não, depende da energia empregada nessa tarefa. Quem já passou mal após ingerir uma comida deliciosa e saudável pode estar certo de que tem mais a ver com quem preparou do que com os ingredientes usados. Alguém que cozinha com sentimento de raiva passa energia negativa para o alimento da mesma forma que alguém que cozinha com muito amor e carinho passa energia positiva. Por isso, é preciso abençoar os alimentos e especialmente quem os prepara. A benção transmuta qualquer negatividade neles contida. Se a pessoa atentar para isso, vai também cuidar da energia que empresta ao trabalho. Pense nisso e você vai sentir o resultado. Faça tudo com amor e se terá sucesso.
A senhora coloca que as empresas são organismos vivos, têm um corpo, tanto que são denominadas pessoas jurídicas. Como a espiritualidade tangencia ou impacta um mundo aparentemente tão calculista e impermeável a emoções como o dos negócios, sobretudo com a competição desenfreada de hoje?
Liliam Ramos -- Deixemos a senhora de lado, por favor. As pessoas jurídicas são assim denominadas como uma ficção do Direito, mas numa visão espiritualista devemos entender a amplitude dessa denominação. As empresas são, sim, organismos vivos e estão em constante mutação pelas pessoas que a compõem. Sejam os dirigentes (corpo mental da empresa) sejam os empregados (corpo emocional), que dentro de um espaço físico (corpo físico) oferecem à empresa uma personalidade e uma alma. Só que muitas vezes a chamada alma do negócio é confundida com sua materialidade (o produto) e não com os seres que a permeiam. É por isso que muitos negócios fracassam sem explicação. Ou melhor dizendo, negócios que aparentemente têm um produto que tem tudo para dar certo surpreendentemente naufragam. A verdadeira alma estava em conflito, e não o produto.
Quando se lida com energia de grupos, se não houver uma harmonização, fatalmente ocorrem distorções nos resultados do trabalho. Por exemplo: o setor de vendas. Se a única preocupação for alcançar metas de vendagem e garantir comissão, você não estará computando a energia necessária para o sucesso pretendido se desconsiderar aqueles que elaboraram o produto. Se, ao contrário, você abençoar o produto e aqueles que contribuíram para sua realização, vai estar incorporando essa energia ao trabalho de forma positiva. Mais ainda: se você igualmente abençoar aqueles a quem o produto vai ser destinado (clientes, compradores ou consumidores finais), vai estar passando energia positiva para os destinatários do produto. Você estará compartilhando o sucesso com todos e garanto que não só vai alcançar como vai superar metas, porque a energia que você ajudou a circular está amorosamente impregnada por todos. Essa é a diferença de se atuar com uma visão materialista ou espiritualista. A competição deixa de ser o mais importante.
A colaboração é a força do conjunto que realiza, que impulsiona. É isso que garante o destaque. Se as empresas mudarem a perspectiva de conduzir os negócios tendo todos, inclusive fornecedores e consumidores, como parceiros e compartilhar o respeito à sua atividade, vão se surpreender com o retorno disso muito mais do que imaginam. Existem técnicas e exercícios que podem ser aplicados para harmonização do corpo mental e emocional das empresas assim como das pessoas em geral. O equilíbrio entre mental e emocional é fundamental para qualquer crescimento como ser em evolução.
A espiritualidade, então, explica porquê algumas empresas prosperam e outras não?
Liliam Ramos -- A prosperidade de qualquer ser é reflexo do estado espiritual. Nas empresas não é diferente. Costumo usar uma afirmação incomum para ouvidos que buscam um caminho espiritual, mas que traduz de forma muito apropriada o sentido que procuro passar dessa nova visão de vida: espiritualidade começa com lençóis limpos e conta bancária saudável. Isso significa que hábitos saudáveis de vida e de higiene pessoal, entre outros, traduzem o estado de espírito. Uma pessoa desordenada e mal cuidada está com a mente desordenada, confusa e sentimentos de baixa valorização. Como pode atrair coisas boas para a vida se ela se sente um fracasso? Quando falamos em prosperidade pensamos só em bens materiais, sobretudo dinheiro, mas é muito mais que isso. É alegria, saúde, bem-estar, paz, equilíbrio. Isso é ser próspero. Aqueles que não administram bem o dinheiro também não administram bem a vida. Ter muito dinheiro nem sempre significa prosperidade. Tem gente que vive bem com pouco e tem gente que vive mal com muito. A energia do dinheiro está mal trabalhada e mal associada com conceitos de padrões mentais que devem ser mudados e rapidamente, se possível.
As empresas têm consciência sobre a espiritualidade nos negócios e a mudança de hábitos, como a senhora denomina sua palestra? Para que tipo de empresa ou grupos profissionais tem levado suas mensagens?
Liliam Ramos -- Não sei se têm consciência exatamente de como é ou como funciona a espiritualidade, mas acho que estão despertando para isso mesmo sem saber. Quando vejo empresas preocupadas não só com a atividade-fim mas com o papel que exercem na sociedade, procurando participar de movimentos ecológicos e sociais, incentivando empregados em atividades de voluntariado fora da corporação e que enriquecem o convívio com as pessoas, isso me aquece o coração porque se percebe que o discurso está mudando. Não importa se as empresas visam com isso benefícios à própria imagem. Importa que a experiência demonstra mudança de comportamento em relação a questões que anteriormente nem eram consideradas no mundo dos negócios. Acredito que tudo é uma preparação para a concepção espiritualista ser incorporada no mundo dos negócios mais breve do que esperamos. Tenho sentido isso nas palestras que realizo com grupos de RH principalmente.
Como convencer um empreendedor que deixou de ganhar uma licitação importante ou um gerente que acaba de perder o emprego porque a conjuntura econômica não está favorável de que isso é falta de amor coletivo, é escassez de energia positiva no mundo ou os anjos acharam que não seria o melhor para eles? Não é argumento bíblico demais diante da necessidade de sobrevivermos no dia-a-dia do trabalho e dos compromissos pessoais?
Liliam Ramos -- A idéia não é convencer ninguém. Não se trata de doutrinação e sim de uma proposta de reflexão. Se você aceitar que nada acontece por acaso, já é um grande passo. As lições que podemos tirar de situações aparentemente negativas são inúmeras; basta estar aberto a esse aprendizado. Digo aparentemente negativas porque às vezes são essas situações que criam espaço para que aconteçam coisas melhores e inesperadas na nossa vida. Particularmente agradeço muito tudo e todos que provocaram episódios ditos negativos ou ruins na minha vida. Eles me ajudaram a
chegar onde estou hoje, e garanto que estou muito mais feliz que antes. Sei de pessoas que se realizaram na vida após grandes tragédias ou dificuldades. Tudo tem um sentido maior que nem sempre compreendemos no momento que estamos passando. A chave para superar tudo isso está no equilíbrio e na fé. Jamais se pode perder a fé em si mesmo. Acredite! Vivemos no mundo da matéria e é certo que precisamos de recursos materiais. Só que na luta pela sobrevivência deixamos de lado outros valores muito mais importantes. Os reveses que se apresentam servem para resgatar esse nosso lado esquecido.
Poderia detalhar sua tese de que o crescimento da pobreza periférica no mundo é resultado da falta de circulação da energia do dinheiro, retido pelos países ricos. Não é contraditório um dos símbolos máximos do materialismo -- o dinheiro -- ter energia espiritual?
Liliam Ramos -- Não é tese, é uma constatação. Se você observar que a energia do dinheiro foi manipulada de forma a causar tantos males, você é capaz de condenar o dinheiro mas não seu mau uso. O crescimento da pobreza acontece em reação ao materialismo egoísta que impregna a sociedade de hoje. Mas dinheiro é antes de mais nada uma energia, materializada em forma de valor de troca. Se foi manipulado por forças negativas, não é sua energia que é ruim e sim a forma como foi utilizada. Reter a energia do dinheiro é um mal que devemos reparar. A circulação da moeda tem que oxigenar a todos. Isso é compartilhar. E quando se compartilha, se multiplica, ao contrário do que se pensa, de que compartilhar é dividir. Multiplicar e compartilhar são a mesma coisa energeticamente falando. Esse é o padrão mental que devemos associar em relação ao dinheiro. Possuir dinheiro é tão bom quanto ter energia para compartilhar. Sei que existe muito preconceito em relação ao dinheiro, especialmente em algumas correntes espiritualistas que visualizam no dinheiro os males da corrupção, da manipulação etc. Mas isso é mau uso de energia que vamos ter que reverter e curar.
É consenso entre estudiosos que sempre existiu espiritualidade ou QS, inteligência espiritual, como é denominada. Por que o homem tem tanta dificuldade de elevar os valores humanos que a senhora enfeixa em torno da espiritualidade (amor, solidariedade, respeito à natureza, paz, perfeição) e a humanidade só coleciona crises e guerras?
Liliam Ramos -- Sim. Espiritualidade sempre existiu, só que foi dissociada do resto, tratada como algo à parte da vida cotidiana, como coisa de místicos ou seres especiais. O poder atemporal foi encampado só pelos religiosos ou emissários divinos, como se nós mortais fôssemos uma raça menor que não pertence a esse seleto grupo. Daí nos esquecermos desses valores ao longo da trajetória evolutiva dentro da materialidade. É hora de resgatar nossa herança divina. Civilizações passadas como da Lemúria e da Atlântida sabiam exatamente de sua origem e experienciavam toda a capacidade de seres espirituais. Por isso alcançaram progresso inimaginável em relação ao que hoje conhecemos como Ciência. Estamos prestes a vivenciar esse mesmo conhecimento no terceiro milênio, mas é também necessário que tenhamos plena consciência de quem somos e o que somos. As crises cíclicas fizeram parte do aprendizado da humanidade para que este momento pudesse ser vivenciado por nós agora. Resta apenas assumir nosso verdadeiro papel nessa programação: seres de luz vivenciando uma experiência material na construção de uma civilização de origem divina. Não é preciso ir ao Tibet para ser um ser de luz ou vivenciar a espiritualidade. Basta que você seja luz onde estiver.
Quem é Deus para a senhora?
Liliam Ramos -- Deus é tudo. É energia pura. Luz maior do universo. Se tudo é energia, Deus é você, eu e tudo que existe.
Que orientações a senhora dá para quem quer desenvolver o ser espiritual e promover mudança de hábitos?
Liliam Ramos -- A mudança de hábitos é processo de auto-conhecimento e aprendizado. Três requisitos são necessários: vontade, consciência e disciplina. A vontade, porque é um processo intransferível. Depende só da pessoa e ninguém pode fazê-lo por ela. O comando é dela. A consciência, porque é preciso saber exatamente o que é preciso mudar. É preciso identificar o que não nos serve mais ou o que está impedindo nosso progresso como pessoa em busca de crescimento individual. Muitas vezes temos hábitos tão incorporados que não nos damos conta dos danos que nos causam; por isso, devemos revisar todos os comportamentos: físicos, mentais e emocionais e observar atentamente. O que importa é a sintonização e estar alerta. É como o rádio: se você sintoniza AM, pega AM; se põe FM, vai ter mensagens em FM. Então, se você tem o hábito de reclamar, só vai captar reclamações. É preciso estar alerta quando se pegar nessa sintonia, converta em agradecimento e transforme sua atitude. Você vai estar criando condições melhores para a vida e para os relacionamentos.
Seja sempre o mais honesto possível na revelação dos seus hábitos. Lembre-se que, sem verdade, não há cura. O terceiro requisito, a disciplina, nada mais é do que impor ordem e ritmo à mudança. Eliminar e converter certos hábitos em comportamentos positivos e saudáveis requer constância, persistência. Alguns exercícios ajudam, mas precisam ser praticados, senão nada muda. É um treinamento diário. Eu recomendo meditação, visualização, respiração cadenciada e técnicas de relaxamento. Desenvolver algumas atividades programáveis contribui para o processo de disciplina. Por exemplo: tempo de refeições, horário de sono, espaço para meditação, orações... Faça tudo sem obrigação, mas com prazer. Quanto mais natural o processo, melhor será o resultado.
O que a faz crer que as pessoas mudam?
Liliam Ramos -- A própria transformação do corpo físico. Nossas células são totalmente renovadas a cada 21 dias. O intestino, que expele tudo o que não presta para o organismo, se renova a cada três dias. Por que não podemos descobrir e renovar a luz que há entre nós?
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10/05/2024 Todas as respostas de Carlos Ferreira