Entrevista Especial

Tudo bem só no
ano que vem

MALU MARCOCCIA - 05/10/2001

Debruçado como nunca sobre cada vírgula que possa mudar o traçado dos números negativos da contabilidade pública, o prefeito José de Filippi Júnior trabalhou em 2001 praticamente com os olhos postos em 2002. Imobilizado com um orçamento prometido de quase R$ 240 milhões que insiste em não passar de R$ 206 milhões neste primeiro ano do segundo mandato, Filippi pretende tirar o atraso com a implantação de um Laboratório Municipal de Políticas Públicas que ajude a produzir estatísticas e soluções para Diadema em tempo recorde: a promessa é divulgar dados e planos de três em três meses e a pauta começa com desemprego e censo econômico, anuncia o prefeito. Há mais, entretanto, para as empresas: "A Secretaria de Desenvolvimento Econômico, que nunca existiu, passará a ter uma dinamicidade de reuniões de dois em dois meses com empresários" -- prometeu à diretoria do Ciesp, em setembro.

Agora as notícias menos agradáveis: disposta a somar R$ 60 milhões no orçamento de 2002, a Prefeitura não abrirá mão de criar taxas de limpeza e de iluminação, de aumentar o IPTU e pôr fim a várias isenções. O combate à dívida ativa e à sonegação é o principal pilar. Neste ano o engenheiro civil e militante petista José de Filippi fez o que o PT menos gosta: demitiu e cortou salários e benefícios como convênio médico. Uma faxina para preparar a casa para 2002. O déficit anual caiu de 40% para 4%.

Com um orçamento de R$ 206 milhões e uma dívida de R$ 376 milhões, o senhor crê na viabilidade do Município com a atual Lei de Responsabilidade Fiscal?

José de Filippi Jr. -- Não tenho dúvida da viabilidade e trabalhando concretamente para esse cenário. Não vamos nos enquadrar neste ano na LRF, talvez em 2002, mas esses números precisam ser contextualizados. Podemos chegar a um orçamento de R$ 210 milhões com algum esforço de busca de financiamento externo, enquanto a dívida de R$ 376 milhões tem impactos diferenciados. Há obrigações de curto e médio prazo e há financiamentos de 20 a 30 anos para pagar.

O melhor parâmetro econômico de Diadema pode ser tomado pelo déficit anual. De janeiro a agosto, derrubamos esse déficit de 40% para 4%. É um esforço brutal que envolve corte de despesas, revisão de folha de pagamento, busca de novas receitas, entre outros. Uma das questões principais do estrangulamento financeiro do Município foi a anemia de receitas. Quando assumi pela primeira vez, em 1993, a receita de Diadema era de R$ 60 milhões e entreguei o orçamento de 1996 com R$ 170 milhões, ou seja, 193% de aumento para uma inflação estimada no período de 51%. Entre 1997 e 2000 a receita cresceu de R$ 170 milhões para R$ 207 milhões, ou apenas 21,7%, para uma inflação de 44%.

É bom citar que a recessão provocada pelo Plano Collor em 1990 derrubou a receita do Município em 30%, para ninguém imaginar que vou salvar a pátria e ficar conhecido como o prefeito que aumentou a receita em três vezes. Vínhamos de uma queda muito forte quando assumi em 1993. O problema é que o orçamento da administração anterior foi totalmente maquiado. Foi um chute achar que assumiríamos 2001 com cerca de R$ 240 milhões diante do ICMS caindo brutalmente ao longo dos últimos anos.

Foi preciso uma Lei Fiscal ameaçando pôr prefeito na cadeia para se acabar com distorções no trato do dinheiro público? Não fosse a LRF, Diadema estaria cortando salários e demitindo e teria contratado a Fundação Getúlio Vargas para auditar a folha de pagamentos? Teria comprado 55 novos relógios de ponto para acabar com a farra das sete mil faltas e licenças por mês entre os 6,2 mil servidores?

Filippi -- Nosso problema não é Lei de Responsabilidade Fiscal. Essa lei agrava, tenciona, exige posicionamentos jurídicos e políticos que estamos desenvolvendo, mas mesmo antes da LRF o PT já tinha clareza de que gestão pública tem de ser eficaz. O problema de Diadema é que herdamos uma Prefeitura que andou para trás do ponto de vista financeiro, totalmente desinformatizada, com funcionários sem crachás nem relógio de ponto. O primeiro ato do ex-prefeito foi fechar o Centro de Treinamento do servidor. Foi um verdadeiro crime. A Prefeitura é a maior empregadora da cidade e ficou sem qualquer política de recursos humanos. Estamos agora adotando uma postura transparente em relação aos funcionários públicos, mostrando todos os números de como encontramos a Prefeitura para 2001: havia uma despesa determinada de perto de R$ 24 milhões mensais e uma receita de R$ 17,2 milhões. Daí termos tomado medidas duras e amargas, como corte de horas extras e de convênio médico a zero, fizemos um PDV e 110 demissões, revisamos alguns critérios de salários como insalubridade, revimos o vale-transporte, travamos 70 cargos de confiança e reduzimos em 7,5% os salários dos cargos em comissão. Hoje estamos com despesas de R$ 18,260 milhões por mês e a receita subiu ligeiramente para 17,5 milhões.

A matemática é perversa para um partido como o PT, que tem no social prioridade zero. Diadema vem perdendo receitas no bojo da desindustrialização do Grande ABC (seu Índice de Participação no ICMS de 1,26% em 1994 caiu para 1,15% este ano) e tem contabilizados 40 mil desempregados formais, sem falar na informalidade explícita. Há solução de curto prazo contra isso que não seja elevar ou criar taxas, como consta na maioria das 21 propostas que o Executivo mandou para a Câmara de Vereadores? 

Filippi -- O conceito de desindustrialização é incompleto para explicar a perda de receita com ICMS. Desindustrializar, para mim, significa mudar o perfil industrial de uma localidade e o Grande ABC continua industrial. Diadema em particular não vai abrir mão de ter a indústria como principal atividade econômica. Eu mesmo entreguei a cidade para o ex-prefeito Gilson Menezes, em 1997, com índice de participação de 1,40% no ICMS.  

Sobre política social, é isso mesmo: política social que mereça esse nome precisa de matemática e de recursos, senão vira cosmética, vira uma mudança superficial como a Bolsa-Educação do presidente Fernando Henrique, que dá R$ 15 para uma criança estudar. É até ofensivo. Política social que mereça esse nome custa caro. Dirigentes norte-americanos e japoneses sabem o que é isso: a política de educação pública desses países é cara porque é boa. Países que têm nível avançado de desenvolvimento econômico investiram pesadamente em políticas sociais de educação, como fizeram os Tigres Asiáticos. Uma Prefeitura até pode dar esse tipo de auxílio, como é a bandeira do PT da Bolsa-Escola, mas o governo federal tem que investir pesado, não pode fazer gentilezas com chapéu alheio. O Ministério da Educação tira dinheiro dos municípios com o fundão (Emenda 14) para fazer uma política de educação vergonhosa. Simplesmente tiraram as Emeis dos recursos da educação básica, achando que crianças de quatro a seis anos têm de fazer bordados e ter aulas de lazer. No Japão, o ensino obrigatório começas aos três anos.

Voltando à desindustrialização, não se pode negar que o Grande ABC perdeu empresas -- que se foram ou fecharam. E o investimento de quem ficou é desempregador, porque é em tecnologia e para enxugar estruturas. Ao contrário, os investimentos que vão para o Interior, por serem novos, criam empregos, impostos e renda.

Filippi -- Concordo. Daqui a pouco a Volks vai ter 10 mil trabalhadores, quando já teve quase 40 mil. De qualquer forma Volks e Mercedes-Benz, dois símbolos da região, continuam investindo aqui. Vejo até como positiva a desconcentração industrial. A questão que se coloca é: qual modelo de País queremos? Um modelo que só tenha indústria no Grande ABC? Um modelo que, para ter indústria na Bahia, se dê tudo para a Ford? Temos de ter um modelo que permita que várias localidades do País se industrializem. É tendência mundial a desconcentração industrial dos grandes pólos e a regionalização na forma de especialidades. Para o Brasil isso é bom, pois temos de ter perspectivas econômicas em diversas regiões num País com a geográfica como o nosso. Mas preciso fazer planejamento para que não haja o movimento brutal do milagre econômico, quando o governo criou um grande exército de reserva de mão-de-obra e fez com que Diadema explodisse de 12 mil habitantes na década de 70 para 200 mil nos anos 80. 

O Grande ABC pode ter aumento do Valor Adicionado mesmo perdendo para o Interior de São Paulo, que está recebendo mais indústrias, porque nosso ICMS pode ser recuperado com serviços. Para a região, o terciário passou a ser nova matriz de arrecadação como a indústria é para o Interior. Se você pegar o eixo da Avenida Fábio Eduardo Esquivel, em Diadema, vai ver indústria se transformando em concessionária de veículos, em lojas, temos se instalando a ACS, que é uma grande empresa da construção civil, também ganhamos uma unidade da TNT Logística, atraída pela concentração das montadoras para as quais vai prestar serviços.

Isso não é desindustrialização? O senhor basicamente citou nomes de serviços.

Filippi -- Na última campanha política, candidatos do PMDB falaram que Diadema somava 1,2 mil galpões vazios e os do PPS, que eram 600. Quando assumi, fiz questão que a equipe do Plano Diretor fizesse a contagem de galpões vazios acima de 300 metros quadrados. Sabe quantos tem? 80. E se tivesse mais, não há problema. A questão não são os galpões vazios, mas galpões velhos e deteriorados. Diadema só tem 3% de espaço urbano vazio. Precisa potencializar esses galpões introduzindo fibra ótica e preparando-os para uma perspectiva de tecnologia moderna e novo tipo de gestão, como os condomínios industriais. Vamos trabalhar o fator atrativo de Diadema que é a localização, no meio da Capital e do Porto de Santos e cortada pela Imigrantes, além de estar próxima das grandes plantas industriais.


Uma análise dos 21 projetos na Câmara de Vereadores para aumentar em R$ 60 milhões a arrecadação em 2002 indica que a maior parte desse salto de 30% sobre o orçamento deste ano virá de receita própria do Município. São criação de taxas de iluminação e de incêndio, revisão de planta do IPTU, fim de isenções etc. A instância criada para gerenciar tudo isso chama-se Comitê de Recuperação de Receita. Isso já não deixa empresários de cabelo em pé e afugenta novos investidores?

Filippi -- Como prefeito, não tenho ação direta sobre o ICMS porque esse imposto depende muito de macroconjuntura econômica. Por isso, de 80% a 90% da recuperação orçamentária que faremos será mesmo em cima de receita própria. Aumentar receitas simplesmente aumentando impostos é uma solução simplificadora e às vezes burra. Já fui deputado estadual e não tenho dúvida de que se o ICMS fosse de 11%, como já foi, teríamos um tremendo aumento de arrecadação. A sonegação de ICMS é brutal por conta da alíquota de 18%. Ao aumentar taxas podemos até perder, porque, além da sonegação, vai se questionar na Justiça e vai haver inadimplência. Por isso, vamos usar bom senso. Veja o IPTU: tem vários terrenos vazios que causam perturbação na cidade. Com 356 mil habitantes em 30 quilômetros quadrados, somos a cidade do Estado com maior densidade demográfica e não podemos ter vazios urbanos para quem faz especulação imobiliária. Se o proprietário quer ter reserva de valor com imóveis, que divida com o Poder Público esse valor pagando alíquota maior. Há muita distorção na planta genérica de valores, com valor venal às vezes reduzido a um terço do valor de mercado. Vamos ter uma ação mais cuidadosa em relação a isso.

Quanto ao ISS, o nível de sonegação também é brutal, assim como é brutal a alíquota de 5%. Concordo plenamente com as escolas, profissionais liberais e médicos, por isso estamos adequando isso à Lei de Incentivos Seletivos debatida no âmbito do Grande ABC. Se a atividade gera mais empregos e menos ICMS ou mais ISS e menos IPTU, podemos avaliar que tipo de incentivo ajuda determinados setores. 

A Lei de Responsabilidade Fiscal não permite que se abra mão de receita sem pôr nada no local. 

Filippi -- É por isso que estamos quebrando a cabeça. Em tese, e aqui estou falando em tese, prefiro que todas as transportadoras, em vez de 3% de ISS, possam pagar 1,5%, mas sem sonegação e que criem empregos na cidade. Outro exemplo são as escolas. Vamos fazer um plano ousado de gestão da cobrança de ISS. Vamos exigir que a mensalidade do aluno seja paga em boleto da Prefeitura. Assim acabamos com aquela enganação de que tem 10 alunos, mas na verdade tem 100. Nada melhor do que discutir uma alíquota menor e colocar essas contas em dia. Os Estados Unidos fazem isso: qualquer café que se toma já vem discriminado na nota fiscal quanto é arrecadado para o governo. A Receita Federal deles é on-line é o crédito fiscal é automático. Estamos contratando uma empresa especializada para terceirizar o levantamento e fazer uma nova grade de ISS em Diadema. Calculamos que de R$ 10 milhões poderíamos ter R$ 40 milhões de ISS por ano. Não significa que vamos aumentar a alíquota em quatro vezes. Vamos rever isenções para alguns setores, como o caso da construção civil, por exemplo.

Em algum momento a Prefeitura leva em conta que boa parte da sonegação não é por má fé, mas por sobrevivência empresarial, para pagar funcionários e máquinas e continuar no mercado?

Filippi -- Os empresários não precisam se assustar porque o pulo-do-gato dos R$ 60 milhões que estamos projetando a mais no orçamento de 2002 virá da dívida ativa. Temos um estoque de dívida ativa de R$ 140 milhões. De ISS tinha R$ 55 milhões por aí, sem muito controle, e calculamos que R$ 15 milhões poderemos recuperar negociando amigavelmente. Se não, vamos aderir ao movimento que alguns prefeitos estão fazendo de protestar inadimplentes. Concordamos que muita empresa, principalmente de pequeno porte, é devedora por causa de dificuldades financeiras, não por perversidade. A Saned está em plena campanha de recomposição de receitas tratando amigavelmente com 30% de inadimplentes. De qualquer forma, ao apertar o mau pagador, a Prefeitura estabelece as regras de mercado, pois a inadimplência é injusta para quem paga em dia.

Empresários da região sempre se queixaram do distanciamento do Poder Público. E não se trata daquela coisa de ajudar numa festinha aqui, patrocinar o clube da cidade ali, plantar árvores acolá. Querem mesmo é palpitar e intervir nas políticas públicas de desenvolvimento. Há quantidade e qualidade nas ações da Secretaria de Desenvolvimento Econômico e do Soae (Serviço de Orientação e Apoio Empresarial) de Diadema?

Filippi -- Vamos começar um trabalho de censo econômico permanente dentro do Laboratório Municipal de Políticas Públicas que estamos inaugurando em parceria com a Cop-Copetec, uma coordenadoria de pós-graduação da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) especializada em cooperativas. A assessoria começa com desemprego e censo econômico. Não podemos mais fazer política no chutômetro. Vamos estudar as variáveis para entender nossa realidade e agir rapidamente. A idéia é divulgar de três em três meses o que encontramos e quais planos pretendemos. Sabemos que Diadema é uma cidade industrial, de micro e pequenas empresas concentradas basicamente em seis cadeias: plástico, cosméticos, autopeças, borracha, papel e papelão. Vamos agir em torno desses empresários.

Diadema já tinha um censo feito pelo Imes de São Caetano, pioneiro na região, aliás, por ter perfil econômico. O que houve?

Filippi -- Tivemos a iniciativa desse censo em 1995 para acabar com o vôo cego em que ficam as cidades com os censos quinquenais feitos pelo IBGE, o último dos quais em 1985. Com a assessoria da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a princípio durante estes primeiros seis meses, estamos retomando o mapeamento da nossa realidade e de forma permanente, a partir da montagem do Laboratório Municipal de Políticas Públicas. É um absurdo hoje, com a velocidade das mudanças do mundo moderno e principalmente com o dinamismo de uma região como a nossa, o IBGE demorar tanto para tabular dados. Já mandei três cartas para o IBGE sobre o censo de 2000 e eles disseram que só vai ficar pronto no final de 2002. Como vou planejar políticas públicas se vou ter indicadores quando estiver quase terminando o mandato?

Significa que a Agência de Desenvolvimento Econômico do Grande ABC também não está servindo de suporte, já que os dados com os quais trabalha são de 1996, desatualizados para essa dinâmica da região, como o senhor diz?

Filippi -- Queremos ter outras perspectivas, outras fontes de dados, e estamos trabalhando em conjunto com a Agência, pois é um posicionamento que vamos trabalhar com a região como um todo. Mas para Diadema quero andar mais rápido e vou aproveitar a estrutura da UFRJ porque já tinha iniciado com eles contato para um trabalho cooperado, que reduza custos. Depois de seis meses vamos ver como o quadro evolui.

Voltando à aproximação do Poder Público e empresariado, tive uma reunião com o Ciesp (Centro das Indústrias) na semana passada (meados de setembro) e fizemos uma pauta para reuniões de dois em dois meses. Nossa Secretaria de Desenvolvimento Econômico, que até agora não existiu, vai passar a ter essa dinamicidade. O Laboratório de Políticas Públicas é uma iniciativa que vai funcionar dentro da Secretaria de Desenvolvimento e vai trazer informações qualificadas para traçarmos boas políticas de desenvolvimento econômico e social. Já restabelecemos contatos e fizemos um seminário regional da cadeia do plástico em Diadema -- estabelecendo uma miniexperiência de câmara setorial no Município -- e estamos nos aproximando da mesma forma do setor cosmético.

Qual sua tese: o desenvolvimento social tem prioridade zero sobre o desenvolvimento econômico, ou sem prosperidade econômica não há políticas sociais que dêem jeito?

Filippi -- Já falei sobre isso e citei os EUA. Política social boa custa caro e um exemplo é a escola pública americana. Não tenho dúvida de que para fazer uma ótima política social tem que ter pujança econômica. Outro exemplo pode ser Cuba. É uma sociedade pobre que investiu muito no desenvolvimento de políticas sociais sustentadas pelo ex-regime soviético, mas que está em situação de paralisia por causa do bloqueio comercial perverso dos EUA, que impede seu desenvolvimento econômico. É evidente que todas as nações precisam ter desenvolvimento econômico para ter políticas de desenvolvimento social.

Diadema é o maior pólo produtor de cosméticos e itens plásticos do Grande ABC, mas perdeu para Mauá o centro tecnológico do plástico. O que houve?

Filippi -- Em primeiro lugar, isso foi decidido antes de eu chegar, em janeiro. Em segundo lugar, não quero acreditar que Diadema perdeu, porque se foi decisão da Câmara Regional, significa que se trata de um centro regional do plástico. Se não tivermos essa visão regional, então vamos parar com essa brincadeira de integração, e cada cidade tratar do próprio umbigo. Não nos consideramos perdedores se o centro do plástico for mesmo regional, pois não é possível ignorar que Diadema tem metade das empresas e dos empregos das 360 indústrias plásticas do Grande ABC. Se o micro e pequeno empresário de Diadema não for atendido nas necessidades de suporte tecnológico, vamos criar o nosso centro plástico. Se quisermos crescer regionalmente, não podemos ter uma cabeça provinciana. O IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas da Universidade de São Paulo), por exemplo, tem uma van que vai até as empresas e permanece uma semana ajudando na detecção e solução de problemas.

Sobre provincianismo, como o senhor avalia a integração regional?

Filippi -- Essa parada de atividades, de dinamismo, essa desmobilização é um alerta para nós, porque coloca em xeque o modelo de Câmara Regional. Já havia uma dificuldade do governo Mário Covas entender a importância do Grande ABC e da Câmara Regional. Constatei isso como deputado na Assembléia Legislativa, onde o líder do PSDB e o relator do orçamento do Estado, que era tucano, nem sabiam o que era Câmara Regional. O governador Geraldo Alckmim demonstra ter uma política menos ousada. Me parece que falta ao governador assumir de fato o governo do Estado que, para mim, é decisivo na manutenção da Câmara Regional. O Estado tem presença muito heterogênea e diferenciada entre as secretarias. A Pasta de Recursos Hídricos, por exemplo, tem atitudes muito concretas com os piscinões, manda técnicos comprometidos, tem decisão política em relação a recursos financeiros e uma ação verdadeiramente em parceria com as Prefeituras, que cedem área e fazem manutenção de uma obra realizada pelo Estado. Essa sinergia, não está existindo em outras áreas. Não temos outras ações condutoras partindo do governo do Estado. Na educação, por exemplo, dona Rose Neubauer chegou ao ponto de falar que o Mova (Movimento de Alfabetização de Adultos) não é importante, por isso não ia abrir espaços em suas escolas.

E os prefeitos, estão unidos?

Filippi -- A única bola fora é o prefeito de São Caetano. Todos os demais comparecem de forma sistemática e entusiasmada nas reuniões mensais do Consórcio Intermunicipal. É preciso entender que o ritmo de uma articulação regional é diferente do ritmo de uma articulação com prefeituras. É preciso construir tudo por consenso, por pactos mais completos, mas é um esforço louvável para todos. Algumas ações que considero conquistas regionais são a Lei de Incentivos Seletivos e o Banco do Povo de Santo André, cujo modelo vamos adotar em Diadema. É uma ONG auto-sustentável e concede microcrédito com menos burocracia. Diadema vai rever o modelo aprovado pelos vereadores de Banco do Povo do governo do Estado e adotar o de Santo André.

Com orçamentos apertados, por que Diadema insiste em ter uma ETCD estatal, empresa historicamente deficitária? Repassar R$ 52 milhões em dívidas para a Prefeitura não vale para provar que está saneada.

Filippi -- Não defendo empresas públicas como as que herdamos do regime militar, sem qualquer controle social. Com a desigualdade de distribuição de renda no País, quem vai promover um mínimo de justiça social no País é um Estado forte, presente, democrático, com controle social, eficaz, empreendedor e gestor. O mercado está ai há 20 anos e só fez aumentar essa desigualdade. Por que não se questiona a estrutura do metrô de Paris, que é um dos melhores do mundo porque tem 30% de subsídio? O metrô de São Paulo é exemplar e é operado publicamente. A ferrovia na Grã-Bretanha é pública. O melhor serviço de coração no Brasil é no Incor de São Paulo, uma instituição pública.

Que pouquíssimos brasileiros têm acesso.

Filippi -- Mas não se pode dizer que setor público não é capaz. Só não consegue atender todo mundo. Diadema é o único transporte da Grande São Paulo que tem tarifa zero na volta, com a integração com a EMTU. Na verdade, 40% dos usuários pagam só 70 centavos de tarifa. O metrô de Paris faz isso. Concordo que a ETCD é campeã dos subsídios, por isso a Prefeitura vai cortar ao meio e dar agora 1% do orçamento para a empresa.  Somos a única cidade do Brasil que tem cinco mil estudantes andando de graça. Vamos manter apenas alguns subsídios, como o da tarifa-integração, do idoso e o passe de 50% para estudante. Idealizamos um modelo de ETCD eficiente e pública, com controle social. Se está ruim, tem ladrão, daqui quatro anos tem eleição e o povo troca de administradores. O duro são as estatais que foram privatizadas e, se tiver bandido no comando, não há como trocá-lo. A meta para a ETCD a partir de 2002 é ser como a Saned, uma empresa auto-sustentável e com capacidade de investir. A Prefeitura vai repassar 1% do orçamento. A partir daí a ETCD vai ter de se gerenciar. 

Os subsídios não são exclusivos do modo socialista de governar. França e Estados Unidos são países capitalistas e têm montanhas de subsídios para a agricultura. O Brasil só se industrializou porque o governo militar deu montanhas de subsídios para empresários. O que precisamos é saber para onde vão e como serão utilizados.

Há 12 anos dirigida pelas mãos de prefeitos socialistas -- grandes incentivadores de políticas sociais nas áreas de habitação e cultura --, por que Diadema não consegue deixar a liderança em rankings de homicídios? 

Filippi -- Já saímos do primeiro para o terceiro lugar em homicídios. Não é o melhor dos mundos, mas não se compara ao Rio, porque em Diadema não perdemos o controle da cidade. Talvez sem as políticas sociais a violência seria triplicada, daí mantermos programas como Jovem Aprendiz, Mova, Saúde em Casa e oficinas culturais. A Guarda Municipal ganhará sede dia 12 de novembro com refeitórios, sala de instrução, farda e treinamento, e estará toda informatizada. De 120 queremos ir para 200 guardas no próximo ano. A parceria com o Instituto Fernand Braudel promoveu uma adesão intelectual para entender e propor soluções para a violência. Com a criação da Coordenadoria de Defesa Social, passamos a ter relatório diário para agir e a desenvolver estudos, sobre qual a origem e a relação dos crimes com falta de escolas, ausência de atividades da juventude, as rotas mais visadas. Hoje Diadema conhece melhor seu mapa da violência. O resultado vamos ver daqui dois a três anos, com mais de 50% de redução de todos os indicadores de criminalidade. Neste ano tivemos 126 homicídios em seis meses, 10% menor do que o mesmo período de 2000, o que ainda é muito. Queremos que não passe de um dígito. 


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