As lideranças empresariais dos sete municípios do Grande ABC estão encasteladas e precisam revisar o grau de vaidades pessoais. A contundência da avaliação é de um dos chamados líderes empresariais da região, que faz questão de não se excluir do chumbo grosso da crítica. Quem conhece José Carlos Buchala, presidente do Sindicato do Comércio Varejista do Grande ABC e vice-presidente da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, além de membro do Conselho Deliberativo do Senac-SP (Serviço Nacional do Comércio), não se surpreende com o diagnóstico. Buchala é naturalmente franco, cortante, sem meias palavras.
Um dos poucos dirigentes empresariais da região a assumir postos de comando em entidades de abrangência estadual, José Carlos Buchala defende maior entrosamento e união dos titulares de instituições do empresariado do Grande ABC, entre outros motivos, porque considera o quadro econômico complicado demais para embates individuais. O dirigente fala em nome de um quadro de 26 mil empresas formalizadas no comércio varejista da região, a maioria constituída de pequenos negócios que mais sofreram com a chegada das grandes redes na última década.
A avaliação do quadro diretivo que José Carlos Buchala expõe com impacto semelhante a de um boxeador é algo que a maioria subscreve apenas entre quatro paredes. Buchala não está preocupado com isso e também em alertar autoridades públicas sobre os equívocos de ocupação de espaços geográficos nobres por grandes companhias de comércio.
Também o crescimento da informalidade no varejo que tão bem conhece e as distorções que a irregularidade provoca na concorrência com estabelecimentos legalmente constituídos são círculos especiais do tiro ao alvo dos problemas que o dirigente acerta sem rodeios. Apesar de tudo, não enxerga apenas brumas no horizonte varejista. Ele não tem esperança de recuperação imediata das atividades, mas aposta na possibilidade de que os bairros voltarão a ter comércio movimentado e organizado de forma suficiente a preservar a dignidade dos empreendedores.
A quem se deve atribuir a responsabilidade pelo massacre do comércio varejista do Grande ABC, um espelho da situação de regiões metropolitanas atingidas em cheio pela chegada de grandes conglomerados nacionais e internacionais? As prefeituras da região se omitiram ao não estabelecerem medidas que preservassem a competitividade dentro de parâmetros mais civilizados? Algo parecido com o que ocorre, por exemplo, em grande parte da Europa?
José Carlos Buchala -- O comércio da região está vivendo sensação de massacre, principalmente micro e pequenos negócios. Como todo massacre, nunca a origem está num único problema. Diversos ingredientes colaboram para termos chegado a esse ponto. O principal é queda do poder aquisitivo. Tenho certeza de que a redução do emprego industrial nesse período recente é o maior responsável pelo encolhimento das vendas do comércio.
Além disso, a atividade comercial de menor porte passou a estar mais concentrada, o que criou nosso segundo responsável: os grandes centros de compras que foram autorizados pelos Executivos municipais. É justo lembrar que, no momento em que a invasão das grandes redes começou, ninguém imaginava que nossa capacidade de consumo e nossa renda interna chegariam no ponto que chegaram. Por isso, o Grande ABC se deixou levar pelos mesmos motivos que seduziram outras cidades. Havia falsa impressão de que os hipermercados significavam uma mostra grandiosa de desenvolvimento e progresso. Meu sindicato gritou sozinho quando o Eldorado chegou à região, aportando na divisa de Santo André e São Bernardo. Embora o investimento tenha sido comemorado por todos, registramos o fechamento de 68 comércios naquela região um ano após a inauguração do hipermercado. Eram estabelecimentos que se serviam basicamente da vizinhança. Com certeza, foram os primeiros da lista de comerciantes desgarrados dos negócios que ostentamos hoje.
Restrições administrativas são fundamentais para normatizar e mesmo preservar o espírito de concorrência, mas não acredito no modelo europeu. As legislações existentes na Itália, Áustria, França e Países Baixos são exageradas para nossa cultura e geografia, mas o Executivo e o Legislativo municipal deveriam estar mais atentos a essa discussão. Nosso sindicato apresentou e discutiu o problema várias vezes. Colocamos o formato que acreditamos não tiraria do Poder Público a possibilidade de receber grandes redes do varejo, mas manteria o espírito de concorrência. Até agora não conseguimos definir um modelo de legislação ou atitude que cumpra esse papel.
Espero que as autoridades tenham sensibilidade para o desarranjo urbano que a infinidade de imóveis desocupados nas avenidas está gerando, além dos prejuízos culturais que o fechamento do comércio de vizinhança acarreta nas regiões que sofrem esse impacto. Até hoje não houve uma autoridade pública que tenha me convencido economicamente da geração de riquezas que justifique esse canibalismo.
Há dois anos o Sincomércio quantificou o número de estabelecimentos formais de varejistas que desapareceram diante da concentração de grandes players comerciais e também de aspectos inerentes à administração de pequenos negócios. Há números mais atualizados sobre esse cenário?
José Carlos Buchala -- No estudo concluído em 1999, relacionado a um levantamento entre 1994 e 1999, descobrimos que o comércio havia perdido 6,3 mil empresas. Esse número significava aproximadamente 20% das empresas varejistas formais. O número de aberturas e fechamentos continua impressionante. A situação econômica e a inexperiência de novos comerciantes oriundos das demissões da indústria justificam em boa parte esse fenômeno e apresentam outra grande vedete das atividades econômicas atuais: a informalidade. Recentemente acabamos um levantamento específico em Santo André e descobrimos 36% das atividades instaladas na completa informalidade.
Como o senhor observa a nova tendência do varejo, que se direciona fortemente para a pulverização de lojas de vizinhança dos grandes conglomerados? Estaríamos vivendo o prenúncio de nova onda de destruição dos pequenos varejistas? Há luz nesse fim de túnel?
José Carlos Buchala -- Não quero me iludir nem iludir ninguém sobre esse assunto. As ondas de destruição pela concorrência e pela mudança de perfil não mais poderão ser chamadas de novas ou antigas. São e serão uma constante. Não podemos mais dizer que vivemos momento de transição. Esse momento, ou essa atmosfera, é definitiva. Não acredito que só os grandes conglomerados do varejo vão realizar o papel de satélite dos pequenos negócios. Outros aspectos são importantes nessa situação de conveniências.
Acredito, por exemplo, que em Ribeirão Pires, Diadema e Rio Grande da Serra os estabelecimentos se organizarão pelo princípio da proximidade da residência, do trabalho, enfim das áreas de convívio. É importante perceber que essa discussão geográfica cria grande responsabilidade no administrador público, que dispõe de ferramentas suficientes para orientar os negócios na sua cidade.
Eu e meu sindicato estamos disponíveis para discutir desenvolvimento com todos os prefeitos, secretários e vereadores.
O Sindicato do Comércio Varejista fez recentemente pesquisa devastadora sobre a realidade do mercado regional. Que tipo de mensagem ficou evidente na tabulação e na interpretação de dados?
José Carlos Buchala -- O Sincomércio, o Sehal e o Sipam fizeram uma varredura em Santo André. Foram visitadas todas as atividades econômicas. Com isso, temos um perfil do que está estabelecido na cidade, formal e informalmente, nos ramos da indústria, comércio e serviços. O material nos assustou. O número de atividades encontradas nos pareceu muito pequeno e as informações preliminares dizem que a situação nas outras cidades é semelhante. Nas atividades estabelecidas é grandioso o número de iniciativas de auto-emprego e transitórias. As prefeituras terão muito trabalho para formalizar essas atividades e nós teremos dificuldade de qualificar essas pessoas.
Como já disse, foram encontrados 36% de informais. Com base nesse número, dá para imaginar a situação de quem está regular, porque outro atentado contra o pequeno comércio acontece com essa concorrência também desleal da informalidade, só que aqui o problema vem de baixo.
Precisamos acabar com a falácia de que o Grande ABC está assumindo vocação de comércio e serviços. Precisamos recuperar com a maior urgência possível o emprego da indústria e nossa capacidade de consumo.
Como o senhor explica a falta de cidadania empresarial? Traduzindo: por que o nível de engajamento da sociedade produtiva do setor comercial, semelhante ao que acontece no setor industrial, é tão pouco expressivo? É possível reverter esse quadro?
José Carlos Buchala -- Não é verdade que o comércio comete falta de cidadania empresarial. Não há um setor varejista que não esteja envolvido e apoiando projetos sociais, patrocinando ações beneficentes e contribuindo para o desenvolvimento da cidadania. Neste último ano, até por apelo da resolução da ONU, as ações cidadãs viraram ferramenta de reforço de imagem junto ao público. Agora, se você quer definir participação cidadã como participação nos encontros políticos da região...
Sim, é exatamente disso que estamos falando.
José Carlos Buchala -- Tomo a liberdade de perguntar a você e a seu leitor: quem ainda tem paciência de participar dos mecanismos regionais que estão aí para discussão? E a questão é realmente paciência, porque desejo todos temos. Acho que seria de bom tom, com o cidadão comum e com empresários, que as instâncias de poder público se preocupassem em modificar o formato e a dinâmica dos seus trabalhos.
O Grande ABC passou, em 10 anos, de uma certa acomodação do setor comercial, até então tipicamente familiar, para uma estrondosa transformação sobre a qual lançaram-se avidamente grandes investimentos de supermercados, shoppings, hipermercados e redes de material de construção, entre outros negócios sistêmicos. Qual vai ser o futuro do comércio varejista da região?
José Carlos Buchala -- O Grande ABC ainda é uma economia de negócios familiares. No varejo, as grandes lojas significam 11% dos estabelecimentos e 25% dos negócios. Tenho confiança que nossa região começará a retomada a partir do ano que vem. Os grandes ainda chegarão, mas com atitudes mais tímidas. As prefeituras deverão promover reformas urbanas e facilidades nos processos de abertura de novas empresas.
Não tenho esperança na recuperação imediata das atividades . A situação de hoje é fruto de no mínimo 10 anos de dificuldades acumuladas. De forma geral, é indiscutível que os bairros voltarão a ter um comércio movimentado e organizado. Eventualmente com menor valor de negócios, mas o suficiente para manter a atividade condignamente.
Qual é, sucintamente, sua análise sobre as razões que levaram à evasão industrial do Grande ABC?
José Carlos Buchala -- Minha avaliação está muito calcada nas análises que LivreMercado vem fazendo há tempos. Para não ser repetitivo, quero apenas dizer que sou solidário e preocupado com as informações que recebo aqui. Com isso, quero dizer que estou bem representado por todos os dados apresentados e os comentários emitidos por outros entrevistados e principalmente nos editoriais.
Quais as alternativas para o Grande ABC voltar a ser competitivo como economia, independentemente de recuperar ou não as indústrias? Aliás, sobre isso, o senhor acredita que é possível recuperar a força industrial do Grande ABC?
José Carlos Buchala -- Acredito em recuperar parte da força industrial perdida. Temos que descobrir e nos esforçar em novos caminhos. Tenho ouvido muito e compreendo a visão dos prefeitos de se focarem em atividades de alto valor agregado, mas torço para não se esquecerem de ações menos nobres como, por exemplo, e só por exemplo, oficinas que consumam mão-de-obra intensiva.
Outra coisa que me preocupa é que não percamos o que já temos. É importante manter quem ainda está aqui.
Há diferenças significativas entre o estrondo que tem acontecido no comércio varejista do Grande ABC e a realidade de outras regiões do Estado? Estamos dentro de um quadro de similaridade ou temos nossos componentes especiais?
José Carlos Buchala -- No comércio as únicas similaridades existentes são a oferta que hoje se padronizou e o fato de que as outras regiões metropolitanas estão passando ou passarão por situação idêntica à nossa. Nossos problemas de infra-estrutura criam um paradoxo que nos deixam muito perto e muito longe de nossos sucessos. Os investimentos feitos na nossa região são quase sempre em reforma de infra-estrutura instalada, enquanto em outras localidades o investimento vira infra-estrutura nova.
Há elementos quantitativos que, melhor do que estudos, poderiam definir o enfraquecimento econômico do Grande ABC no setor varejista? Temos alguns comparativos de produtos vendidos no Grande ABC e em outras regiões que demonstram nossa queda de poder aquisitivo?
José Carlos Buchala -- Não acredito que determinado produto consiga ser vendido com condições comerciais que representem grande diferença em relação à nossa região. É lógico e evidente que algumas regiões que viram chegar novas indústrias aumentaram a capacidade de consumo, tanto de forma efetiva, com mais dinheiro circulando, como de forma subjetiva, estando psicologicamente mais predispostas ao consumo.
Nossas ruas tradicionais de comércio diminuíram em importância e trocaram o perfil de consumo. Os ambulantes viraram marca dessas localidades. O administrador público precisa pensar em formas eficientes de organizar essa modalidade de comércio. Coloco meu sindicato à disposição para colaborar.
Qual sua avaliação sobre as lideranças empresariais do Grande ABC, num olhar retrospectivo histórico, e o que acha que precisa ser alterado se forem colocados olhos no futuro?
José Carlos Buchala -- As lideranças estão encasteladas. Nisso incluo eu mesmo e meu sindicato. Precisamos urgentemente buscar maior representatividade. Precisamos realizar esforço significativo para consolidar um mínimo de condições à sobrevivência e manutenção dos negócios. Para isso, boa parte das vaidades e projetos pessoais precisa ser revista.
Colocando os olhos no futuro, não podemos desperdiçar a oportunidade que a troca de comando no nível federal pode gerar para a região. Essa é uma encruzilhada que pode significar muito para nós. Pode principalmente incluir a região nos debates e investimentos nacionais.
Ainda pensando no futuro, sinto falta de novas lideranças participando das discussões. Gostaria de convidar todos os sucessores das empresas de comércio e mesmo comerciantes que nunca participaram e que queiram participar, para que comecem a frequentar o Sincomércio. Ficaríamos muito felizes em descobrir gente nova e novas formas de fazer nosso trabalho.
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10/05/2024 Todas as respostas de Carlos Ferreira