O desenvolvimento econômico do Grande ABC a partir da segunda metade dos anos 50 teria sido outro e provavelmente bem menos intenso se representantes do empresariado local não tivessem criado a CTBC (Companhia Telefônica da Borda do Campo). A avaliação não é de qualquer um dos dirigentes que fundaram a companhia em Santo André, mas de um executivo que veio depois e ficou no comando em boa parte dos anos de estatização e de grandes investimentos do governo militar na área de telecomunicações.
Formado em Economia e Administração pela FEA da USP (Universidade de São Paulo), Arno Traeger tornou-se espécie de referência histórica da empresa que há três anos e meio foi privatizada pelo governo federal e hoje faz parte do conglomerado multinacional espanhol do Grupo Telefônica. Em atividade na Capital paulista como consultor internacional de negócios, Arno Traeger lembra que a evolução das telecomunicações é fator determinante no desenvolvimento de uma economia e de uma sociedade, por isso o processo de privatização precisa ser observado com todo o cuidado, longe de incursões menos pragmáticas.
Mesmo à distância, Arno Traeger acompanha a realidade do Grande ABC e atribui às autoridades locais o desafio da responsabilidade para definir e orientar o futuro regional. "O processo de mutação é natural e a história da humanidade tem inúmeros exemplos de prosperidade seguidos de períodos de retrações em cidades, localidades ou regiões" -- afirma.
Não lhe parece, como ex-presidente da companhia, que o modelo de privatização da CTBC apresentou grave erro de filosofia porque não contemplou interesses da região no que poderíamos chamar de monitoramento dos destinos da empresa? Traduzindo: seria pedir demais que a comunidade do Grande ABC tivesse assento pelo menos informativo sobre o gerenciamento de uma empresa de interesse público?
Arno Traeger -- Ao longo de toda sua existência a CTBC dedicou atividades à prestação de serviço telefônico no Grande ABC. Sob controle acionário da Telesp, prestou serviços em algumas localidades limítrofes da região e finalmente, por definição do Ministério das Comunicações, assumiu o controle acionário da Telefônica de Mogi das Cruzes.
Ao longo da evolução dos princípios da economia brasileira, e no governo de Fernando Henrique Cardoso, as telecomunicações brasileiras passaram por profunda reestruturação. A Lei Geral das Telecomunicações trouxe em seu bojo a privatização e, com isso, foram assumidas pela iniciativa privada todas as empresas telefônicas existentes em território brasileiro.
Essa transição foi amplamente divulgada pela grande imprensa e as negociações concluídas em ato público na Bolsa do Rio de Janeiro. A partir desse episódio, as prestações dos diversos serviços estão sendo privatizadas e têm solução a nível nacional. É um processo lento, mas contínuo e persistente. O enfoque do atendimento passou a ser pelo serviço prestado e não pela empresa interveniente.
O senhor acha que faltou mobilização para o Grande ABC estabelecer algumas ponderações mínimas na transposição do modelo estatal para o modelo privado? Se a sociedade regional tivesse se mobilizado, teríamos alcançado um formato diferente do atual?
Arno Traeger -- Devemos levar em conta que as condições macroeconômicas e de mercado eram totalmente diferentes nas duas épocas. Por ocasião da fundação da empresa, o empenho da sociedade local e de lideranças locais foi determinante para se conseguir a prestação do serviço telefônico local, uma vez que a CTB, concessionária na época, não demonstrava interesse e empenho em fazê-lo, apesar de reclamos generalizados. A CTB não vislumbrava desenvolvimento local que pudesse motivar novos investimentos.
Já na oportunidade do processo de privatização, o Grande ABC era totalmente diferente: a abertura total do mercado era uma realidade. Apesar de mobilizações locais ocorrerem nos dias de hoje, nem sempre são eficazes em assuntos específicos. O novo modelo de atendimento à sociedade implantado visa a atender interesses globais e não a localidades restritas. A solução ora apresentada atende às necessidades locais com propriedade adequada.
Seu trabalho à frente da CTBC foi caracterizado como ação explicitamente voltada aos interesses empresariais, no sentido de atendimento à demanda reprimida e às necessidades do mercado. Na seqüência, tivemos, com a Nova República, administrações que passaram a enxergar a companhia como instrumento político partidário. Anteriormente à sua chegada à CTBC, a empresa se caracterizou pelo voluntarismo diretivo, da vontade expressa de um conjunto de empresários de setores diversos. Como o senhor analisa a situação da CTBC do ponto de vista gerencial a partir de sua criação?
Arno Traeger -- O período do voluntarismo na CTBC caracterizou-se pela dedicação pessoal dos fundadores, uma vez que o desafio de viabilização da empresa era determinante. Não se deve esquecer que nenhum dos interessados era especialista em telefonia e projetos novos tinham de ser desenvolvidos para atendimentos locais e desenvolvimentos projetados.
Ao nosso tempo, e durante mais de uma década, as telecomunicações brasileiras passaram por desenvolvimento acentuado. Foi a atividade que mais progresso apresentou na economia brasileira, na época. Índices de desenvolvimento e de qualidade eram cobrados pelo Ministério das Comunicações e pela Telebrás, holding do setor. Para atender a esses requisitos, e também às necessidades do mercado usuário, a estrutura e a gerência da CTBC tiveram de passar por total reformulação.
A implantação de sucessivos Planos de Expansão exigiu a formação de equipe técnica à altura das necessidades. Engenheiros, técnicos em telefonia, instaladores de telefones e operadoras de equipamentos eram treinados de forma adequada. Era necessário cumprir cronogramas, mas ao tempo certo. Da mesma forma, outros setores da empresa foram adequadamente preparados, com destaque para a gestão financeira de recursos humanos e, de forma pioneira, as técnicas de marketing e conseqüente comercialização dos Planos de Expansão.
Em fase seguinte, a gestão da empresa passou a seguir novas orientações pertinentes na época, inclusive, passando por adequações voltadas ao processo de privatização.
Se fizéssemos regressão histórica sobre as telecomunicações no Grande ABC e não encontrássemos a mobilização da sociedade para a criação da CTBC num momento de efervescência econômica da região, o que teria ocorrido efetivamente com a região, considerando-se a importância estratégica do sistema de telecomunicações?
Arno Traeger -- O Grande ABC, por sua proximidade com a Capital e condições locais, teve procura prioritária para instalação dos diversos segmentos industriais. Os setores mais significativos foram a indústria química, máquinas e equipamentos, borracha, plásticos e automobilística. As necessidades de comunicação aceleraram a criação da CTBC por lideranças locais e visão de largo alcance. Caso isso não tivesse acontecido, o desenvolvimento teria sido retardado e a região teria até perdido oportunidades de instalação de novas empresas. Cada vez mais, as necessidades que a sociedade tem precisam ser atendidas com maior rapidez para se acompanhar o desenvolvimento geral.
Como o senhor definiria a diferença da importância relativa das telecomunicações hoje, com os avanços tecnológicos que colocam a atividade como ponta-de-lança da globalização financeira, comparativamente ao passado? Como se sabe, as relações econômicas em outros tempos, principalmente em função das limitações impostas pelas telecomunicações, eram mais modestas e menos interdependentes.
Arno Traeger -- Pode ser afirmado que a inteligência humana e a sua capacidade criativa ainda não atingiram o limite. Na proporção que os recursos podem estar disponíveis, o desenvolvimento tecnológico progride com maior ou menor rapidez nos diversos campos da atividade humana. Sem dúvida nenhuma, o avanço das comunicações, incluindo as telecomunicações e seus meios, tem contribuído para a evolução de outros segmentos. Em outras épocas, o telefone, o fax, o telegrama, eram instrumentos disponíveis e usados pelo mercado financeiro, proporcionando agilidade e segurança às transações. Nos dias que correm as transações financeiras são instantâneas, mediante operações on-line com débitos instantâneos interbancos. Transferências de numerário, inclusive internacionais, são feitas diretamente com o uso do satélite, por exemplo. Efetivamente, a globalização deve muito de sua viabilização aos recursos proporcionados pelas comunicações. Não há termo de comparação entre as duas épocas. A situação hoje é muito mais dinâmica e produtiva. A evolução no futuro continuará com a mesma intensidade.
Muitos agentes regionais argumentam que a CTBC poderia ter ficado fora do espectro de privatização do governo federal e servir como espécie de laboratório estatal num universo que passou a ser dominado pelo empreendimento privado. O senhor acredita que as telecomunicações sejam uma atividade econômica que exigem de fato um contraponto confiável, somando-se assim esse propalado laboratório às funções da agência coordenadora que foi criada pelo ex-ministro Sérgio Motta?
Arno Traeger -- A CTBC, considerando a finalidade para a qual foi constituída, não contava com infra-estrutura, equipamento e pessoal qualificado para dedicar atividades à pesquisa e desenvolvimento. Essas atividades requerem recursos de grande monta e que não estavam disponíveis. Vale lembrar que o Centro de Pesquisas e Desenvolvimento da própria Telesp, que já contava com aproximadamente 700 especialistas, inclusive doutores, não foi preservado. Antes da privatização do sistema, o CPQD foi transformado em fundação e presta serviços a quem queira contratá-lo. De outro lado, os grupos privados que adquiriram as Telesps têm seus próprios centros de excelência, ou no Exterior ou já implantados no País.
O advento da globalização e a rapidez do desenvolvimento tecnológico no mundo todo são referências de desenvolvimento suficientes para as nossas telecomunicações.
Como consultor internacional de negócios e com a vivência na área de telecomunicações, qual sua análise sobre a privatização do setor no País?
Arno Traeger -- Não é por demais repetir que a evolução das telecomunicações é fator determinante no desenvolvimento de uma economia e de uma sociedade. Quando se analisou a privatização do Sistema Telebrás, por volta de 1995, foi constatado que o mercado usuário tinha necessidades a atender que requeriam recursos de até US$ 100 bilhões. Evidentemente esses recursos não estavam disponíveis. A solução seria estancar o desenvolvimento da economia nacional ou privatizar.
Por dados disponíveis sabe-se hoje que os investimentos feitos pela iniciativa privada nos últimos três anos correspondem a cinco vezes o total que foi investido durante os 30 anos anteriores à privatização. Os telefones fixos passaram de 19 milhões para 43 milhões e os celulares, de cinco milhões para 26 milhões. Temos que levar em conta que o Brasil, como País emergente, necessita de investimentos maciços, quer sejam nacionais ou internacionais, para aproximar-se rapidamente dos países de Primeiro Mundo. Pesquisas recentes apuraram que as necessidades de mercado da telefonia celular representam aproximadamente 10 milhões de novos aparelhos.
Que visão o senhor tem do Grande ABC de hoje, comparativamente ao que vivenciou durante muitos anos como executivo de uma companhia estrategicamente decisiva ao desenvolvimento regional? O Grande ABC de hoje se desindustrializa assustadoramente, a ponto de termos perdido volume impressionante de Valor Adicionado, de ICMS, de Potencial de Consumo, e ainda não conseguiu encontrar novas matrizes econômicas que gerem riquezas compatíveis com os bons tempos. Que futuro o senhor prevê para a região? Quais foram os nossos erros estratégicos?
Arno Traeger -- O quadro realmente é preocupante. A concentração empresarial industrial e o desenvolvimento econômico local necessitavam cada vez mais de mão-de-obra. Isso provocou migrações de pessoas de outras regiões do País com suas culturas próprias. O sindicalismo tomava corpo e suas reivindicações por vezes eram incompatíveis com os interesses econômicos do parque industrial implantado. As dificuldades apresentadas precipitaram as decisões das empresas de migrarem instalações para outras regiões, muitas das quais para o Interior do Estado. As condições locais de outras localidades, muitas vezes acrescidas de incentivos fiscais, estimularam o processo migratório. Acrescente-se a isso a melhoria possível nos custos operacionais, já bastante elevados no Grande ABC.
Deve-se observar que a situação atual do Grande ABC é um desafio de alta responsabilidade às autoridades locais, legalmente constituídas, para definir e orientar o futuro da região, tanto do ponto de vista econômico quanto do social. Cada vez mais, a sociedade espera que a qualidade de vida seja melhorada e o meio ambiente possa proporcionar melhores condições de vida.
Por informações recentes, mudanças já se fazem sentir na região, particularmente a instalação e desenvolvimento de empresas de serviço. Para tanto, a infra-estrutura da tecnologia da informação disponível contribui favoravelmente. Prova dessa mutação é a atuação da Agência do Desenvolvimento Econômico do Grande ABC e a vinda de empresas do segmento de serviços, pela facilidade proporcionada pela rede de fibra ótica disponível e pela Internet. O processo de mutação é natural e a história da humanidade tem inúmeros exemplos de prosperidade seguidos de períodos de retrações em cidades, localidades ou regiões.
Como o senhor descreveria o período em que esteve à frente da CTBC. Foram longos anos que marcaram a transposição de um modelo doméstico para um modelo estatal. Até que ponto a estatização do setor foi interessante para a companhia e para o próprio País? Enfim, valeu a pena a CTBC e as demais empresas estatais do setor terem passado por esse processo histórico até chegar à privatização em massa?
Arno Traeger -- A evolução e o fim como empresa independente estão diretamente ligados ao progresso da história política do Brasil, particularmente o Grande ABC. A implantação das telecomunicações no País remonta à época em que Dom Pedro II, em junho de 1876, visitou a Exposição do Primeiro Centenário da Independência dos Estados Unidos na Filadélfia. Nessa oportunidade, ele teve contato com o primeiro instrumento que falava, ou seja, o telefone. A evolução foi lenta e progressiva, conforme as necessidades do mercado usuário.
Um novo marco aconteceu com a criação do Ministério das Comunicações, da Telebrás e das teles estaduais, oportunidade em que todo o serviço telefônico passou ao controle do Estado. Nesse meio tempo a CTBC já fôra fundada e, por situação estratégica do Grande ABC, fôra preservada como empresa independente, mas politicamente submetida à política maior da Telebrás. Nesse período, até o processo de privatização de todo o Sistema Telebrás, durante mais de um decênio, foi o setor da economia brasileira de mais desenvolvimento no País. Na CTBC também houve período de crescimento, a ponto de pleno atendimento dos usuários de telefonia e algumas comunicações um pouco mais sofisticadas. O dito popular era: "A CTBC tem telefone para pronta entrega".
Como nada no mundo é eterno, também no País passamos por modificações profundas. A globalização da economia e da sociedade já estavam chegando e fazendo efeitos locais. O regime político passou a assumir o modelo da privatização e a economia nacional passou a assumir esse modelo. Deve ser entendido que se trata de um processo lento, para ser duradouro. Mais uma vez o setor de comunicações foi dos primeiros a passar pela modificação proposta, altamente positiva porque trouxe nova evolução tecnológica, ao nível de Primeiro Mundo, e a aplicação de grandes volumes financeiros que o Sistema Telebrás não tinha mais condições de aplicar.
Tanto o modelo estatal quanto o modelo privado das comunicações ao seu tempo tiveram e têm sua validade. Outros segmentos também já sentiram os efeitos das privatizações, como a indústria aeronáutica e a agroindústria, para citar apenas alguns exemplos.
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10/05/2024 Todas as respostas de Carlos Ferreira