O crime bárbaro que vitimou Celso Daniel elevou ao ápice o clima de insegurança nacional: a noção generalizada é de que tudo, absolutamente tudo, pode acontecer no Brasil da impunidade, da exclusão social, do acesso facilitado às armas de fogo, das fugas cinematográficas de presos e da polícia enfraquecida. O sentimento de vulnerabilidade resulta de duas interpretações. Para a imensa maioria dos brasileiros que não teve a sorte de conhecer Celso Daniel em vida e tomou conhecimento da barbárie pelos meios de comunicação, soou o alarme de que nem homens de envergadura estão livres dos criminosos. "Se até o prefeito de Santo André, que era conhecido e andava de carro blindado, caiu nas garras dos bandidos, pobre de mim" -- raciocina o brasileiro médio.
Para os que conviveram com Celso Daniel, sua perda gera um misto de vulnerabilidade e indignação pela constatação de um paradoxo: como pôde sofrer tamanha violência um homem cordato, respeitoso, que não demonstrava o menor traço de agressividade nem mesmo no ambiente naturalmente acalorado dos debates políticos? Como pôde ter a trajetória abreviada de maneira tão brutal alguém que se entregava com afinco e determinação ao raro exercício do conhecimento num País de sinais culturais trocados como o Brasil?
Além do comportamento irrepreensível testemunhado pelos mais próximos, diretrizes administrativas do executivo transformam o assassinato em contra-senso. Além de conhecimento sobre questões macroeconômicas e sensibilidade aguçada para a regionalidade que transcende fronteiras municipais, Celso Daniel marcou atuação especial no combate à criminalidade: colocou Santo André no grupo dos poucos municípios brasileiros dotados de Secretaria de Combate à Violência Urbana. Acima da mera transformação da Guarda Municipal em secretaria está o valor conceitual da iniciativa, concretizada em janeiro de 2001. "A secretaria é uma instância de primeiro escalão voltada para estudos sobre a criminalidade, suas origens e formas de combatê-la" -- explica o capitão Edson Sardano, secretário de Combate à Violência Urbana.
O enfoque cerebral em detrimento da ênfase meramente operacional ficou claro quando a secretaria trouxe para Santo André o belga Franz Vanderschueren, um dos maiores especialistas internacionais sobre criminalidade e violência. Responsável pelo Programa Cidades Mais Seguras da ONU (Organização das Nações Unidas), sediado em Nairóbi, no Quênia, Franz foi uma das principais estrelas de um seminário que reuniu outros especialistas e representantes da comunidade regional, no primeiro semestre do ano passado.
"Celso Daniel criou a secretaria como catalisadora das melhores experiências internacionais para aproveitamento local" -- afirma Edson Sardano. Foi por meio da secretaria, também, que Santo André tornou-se co-fundadora do Fórum Latino-Americano para a Segurança Urbana, ao lado de países como Argentina, Costa Rica, México e Chile.
Além de desenvolver setor de inteligência policial, a Secretaria de Combate à Violência ajustou o foco da Guarda Municipal às necessidades mais prementes da população. Sardano conta que parte do efetivo da guarda foi deslocada para locais com maior incidência de crimes. "Oitenta dos 413 guardas municipais receberam treinamento e passaram a coibir a ação de marginais que atuavam em 15 cruzamentos da cidade, assaltando motoristas" -- explica o capitão. "A modalidade de crime que havia se alastrado como praga em Santo André foi drasticamente reduzida com o reforço da segurança ostensiva em pontos críticos" -- observa. Na vida privada como na pública, Celso Daniel era acima de tudo um homem de paz.
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11/07/2022 Caso Celso Daniel: Valério põe PCC e contradiz atuação do MP