Caso Celso Daniel

Nosso Século XXI
revela preocupações

ANDRE MARCEL DE LIMA - 05/02/2002

Muito do que o prefeito Celso Daniel pensava sobre o Grande ABC pode ser resgatado em sua última participação pública na mídia, o ensaio que preparou para o livro Nosso Século XXI, da Editora Livre Mercado, lançado em dezembro. Poucos políticos interpretaram tão bem a fragmentação institucional que compromete o Grande ABC e sua economia em transição, fruto do esvaziamento industrial. Em muitos pontos o prefeito tinha fina sintonia com assuntos que sempre pautaram LivreMercado, como o estigma de região periferia da Capital, o despreparo da mão-de-obra frente às novas exigências da economia globalizada, o pequeno comércio dizimado pela chegada das grandes redes, a queda de qualidade do emprego com o avanço do setor terciário e -- um grande tabu -- a fragilidade da integração regional. 

O pensamento do prefeito convergiu, inclusive, para alerta feito já em 1998 por LM através do livro Grande ABC Tem Futuro?, que conclamava para a importância de uma ação regional sólida e solidária entre poderes públicos e comunidade. Celso Daniel encerrou dessa forma seu capítulo em Nosso Século XXI: "Nunca é demais repetir que, em grande medida, a sorte da região dependerá do rumo das ações levadas a efeito e sustentadas pela população da região". O título de seu ensaio para Nosso Século XXI traduz sua correta avaliação: População É Que Decidirá o Destino. 

Ancorado em um histórico resumido mas preciso da região, o prefeito não teve medo de mexer em feridas e apresentar o Grande ABC às vanguardas. Sobre a perda de indústrias, escreveu: "Ao processo de desconcentração territorial (da década de 70) soma-se a retração da década perdida (anos 80), iniciando-se o período de crise estrutural do Grande ABC. Tal crise se expressa pela perda de uma parte do parque industrial, embora não de seu núcleo duro, composto pelas montadoras". O desemprego tecnológico que muitos negam mereceu a seguinte apreciação: "...ocorre, de uma parte, um aprofundamento da diversificação territorial dos investimentos das montadoras e, de outra parte, reestruturações produtivas, tecnológicas e organizacionais com intuito de torná-las competitivas. Os investimentos assim realizados, ao propiciarem a modernização das plantas instaladas, agravam, por outro lado, o desemprego industrial".

Sobre o pequeno varejo, o emprego terciário e o rebaixamento de renda, colocou: "Na medida em que grandes supermercados e shopping centers, ao se aperceberem do potencial de consumo local, investem pesadamente na região, ocorre, de um lado, a substituição de parte do tradicional comércio de rua (e com isso um esvaziamento dos espaços públicos contíguos)... Os empregos líquidos gerados por esse processo, contudo, são claramente inferiores em quantidade e em qualidade em comparação com aqueles perdidos na indústria". 

Celso Daniel tinha visão clara de que a reconversão econômica do Grande ABC exigia vôos altos: ..."Há, porém, dois nós relevantes: o chamado terciário avançado de apoio à produção, num quadro de forte processo de terceirização, permanece, no essencial, atrofiado em relação à Capital. De outra parte, há um aprofundamento da informalidade, em parte resultante do próprio desemprego industrial que penaliza a qualidade das ocupações assim criadas". 

O prefeito também reclamava do distanciamento da comunidade acadêmica em relação aos problemas regionais: "As atividades acadêmicas, científicas e tecnológicas são incorporadas à agenda regional mas com limitadas iniciativas concretas, ou seja, há ainda longo e difícil percurso à frente para a superação desse aspecto da atrofia regional". Também achava tímida a agenda de bens culturais, mesmo com a diversificação da produção local de artes plásticas, literatura, dança, música e modernos cinemas que chegaram na esteira dos shoppings. "As iniciativas, porém, ainda não são suficientes para retirar do Grande ABC a condição periférica em relação a São Paulo".

Celso Daniel concordava com LivreMercado quanto à diferença entre o que chamou de herança de uma cultura de trabalho industrial e a efetiva existência de mão-de-obra qualificada para os tempos modernos: "Frente ao rápido processo de transformação tecnológica e nas relações de trabalho -- e por via de consequência às mudanças de perfil de formação educacional e qualificação profissional --, coloca-se o desafio da incorporação desses requisitos à cultura do trabalho existente, para que o potencial de elevação de produtividade do trabalho possa atingir melhores resultados" -- escreveu.

A integração regional mereceu estocadas diplomáticas: "A crescente consciência coletiva da crise estrutural do Grande ABC -- em substituição à ausência de tal consciência na década de 1980 -- criou condições para constituição de complexa institucionalidade regional (na forma de) Consórcio Intermunicipal, Fórum da Cidadania, Agência de Desenvolvimento Econômico, Subcomitê de Bacias e Câmara Regional... Mas há, em simultâneo, outras tantas forças centrífugas, ou seja, linhas de força que se opõem a processos de cooperação intermunicipal. A mais relevante é a tradição do isolacionismo municipalista, própria do federalismo brasileiro, que leva à falta de predisposição para a colaboração conjunta em temas de interesse comum e, no limite, à guerra fiscal".

O alucinante clima de insegurança não foi esquecido: "...Igualmente com impacto muito negativo na qualidade de vida em geral e no desempenho das atividades econômicas está o agravamento da violência urbana -- com a dificuldade adicional de que, à parte o tema da prevenção estrutural, a responsabilidade dos serviços de segurança pública é do governo do Estado, complicando bastante as possibilidades de equacionamento local".


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