Entrevista Especial

Vitória em 2004
só depende do PT

MALU MARCOCCIA e DANIEL LIMA - 05/02/2002

A morte de Celso Daniel altera a correlação de forças para as eleições de 2004, mas nada capaz de tirar a Prefeitura do PT se o partido continuar demonstrando unidade. Pelo menos é nisso que aposta o novo chefe de Gabinete, Gilberto Carvalho, ex-chefe de Governo do prefeito morto e liberado da campanha presidencial de Lula para continuar a dar mão forte ao PT de Santo André sob a administração João Avamileno. Considerado grande estrategista e profundo conhecedor do partido, Gilberto Carvalho expõe que poucas cidades petistas têm um PT tão estruturado e enraizado, e que a dobradinha que o intelectual Celso Daniel fez com o sindicalista João Avamileno é perfeita para arregimentar as várias forças políticas e da população. Gilberto afirma que o peso moral e político de Celso Daniel desequilibrava o jogo com partidos de oposição no Município e que sua ausência deixa agora esse jogo mais igual. Confia, entretanto, que Avamileno fará um governo favorável a partir da retaguarda do mesmo secretariado de Celso e não descarta que o ex-vice se transforme em nova alternativa política na sucessão.

Por também confiar que a máquina do Poder esteja azeitada e afinada com a continuidade do programa de governo, Gilberto Carvalho não acredita que se abra em Santo André um buraco negro em termos administrativos e de políticas públicas. Esse ex-seminarista de 51 anos formado em Filosofia pela Universidade Federal do Paraná, que milita no PT desde a fundação e trazido em 1997 por Celso Daniel do Instituto Cajamar -- uma das ONGs do partido --, garante que todos os projetos terão continuidade. Destaca os programas de inclusão social e o Eixo Tamanduatehy, para o qual anuncia inclusive a novidade do Museu de Ciência Viva. "Vamos dar todo o suporte necessário para que o João possa ser o prefeito e tomar todos os cuidados para que não haja tutelas" -- promete, vaticinando: "O João vai surpreender muita gente".

Você acha que a oposição em Santo André está consternada com a morte de Celso Daniel ou mais preocupada com as eleições de 2004?

Gilberto Carvalho -- A primeira análise é de que a oposição se mostrou absolutamente consternada. Seja no momento do desaparecimento ou da morte, tivemos muita solidariedade dos vereadores que fazem oposição na Câmara. Vários líderes marcaram forte presença no dia do velório. Depois, no que nos pareceu muito simpático, os três vereadores do PSB e o presidente do partido, o (Raimundo) Salles, estiveram no gabinete do João (Avamileno) hipotecando solidariedade.  Houve atitude louvável e madura de solidariedade e de tentar um fortalecimento para esta travessia.

Ao mesmo tempo, acho absolutamente normal dentro do jogo democrático que, assim que as coisas retomarem seu curso e a Câmara voltar à atividade, a oposição se articule levando em conta que o quadro mudou muito e que a correlação de forças se alterou. A oposição vai tentar, naturalmente, fazer seu jogo, que acho legítimo e natural.


LM -- Até que ponto a nova correlação de forças compromete a manutenção do PT na administração de Santo André em 2004?

Gilberto Carvalho -- Estamos tomando todos os cuidados e providências para que os prejuízos sejam os menores possíveis. É evidente que prejuízo é inevitável. O Celso era uma pessoa acima da média em Santo André e no conjunto do Partido dos Trabalhadores, isso dito tanto pelo presidente José Dirceu quanto pelo Lula. Talvez a figura que mais se aproxime dele seja o prefeito de Porto Alegre, Tarso Genro, em termos de projeção pública, porque reúne duas características do Celso: de um lado, grande capacidade gerencial, e de outro, capacidade de formulação de novas políticas. Portanto, seria injustiça exigir do João Avamileno -- ou fosse quem fosse o vice-prefeito -- desempenho ou padrão de governo do patamar do Celso.

O João vai fazer o governo ao estilo dele, mas sustentado pela mesma equipe e também orientado pelo mesmo programa de governo e por vários dos projetos concebidos pelo Celso que estão em estado de maturação. Portanto, o empenho é para que haja a menor quebra possível de ritmo. 

Do ponto de vista eleitoral, é evidente que Celso Daniel era em Santo André uma figura de Corinthians e Santos dos tempos do Pelé. O Corinthians entrava em campo sabendo que era difícil a batalha e com poucas chances. A oposição aqui entrava em campo, como na última eleição, sabendo que seria difícil, tanto que importou candidato de fora. É uma demonstração clara do que significava o Celso. Sem o Celso, é evidente que esse quadro se altera e o jogo fica mais igual, sem aquela disparidade favorável ao PT.


A unidade do partido fará, então, a diferença para a próxima eleição?

Gilberto Carvalho -- Sem dúvida nenhuma. O PT em Santo André é um partido muito estruturado. Conheço razoavelmente o PT em outros locais do Brasil e digo que em Santo André o partido tem uma implantação, um enraizamento enorme na cultura da cidade, tanto na periferia quanto nos setores médios. Apostamos nesse fato e também na capacidade de levar à frente esse trabalho. João Avamileno vai surpreender muita gente do ponto de vista da vontade e da capacidade de governar -- ao seu estilo, evidentemente. O João já demonstrou que vai ser o prefeito, não um fantoche conduzido por este ou aquele. Com a força do partido, a maneira do João trabalhar e a coesão da equipe, não tenho medo da eleição de 2004. Ao contrário do que muitos pensam, vamos fazer um bom governo e dar continuidade ao trabalho do partido.


O PT de Santo André passa a impressão de que alcançou o equilíbrio que o PT ainda não atingiu em nível nacional entre a classe operária, por onde surgiu, e intelectuais da classe média. Essa harmonia de forças evitaria riscos de radicalismos e de perda de foco doutrinário?

Gilberto Carvalho -- Exatamente. A análise está perfeita. Se for analisado o comportamento dos grupos em Santo André que fazem oposição dentro do partido -- casos dos vereadores Ricardo Alvarez e Jurandir Gallo --, há uma maturidade nessa convivência que impressiona muito. No ano passado, por exemplo, o Celso estava absolutamente satisfeito com a relação que tínhamos conseguido estabelecer com os dois vereadores e os grupos que representam, porque no fundo prevaleceu sempre a postura de diálogo, de crítica com maturidade, com o interesse comum sobrepondo-se às divergências que ocorreram e vão continuar ocorrendo, naturalmente. Sem dúvida, o componente da presença popular e operária no PT relativiza muito. Quando se tem uma discussão entre intelectuais, se dá um grande apreço às divergências e menos peso às convergências. Impressiona muito a experiência em Santo André de como as divergências não esmagam aquilo que nos une e têm permitido ao partido construir sua obra.

Não se pode negar que Celso Daniel teve peso enorme nessa discussão. A ausência da autoridade moral e política do Celso dentro do partido, não vou negar, pode nos trazer alguma dificuldade. Quando você tem um fiador do peso do Celso, há mais facilidade para construir a unidade. Esse é mais um desafio no interior do partido que vamos ter de enfrentar.


A pergunta que se faz é: quem será o candidato do PT em 2004, já que havia um desenho com Celso Daniel, um prenúncio de que esse candidato já estava sendo preparado.

Gilberto Carvalho -- Prefiro dizer que só o tempo vai permitir analisar com mais vagar essa questão. Nos primeiros dias fizemos questão, inclusive, de que esse assunto ficasse arquivado. O Klinger (Sousa, secretário de Serviços Municipais) tinha feito um primeiro movimento no sentido de candidatar-se a deputado, mas bastou uma simples ponderação para ele reconsiderar. Sua tendência é de permanecer no secretariado, até porque o Celso queria isso e seria estranho ele romper com um pedido, com um acordo feito com o prefeito.

Sabemos -- é transparente isso -- que temos uma pré-candidatura do deputado (federal) Luizinho (Carlos da Silva), temos um desejo do Klinger, não vou dizer que um desejo do Avamileno também... Agora, se o governo for bem como esperamos, é natural que se pense numa alternativa que não existia antes, que é a alternativa Avamileno. Está muito cedo ainda e não nos interessa adiantar essa especulação. Interessa agora concentrar toda energia na retomada do governo.


Por mais que se argumente que o secretariado e o programa são os mesmos, há estilos e estilos. O que Santo André perde em políticas administrativas e de calendário de projetos com as diferenças entre Celso e Avamileno?

Gilberto Carvalho -- Respondo com depoimento de um companheiro nosso de Santo André que foi atuar em outra Prefeitura do PT: "Dá muita saudade de trabalhar com o Celso porque ele é, de fato, um estadista" -- disse, argumentando que o Celso coordenava um governo com planejamento, com acompanhamento gerencial e cobrança dos projetos, além de divisão de responsabilidades. Ou seja, a objetividade com que os projetos são desenvolvidos no Município e a capacidade de descentralização que o prefeito conseguiu implementar pela experiência e pelo talento.

Como vice-prefeito, João Avamileno não estava à frente dos projetos do ponto de vista gerencial-administrativo. Ele vai viver agora essa experiência. O fato de a equipe já estar azeitada e funcionando vai ajudar muito -- por isso nossa preocupação em trabalhar a permanência dessa equipe, inclusive com meu retorno. Esse vai ser um suporte fundamental para que se mantenha a linha de governo, claro que com as tintas do João, com a forma dele trabalhar e de conceber gerenciamento. Estamos ainda tateando e nosso cuidado vai ser no sentido de dar o suporte necessário para que ele possa ser o prefeito. Ao mesmo tempo, não queremos tutelar o João. Estamos num fio de navalha: temos de oferecer-lhe todas as condições para exercer administrativa e politicamente o governo e, ao mesmo tempo, sem querer tutelá-lo, sem querer que um grupo ou um secretário exerça qualquer tutela. Acho que o João não deixaria, mas poderia ocorrer a tentação de a gente pegar-lhe a mão e conduzi-lo por aqui ou por ali. 


Nessa fase de transição, alguns projetos do programa Santo André Cidade Futuro vão ser prorrogados ou refeitos com as cores do João Avamileno?

Gilberto Carvalho -- Nosso empenho é para manter todos os projetos. Podemos ter alguns acidentes de percurso no orçamento que ocorreriam inclusive ao tempo do Celso, principalmente na batalha dos precatórios. Fizemos pagamento com base numa interpretação da lei e isso está subjudice. Ao iniciarmos 2002 com o Celso, já sabíamos da possibilidade de um comprometimento no orçamento. O compromisso que firmamos na primeira reunião do secretariado é que todos os projetos desenhados -- até por questão de homenagem ao Celso -- exigiriam mais esforços ainda para não atrasarem. Claro que já estamos perdendo tempo com esse período de investigação da morte e com a própria necessidade de o João Avamileno tomar pé da situação. Mas é atraso típico de um processo de transição e queremos que seja o menor possível.


Como fica a regionalidade sem Celso Daniel? Se a ausência em Santo André será respaldada por uma equipe coesa e que matura há tempos os projetos, o que esperar da integração do Grande ABC sem o principal animador do processo?

Gilberto Carvalho -- É natural que numa mobilização institucional como a do Grande ABC haja momentos de alta e de refluxos. E nossas organizações, no último ano, estavam vivendo um grande refluxo. É claro que a integração perdeu um soldado de qualidade. A expectativa é de que todos os prefeitos -- cuja presença e solidariedade no episódio da morte foram extraordinárias -- voltem a se empenhar, mais do que nunca. Infelizmente a região voltou a ser manchete de jornais pelo aspecto negativo da violência. Santo André vai continuar demandando ao João Avamileno dedicação no sentido da integração e que nossos secretários se esforcem ainda mais pela regionalidade. Vamos analisar como fica a sucessão na Agência de Desenvolvimento Econômico e -- o mais importante -- lutar pelo empenho coletivo. 

Não quero vender a ilusão de que será fácil. Os últimos esforços do Celso foram no sentido de assegurar a sede própria do Consórcio de Prefeitos e da Câmara Regional no antigo prédio da Justiça do Trabalho em Santo André, que já está sendo reformado. Não adianta, porém, só a marca física do imóvel. Queremos que essa construção represente a retomada da integração, que estava um pouco em baixa. A regionalidade é um front muito importante, que notabilizou inclusive o Celso e o Grande ABC.


Alguns legados de Celso Daniel são fundamentais para que a regionalidade não perca a perspectiva, como por exemplo o Eixo Tamanduatehy, que era a menina-dos-olhos do prefeito e seu símbolo para exorcizar o Complexo de Gata Borralheira do Grande ABC em relação à Capital. Independente da presença física do Celso, esse projeto vai ser lubrificado?

Gilberto Carvalho -- Esse é sem dúvida um dos grandes desafios nossos, porque é um projeto ainda em maturação. A presença do criador tinha um aspecto particular: o tempo todo Celso Daniel vivia cobrando da equipe a continuidade dos projetos. Durante o período do sequestro e morte, tínhamos dois secretários na Europa fazendo visita aos chamados Museus de Ciência Viva em Paris, na Escócia, na Finlândia e em Portugal. Eram a Cleusa Repulho, da Educação, e o Acylino Bellisomi, da Cultura e Lazer. O objetivo era ver o que poderíamos implantar em Santo André e já firmar contrato com esses museus para consultoria. 

Foi o último dos projetos que o Celso redesenhou dentro do Eixo Tamanduatehy. A idéia é construir esse equipamento onde hoje é a Garagem Municipal. O sonho do Celso era fazer um investimento público pesado na operação urbana e custear parte com recursos envolvidos com educação, porque se trata de um museu-escola, e outra parte com recursos da iniciativa privada. Era impressionante a ansiedade com que ele estava trabalhando em torno disso. Mandou os secretários para a Europa e mobilizou todos muito rapidamente. Já trouxemos um arquiteto que começou a fazer a primeira discussão. Quando houve o episódio do sequestro, a Cleusa ligou dizendo que estavam voltando, mas não deixamos. Eles continuaram nas pesquisas porque entendemos que é preciso mais do que nunca realizar esse último sonho do Celso.


Qual a idéia básica do projeto?

Gilberto Carvalho -- É ter um Museu de Ciência Viva, um centro de convenções que tanto falta no Grande ABC e um salão para exposições transitórias -- um espaço que possa receber essas mostras internacionais que ficam dois ou três meses em grandes cidades do mundo. Celso queria incluir Santo André nesse roteiro de arte e cultura internacionais. É sintomático saber que o último projeto ao qual se dedicou tenha sido cultural. Fiquei emocionado e fiz questão de no final da missa de sétimo dia na Igreja de São Domingo, em São Paulo, ler um pedaço da coluna do (jornalista) Gilberto Dimenstein sobre grafitagem em São Paulo e da homenagem que aquele grafite fazia a Celso Daniel. Santo André foi um centro pioneiro na abertura de espaços para meninos do hip-hop da periferia expressarem sua arte pelo grafite. Dimenstein dizia que no dia 25, aniversário de São Paulo, haveria uma grande sessão de grafitagem de murais e que essa seria uma homenagem àquele que usou a arte para combater a violência. Essa realmente era a vertente do Celso, que entendia que a transformação da pessoa e da sociedade passa pela questão da cultura. O Eixo Tamanduatehy era mesmo sua menina-dos-olhos e vamos tratar para que essa bola não caia. Já discutimos com o Irineu Bagnariolli (secretário de Desenvolvimento Urbano) sobre isso.


Quando isso sai do papel?

Gilberto Carvalho -- O arquiteto contratado é o Paulo Mendes da Rocha, que gostou muito do desafio, e o cronograma que tínhamos estabelecido é que no máximo até junho o projeto esteja concluído para que toda a operação urbana esteja pronta em 2003. 


O que seria Celso Daniel no futuro com a projeção nacional que vinha alcançando a partir da coordenação da campanha de Lula e após ter-se apresentado no congresso do PT em Recife, inclusive com a forte possibilidade de ser ministro de Estado de Lula? Quem seria Celso Daniel em cinco anos?

Gilberto Carvalho -- O Celso era a grande novidade do PT. Quando soubemos da morte, estava na casa do José Dirceu. Naquela confusão inicial, o Zé disse: "Olha, se for confirmada a morte, estamos perdendo a novidade que o PT tinha do ponto de vista nacional. É impressionante como a imagem do Celso é positiva em termos de diálogo, de líder novo. A minha cara, a do Genoíno, a do Lula é algo já comum e já temos nossas taxas de rejeição".

O Celso representava a abertura de novo canal para um setor refratário ao PT. Lula estava colocando o Celso em todos os contatos que ele teria com empresários e investidores porque sua capacidade de aglutinador e de diálogo ajudaria muito. A própria experiência desenvolvida no Grande ABC seria cacife fundamental para isso. 

Lutei muito para que o Celso aceitasse a coordenação. Ele tinha uma característica de não ser afoito, de não disputar posições. O Lula o convidou, ele relutou e fez uma discussão conosco porque tinha equilíbrio muito grande entre dedicar-se a militância, ao trabalho político e o cuidado com a vida pessoal, com o espaço particular dele. O prazer do Celso se dividia entre governar a cidade que ele adorava, o basquete e a universidade. O último diálogo que tive com o prefeito, uma semana antes da morte, foi quando acabou a primeira reunião do programa de governo, em São Paulo, e lhe falei: "Ô cara, você não está pensando em dar aula neste ano, está?". Ele respondeu: "Você sabe que tem duas coisas que você não pode impedir: que eu pare de jogar basquete e de dar aula. Vou continuar dando aula, só que diminuir a carga horária". Sob esse ponto, assumir a coordenação do programa de governo do Lula significava um ônus e Celso relutou muito. Ele dizia que havia sofrido muito na vida e que estava na hora de viver. Mas acabou aceitando e se encheu de tal entusiasmo pela campanha que a motivação competia muito com o amor por Santo André.

Não tenho dúvida de que Celso faria da elaboração do programa de governo um método absolutamente novo. Já estávamos em contato com artistas para montar um grande processo de envolvimento da população, semelhante ao que o Gepp & Maia fez aqui com o Cidade Futuro. Celso conseguiria ampliar muito o debate em torno da formulação do programa. Os olhos do Lula brilhavam quando se falava em Celso Daniel. É evidente que ele assumiria um ministério.


Cogitava-se que seria de Indústria e Comércio, algo mais pró-ativo que o Planejamento, como também foi aventado.

Gilberto Carvalho -- Isso ia depender muito da dinâmica, mas sem dúvida Celso seria um ministro de peso na equipe e passaria muito da experiência gerencial que o Lula não tem. Acho que o Celso tinha um futuro iluminado. Além da perda do político, perdemos um capital intelectual inestimável, que leva 30, 40 anos para construir. Perdemos um quadro humano desse porte, morto como não se mata nem um cachorro.


Se tivesse que fazer um ranking dos 10 melhores do PT em âmbito nacional pelo conjunto de qualidades individuais, culturais e gerenciais, Celso Daniel estaria nesse quadro?

Gilberto Carvalho -- Com certeza estaria, para qualquer pessoa. Particularmente, vivi 2001 como o ano profissional da minha vida, quando estive mais colado com o Celso. Discutíamos muito o dia-a-dia porque ele me transformou em espécie de secretário particular. Descobri algumas das grandezas do Celso. Era um sujeito muito tímido, às vezes passava até por mal educado. Mas fui descobrindo aos poucos uma pessoa com grande capacidade de afeto e sentimento ético muito profundo. O sentido ético o marcava muito, inclusive naquilo que chamo de inversão de prioridades, ao não abrir mão de investimentos na área social. O programa de inclusão social, por exemplo, foi criado por ele e tem um grau de genialidade muito grande, pois concentra várias ações e secretarias em torno de tirar pessoas da exclusão. Celso era guiado por esse sentimento ético. É evidente que o exercício do poder exerceu fascínio sobre ele como em qualquer pessoa. Mas ele nunca permitiu que isso atrapalhasse o objetivo fundamental de sua dedicação à vida.

Outro elemento que impressionou muito foi o do diálogo, a capacidade de ouvir, de ponderar, de nunca ofender o outro, de acatar. Sou testemunha da maneira muito cuidadosa como Celso conduziu a relação interna do PT, no sentido de preservar as pessoas e nunca transformar o companheiro em adversário e o adversário em inimigo. Me lembro de um episódio na inauguração do Hospital Municipal para o qual fiz um texto mencionando que o doutor (Newton) Brandão (triprefeito de Santo André) tinha feito reformas importantes no hospital. Um secretário foi contra dizendo que eu não deveria ser tão cristão assim. Estava chegando em Santo André, em 1997, e fui questionar o Celso. Ele respondeu que de maneira alguma deveria omitir essa informação. Na inauguração, Celso fez questão de citar o Brandão. Essa atitude é que revela o caráter de uma pessoa e Celso não abria mão disso.


O senhor considerava Celso Daniel um administrador moderno, de vanguarda para um tempo em que a classe política não é lá muito respeitosa?

Gilberto Carvalho -- Sem dúvida. Além desse sentimento ético, sem o qual todo o resto, a meu ver, perde validade, ele tinha a marca muito funda do diálogo e da capacidade gerenciadora. Celso tinha uma técnica de planejamento rigorosa, que cobrava o tempo todo de nós, e ao mesmo tempo uma inquietude profunda. Criticava-se na Imprensa que o prefeito viajava muito, mas é bom citar que todas as viagens, quando não custeadas por quem o convidava, eram pagas do próprio bolso. Eram viagens nas quais buscava recursos e idéias para a cidade.


Por que o prefeito tinha essa inquietude se era jovem, cheio de idéias, estava no auge profissional e com grande carreira pela frente, como o senhor projetou? Ele previa que ia se afastar de Santo André a partir de um governo Lula e demoraria para voltar ao Grande ABC?

Gilberto Carvalho -- Acredito que era pressa de ver a realidade funcionar. Ele me dizia às vezes: "Você não sabe como é duro ir para a periferia, ouvir reclamações absolutamente fundadas e não ter como responder". 


O que muda na sua vida a partir de uma nova experiência com João Avamileno?

Gilberto Carvalho -- Cancelei muitos projetos depois do pedido do João para ficar. Ele pediu ao Lula, que imediatamente me liberou da campanha. Fico em Santo André de bom grado pelo carinho que tenho pela cidade, pelo João, pela memória do Celso e por toda a equipe. Não é nenhum sacrifício e, sem demagogia, confio muito no João. Tenho que tomar cuidado apenas para que meu papel seja realmente de assessor. Nada de eminência parda. João Avamileno é o prefeito e eu estou, com o Mário Maurici (secretário de Comunicação) e Wander Bueno do Prado (secretário de Governo em substituição) compondo um trio de apoio. De chefe de Governo estamos criando agora o cargo de chefe de Gabinete para não mexer na estrutura que já estava desenhada quando saí para a campanha de Lula. Tenho um trânsito que me deixa muito feliz com o secretariado e com a Câmara. Vou continuar a cultivar esse trânsito para dar continuidade àquilo que estávamos realizando, agora com a marca do João.


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